O Homem Baile

Showmício

Em boa forma, Jello Biafra revive Dead Kennedys, mostra músicas do trabalho recente e aproveita para espalhar discurso de extrema esquerda ao público carioca. Fotos: Rodrigo Esper/Divulgação.

Jello Biafra já entra no palco discursando para o público e 'interpretando' as músicas

Jello Biafra já entra no palco discursando para o público e 'interpretando' as músicas

Era uma noite fadada a comparações com o longínquo ano de 1992, quando um Circo Voador lotado recebeu o eterno líder do Dead Kennedys, Jello Biafra. Na ocasião, ele tocou umas músicas com o combinado Ratos de Porão/Sepultura/Ministry e se jogou sobre o público, sendo resgatado com a camisa espatifada pela turba punk. Foi com essa visão que cerca de 800 punks e ex-punks de todas as idades foram ontem à noite ao Teatro Odisséia, no Rio. Jello veio à Eco 92 (conferência que reuniu líderes mundiais para discutir problemas ambientais em pleno governo Collor) só para protestar, e ontem, apesar de trazer o show completo de sua nova banda, a Guantanamo School of Medicine, fez o mesmo: aproveitou para pregar a ideologia de extrema esquerda do último dos punks de verdade.

Uma das impagáveis expressões faciais de Jello Biafra

Uma das impagáveis expressões faciais de Jello Biafra

Jello entra no palco vestido de médico e logo mostra uma camisa social com a bandeira americana em estampa gigante, só que de cabeça para baixo. Aos 52, mostra excelente forma, se mexendo sem parar e fazendo uma espécie de mímica que interpreta a letra de suas músicas. Em “Electronic Plantation”, por exemplo, que mira o extenuante trabalho em computadores, ele imita um digitador num teclado imaginário que trabalha demais, leva bronca do chefe e ganha pouco. Além disso, usa uns três minutos no início de cada música para explicar do que trata a letra, só que sempre em inglês. Em “New Feudalism”, denuncia que o ex-presidente George Bush queria implantar nos Estados Unidos o “sistema brasileiro, com poucos muito ricos e muitos muito pobres”. Entendendo o recado de uma forma ou de outra, o que vale é que o público agita sem parar, em apertadas rodas de pogo e moshs que faziam lembrar os tempos áureos do Dead Kennedys.

A coisa só esquentou pra valer com “California Über Alles”, clássico do hardcore mundial que levou a casa, de elam chique, a sucumbir ao punk rock de raiz. Foi a primeira das inúmeras vezes em que Jello se jogou sobre a platéia ensandecida. Outras seis músicas dos Kennedys foram incluídas no repertório, incluindo a esperadíssima “Holiday in Cambodia”, que fez um ensandecido fã despencar do mezanino de quase cinco metros de altura – consta que sobreviveu. Mas o público não reclama das novas, que formam a íntegra do único álbum do Guantanamo School Of Medicine, “Audacy Of Hype”, lançado no ano passado. Tampouco deixa de aplaudir a verdadeira pregação, afinal de contas é Jello Biafra, o maior ícone punk em todos os tempos, que está ali, a poucos metros de distância.

Jello usa a camisa com a bandeira americana invertida

Jello usa a camisa com a bandeira americana invertida

O som do grupo também contribui, já que boa parte das músicas lembra muito a pegada do Dead Kennedys, se é que isso é possível. O guitarrista Ralph Spight, por exemplo, emula East Bay Ray em várias músicas, como em “Pets Eat Their Master” e “Dot Com Monte Carlo”. Mas há boas novidades também: a pesada “Panic Land” e “The Cells That Will Not Die” ficam certamente entre as melhores da noite. Jello lembra da passagem da Eco 92 e diz que “nada aconteceu depois desse encontro de políticos, porque eles estão sempre bêbados demais”. Foi a deixa para outra dos Kennedys, “Too Drunk to Fuck”.

Jello dedicou a última música, “I Won’t Give Up”, ao amigo Renato Russo e a todos que – como diz o título - não se rendem. Outros temas recorrentes dele são a guerra, as grandes corporações, o cartel de drogas, a Coca-cola, o McDonald’s e blábláblá. Só vacilou ao elogiar o “partido verde brasileiro pelo desempenho histórico nas últimas eleições”. Mal sabe ele que, aqui, os verdes são tão comprometidos com as mazelas políticas com qualquer outro partido. Mas quem se importa? O que contou mesmo foram as duas horas de pogos e moshs desgovernados, sem, entretanto, uma briga sequer. Igualzinho ao show de 1992.

Set list completo:

Jello coloca o público para cantar...

Jello coloca o público para cantar...

1- The Terror of Tinytown
2- Clean as a Thistle
3- New Feudalism
4- Electronic Plantation
5- California Über Alles (Dead Kennedys)
6- Panic Land
7- Let’s Lynch the Landlord (Dead Kennedys)
8- Three Strikes
9- Strength Thru Shopping
10- Dot Com Monte Carlo
11- Pets Eat Their Master
Bis
12- The Cells That Will Not Die
13- Holiday in Cambodja (Dead Kennedys)
Bis
14- Police Truck (Dead Kennedys)
15- Too Drunk to Fuck (Dead Kennedys)
16- Bleed for Me (Dead Kennedys)
Bis
17- Moon Over Marin (Dead Kennedys)
18- I Won’t Give Up

... e depois se joga no meio da multidão, repetindo a clássica cena do inesquecível ano de 1992

... e depois se joga no meio da multidão, repetindo a clássica cena do inesquecível ano de 1992

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Raoni Martins em novembro 10, 2010 às 15:09
    #1

    Agradeço em nome da equipe da Grande Roubada pela divulgação e pela ótima resenha, como sempre! Até o próximo show!

  2. Marcelo em novembro 10, 2010 às 15:14
    #2

    Grande Jello!
    Jacuzzi Über Alles!

  3. Dugui em novembro 10, 2010 às 16:15
    #3

    Volte sempre mestre Jello Biafra.

  4. Michael Meneses! em novembro 10, 2010 às 18:53
    #4

    Assim como até hoje tem gente que como eu que lembra do show de 1992, vai ter gente em 2028 lembrando do show de ontem.

    Gente como Silvio Campos (Karne Krua/SE) e Canisso (Raimundos) já me perguntaram como foi em 1992, minhas respostas sempre foram cheias de muito orgulho e depois de ontem esse orgulho foi revigorado. VALEU!!

  5. Fabio em novembro 10, 2010 às 23:05
    #5

    Fuckin Jello and DK, man…best shit ever !!!

  6. Leandro Ravaglia em novembro 11, 2010 às 15:42
    #6

    Sobre os discursos, ele perguntou se a galera queria que fossem em inglês ou espanhol. Foi o público que escolheu o inglês.

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