Rock é Rock Mesmo

Deixem o rock rolar!

Reclamações exageradas de parte a parte não tiram do SWU o mérito de trazer para o Brasil, enfim, um festival nos moldes dos que acontecem na Europa e Estados Unidos

Meus amigos, o que é a natureza. E o que me faz bem repetir obviedades como esta frase, cunhada originalmente pelo genial Zé Trindade, que uso para começar textos de difícil abertura. Celebro logo de cara um simples lugar comum por que – não sei se os amigos perceberam – este espaço está ausente há uma pá de tempo, e nem desculpas se pode pedir por uma falha dessas; eu próprio não me perdôo. Ocorre que, por motivos que pertencem ao imponderável, às forças ocultas ou a sei lá o que não é sempre que a coisa flui. Nem sempre e pode ser Deus. Mas, às vezes, pelos mesmos motivos, os rios voltam a desaguar no mar, e é isso que me faz desdenhar dos amigos insones (mais amigas que amigos) no Facebook e acordar às cinco da matina, antes do sol, para retomar o rumo das coisas.

Há os que detratam o rock e observam que a coluna não sai por falta de assunto. No que eu respondo: falta de assunto uma pinóia! É tanta coisa no menu que eu nem sei o que comer. E, às vezes, passo mesmo fome. Detesto ser atrasildo, mesmo num mundo virtual de exagerado tempo real - tudo é tão online que, ao mesmo tempo, tudo já passou e a gente nem teve tempo pra ver, pra contemplar. Mas eu não poderia – e não vou – deixar passar uma daquelas experiências que marcam, sobretudo quando tem bala sendo disparada pra todo lado e muita gente ouvindo o galo cantar, sem saber onde. Pois eu tenho o endereço do galinheiro, com GPS, Google Maps e o escambau: sei muito bem aonde a porca torce o rabo.

Falo – antes tarde do que nunca – do SWU Arts And Music Festival, doravante denominado apenas SWU. Depois de conseguir uma suada credencial ao pagar das luzes, fui para Itu e parecia que estava na Europa. Digo isso não pela cidade em si, que nem conheci, mas pelo festival de estrutura idêntica, em linhas gerais, ao dos grandes festivais que pude conhecer lá no velho continente. O leiaute, os palcos, as tendas, as comidas, as programações, o camping, o meio do mato e – acreditem – até o clima, com sol quente de dia e um frio de lascar à noite, me levaram de volta a festivais como o Wacken Open Air (na Alemanha) ou Reading (Inglaterra), só para citar dois dos quais tive a oportunidade de conhecer.

Era cedo ainda e tudo funcionava bem, de modo que eu já me lamentava pelo fato de não poder comparecer no segundo dia, por conta de compromissos inadiáveis no Rio (entenda-se show do Rush na Praça da Apoteose), mas confirmei com louvor a volta para o terceiro (e melhor) dia do festival. Enquanto a bola não rolava – ou rolava só no bom palco das bandas nacionais – aproveitei para comprar uma quantidade de tíquetes suficiente para beber e comer até o último show, antes de voltar para o Rio, direto, numa excursão que salvou a nossa pele, a minha e a do fotógrafo e fiel escudeiro Luciano Oliveira – mas isso é outra história. No fim da noite, quase tudo foi colocado a perder com um tumulto generalizado no show principal, do Rage Against The Machine. A meu ver (já disse isso aqui), houve uma falha no leiaute que colocou as torres de som muito próximas do palco, deixando um espaço pequeno de pista comum, onde todo mundo quer ficar – daí o tumulto. Nada a ver com conotações políticas de “reforma agrária nas pistas vip e comum”, façam-me o favor.

Eis que, depois de uma noite no mínimo sensacional, vejo matérias e mais matérias metendo o pau na organização do festival. Ora, meus amigos, fiz três faculdades, mas não sou advogado. Muito menos de produtor marqueteiro que vê na defesa do meio ambiente uma forma de se promover e faturar alto – isso é problema dele. Mas vi/ouvi gente reclamando do frio, das filas, dois banheiros, da bebida, da comida, do transporte, da água… de tudo, enfim, sem entender o porquê. Queriam o quê? Ir a um festival de rock com outras 50 mil pessoas e comprar cerveja sem fila? Ir e voltar do banheiro sem perder nenhuma música? Chegar ao interior de Itu em dez minutos, estacionar e, em outros dez, ver o início do show? Francamente…

Não sou adepto da tola expressão “quem tá no rock é pra se fuder”, mas ninguém vai para o interior de Itu à passeio, para beber, comer, usar banheiros ou defender a natureza. Ninguém vai pro meio do mato em busca de conforto classemediano. O que leva 50 mil pessoas para essa roça é o rock, meus amigos. É o fascínio pela vocação para a vanguarda do rock que atrai todas essas pessoas, que topam investir uma grana em ingressos caríssimos, acampar, andar pra cima e pra baixo, enfrentar filas pra comer e beber, se cansar e depois ainda por cima sair de lá com um inigualável riso de felicidade. E não sou quem está inventado nada disso. Acontece assim no mundo todo há décadas. Ou vocês acham que num Glastonbury ou Coachella da vida é muito diferente disso? Não é, não, podem anotar. E agora que, com o SWU, pela primeira vez vislumbramos a chance de um evento desse tipo ganhar corpo e se tornar parte do calendário oficial, vem esse bando de manés tacar pedra? Não contem comigo, meus amigos, estou do outro lado. O lado do rock, de onde nunca saí.

Mas também não sou o macaquinho cego, surdo e mudo. Teve problema no transporte de volta, sobretudo no primeiro dia; houve problema de conexão para uso de cartões; faltou bebida quente naquele frio dos diabos; faltaram opções de comida; faltou organização e boas condições de trabalho para profissionais da imprensa e mais uma pá de coisa que eu não pude ver, no meio daquele corre-corre dos diabos. Mas a pergunta que fica é: foi ruim? Lógico que não (clique aqui para ver o balanço oficial). Nem o mais mal humorado dos classemedianos sairia reclamando, nem mesmo aquela juventude que tem tudo tão na mão que dar um passo é motivo de reclamação. Quem foi lá atrás de rock saiu de alma lavada. Podem anotar que se tudo der certo ano que vem estarei lá de novo, acampado, os três dias. Eu não deveria revelar, mas não resisto: tive um inesperado reencontro com a grade, em pleno show do Cavalera Conspiracy e arrebentei o joelho aos trancos com o Queens Of The Stone Age, antes de quase virar indie com os dinossauros do Pixies. O resto vocês já viram na cobertura do “exército de um homem só” que, aliás, bombou e ajudou o site a bater todos os recordes de acesso neste outubro maravilhoso. Para saldar a dívida por inteiro, só faltava isso aqui:

Placar Rock em Geral
(Clique nas bandas para ver a resenha de cada show)

Brothers of Brazil: sem nota
Macaco Bong: 7
Mutantes: 6
The Mars Volta: 8
Black Drawing Chalks: 7
Infectious Grooves: 7
Los Hermanos: 6
Rage Against the Machine: 9
Superguidis: 8
Gloria: 3
Cavalera Conspiracy: 8
Incubus: 6
Pixies: 9
Crashdiet: Sem nota
Yo La Tengo: 7
Avenged Sevenfold: 8
Queens of the Stone Age: 10
Linkin Park: 7

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Vital em outubro 29, 2010 às 8:07
    #1

    Grande Bragattis! Eu comentei de leve no meu Twitter de um certo perrengue que passei e falei que desenvolveria melhor no blog depois (o que ainda não fiz, também atrasildo), mas nem precisei, porque ficou aquela visão de que “achei uma merda”, o que não é verdade. Passados os perrengues - e o maior, o frio, nem foi culpa da organização - guardo boas lembranças dos shows, sim. O lance é que você é um daqueles caras que se mantém jovem com o rock :-) e eu já nasci meio velho e portanto, rabugento. Mas tamo aí no roque!

  2. Cassio Ragna em outubro 29, 2010 às 8:13
    #2

    Bragatto é o cara, falou tudo com maestria… só não entendo o “quase virar indie”… hehehehe… ainda bem que teve a palavra quase….

    Bragatto rulez!!!!!

  3. Rafael em outubro 29, 2010 às 8:22
    #3

    Pela grana que cobraram, foi uma merda a organização. Mas como tu provavelmente não gastou um centavo, foi ótimo.

  4. Marcos Bragatto em outubro 29, 2010 às 8:28
    #4

    Vai nessa, Rafael… Estou endividado até o ano que vem!

  5. Rafael em outubro 29, 2010 às 8:34
    #5

    Nós estamos então.. heheh..

    Mas no fim de tudo valeu, pelo RATM e QotSA.

  6. Daniel K em maio 4, 2011 às 11:38
    #6

    Tem nego que critica em revistas e jornais mas nunca colocou o pé em um evento… Falam muita merda, metem o pau em show de rock, mas elogiam um show do Racionais (Que se você esbarrar em alguém, tá morto)… Tá certíssimo que você disse, apesar de eu não curtir a maioria das bandas, achei muito bom… Fui mais para ver Infectious Grooves… No próximo tô lá de novo!

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