O Rock Como Ele é

Perto demais

Naquele momento o player aleatório estava matador: Celso Blues Boy, Patife Band, Hoodoo Gurus e Ira!, com exclamação e tudo.

O tempo passou, mas ele estava na mesma estrada. Ouvia promessas e mentiras que não davam em nada. Nem de quatro em quatro anos, quando era obrigado a votar em governantes que não se mostravam confiáveis após o pleito; tampouco no campo profissional. Explica-se que vinha sendo enrolado pela chefia há um tempão, mesmo já tendo sido aprovado com louvor em todas as etapas do concurso interno daquela estatal tão importante. A desculpa da vez era que pegava mal anunciar promoções em tempos de eleição em que o presidente tentava se manter no cargo. Na vida pessoal a coisa também não ia bem. Era preciso fazer algo.

Estava tenso, travado, cansado, propenso ao suicídio. A frase parece ser dramática – e é -, mas era a forma como se sentia, na hora em que o velho garçom lhe trocava uma caldereta de chope por outra. Ficava imaginando como aqueles senhores, com mais de 30 anos de casa cada um continuavam a fazer a parte deles com uma boa vontade exemplar. Fora o hábito de servir um shinit atrás do outro, caso o cliente não pedisse que isso só acontecesse quando efetivamente solicitado. De uns tempos pra cá adotara o bar mais antigo da Lapa como local para insights às cinco da tarde. Era sempre mais tarde que isso, mas não podia deixar passar a citação ao Velho Lobo do Leblon.

Queria achar que o passado recente estava a há mil milhas dali. Mas não era assim que a coisa funcionava. As memórias dos dias que passou com aquela fulana que conheceu numa rede social ainda eram vivíssimas. Não era dado à modernidades da globalização – termo tão real que nem era mais usado como algo ainda a acontecer -, mas, por conta da posição social, foi praticamente obrigado a adquirir um Blackberry na última viagem à Nova York. Não poderia receber uma ligação, com os colegas da firma por perto, atendendo num daqueles aparelhos obsoletos. Seria motivo e chacota na hora. Pensava nisso e lembrava da música do Canastra. Um hit sem nunca ter sido.

Não era de sair à noite, nas luzes da cidade. Mas, depois dos encontros virtuais, parece que uma coisa passou a levar imediatamente à outra. Era conhecer alguém naquele mundinho de dentro do computador para, em seguida, partir para o encontro real. Por isso aquela parada ali naquele ponto de tradição boêmia era estratégica. O aparelhinho não parava quieto, por conta de um frenético tráfego de mensagens. Até um de seus chefes – e ainda tinha mais essa – pegou o hábito de monitorá-lo com um ou outro comentário ordinário sobre o trabalho. Precisava ter cuidado para não endereçar as cantadas menos sutis para a pessoa errada.

Gostava de estar naquele canto de bar das antigas, bebendo aqueles chopes ultra gelados em sequencia e digitando sem parar com boa música nos ouvidos. Naquele momento o player aleatório estava matador: Celso Blues Boy, Patife Band, Hoodoo Gurus e Ira!, com exclamação e tudo. A concentração era tanta que, quando se deu conta, a notinha estava lhe sendo entregue e até um táxi já havia sido solicitado pelos garçons amigos. Em meio a tanta informação talvez não tenha percebido a mais importante da noite. Uma pequena no lado oposto, acompanhada por um casal, que não parava de, em vão, lhe flertar. Era só o que lembrava ao deitar a cara cheia no travesseiro amarrotado.

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