O Rock Como Ele é

A mochila

Não havia deixado o rock. Isso nem pensar. Só que agora, mais maduro, vivia uma fase classic rock. Era Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin na vitrola o tempo todo.

Quando ia atravessar a rua o sinal fechou. Já era tarde da noite, mas decidiu parar mesmo assim. Era a oportunidade para tirar o laptop da mochila e dar mais uma conferida. Queria ter a certeza se realmente havia memorizado o retratinho da moça no Facebook. Sabia que não se deve tomar uma atitude dessas numa grande cidade, sujeita a todo o tipo de inseguranças noturnas, mas nem pensou nisso. Precisava ver de novo o semblante que desejava encontrar. Ou, ao menos, ver de longe. Não tivera coragem de marcar o encontro com a pequena, mas sabia que ela estaria na chamada segunda sem lei do Baixo Gávea. Hoje em dia sabe-se tudo das pessoas nas redes sociais, pensava.

Não chegou a cravar que sairia naquela noite, mas deu a entender, na última conversa pelo msn, que encontraria as amigas à noite. Sabia que isso iria instigar o rapaz que conhecera há pouco tempo através do orkut. Teve medo de convidá-lo e passar por oferecida. Ou, até, receber uma desagradável negativa. Usava de estratégias de sedução inerentes ao nodo feminino de agir nessas ocasiões. Mas nunca sabia se daria certo. Nem era tão nova para adotar esse modus operandi, mas agia assim de qualquer forma. E tinha outra. Se ele não aparecesse estaria ali a se divertir com as amigas, às vistas de todos os varões famintos que circulam na região às segundas e terças.

Se tinha uma coisa que não gostava era exibir aquela mochila ensebada de micróbio do underground. Fazia tempo havia deixado de lado aquela coisa adolescente de correr atrás de bandas novas. Mas não havia deixado o rock. Isso nem pensar. Só que agora, mais maduro, vivia uma fase classic rock. Era Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin na vitrola o tempo todo. Já admitia sair de casa atrás de um rabo de saia. Antes, só fazia isso por causa delas, as malditas bandas do underground. Mudou, mas ainda não tivera tempo, grana e sabe-se lá o que, para se livrar daquela maldita mochila encardida. O plano era chegar cedo, descolar uma mesa, abrir o laptop e ficar de tocaia para ver a moça sem ser descoberto.

Não era de se apegar a isso ou aquilo. Dizia ser eclética com medo de que o contrário lhe fechasse portas a novas amizades e – quem sabe – paixões. Fazia tudo por um romance, até mesmo se dizer, por trás da tela de um computador, fã de rock. Não gostava de ser chamada de tiete, mas, nas redes sociais, agia como se fosse uma. Só não gostava daqueles mulambos com camisetas pretas e calças jeans surradas. Só de pensar na silhueta de um deles com aquela típica mochila dependurada nas costas tinha ânsia de vômito. Não que fosse preconceituosa, mas tudo tinha um limite. E com tantos bem nascidos ali, de banho tomado e cheirosos, por que ficar atrás daqueles inúteis?

Já havia bebido dois chopes e baixado uns três CDs, quando avistou a pequena e abaixou a cabeça. Achou charmosíssimo ver o rapaz, no meio daquela balbúrdia, utilizando um laptop. Não era tão atirada, mas optou pela abordagem mesmo assim. Com um clique conferiu que sim, era ela. Mas se surpreendeu ao vê-la em sua direção. Decidiu que passaria por trás da cadeira para que ele sentisse o perfume borrifado em grande quantidade depois do banho. Tentava a todo custo fechar a janela do Facebook com o perfil da moça. Ao dobrar à direita, percebeu a mochila imunda dependurada por um alça. Enojada, decidiu seguir em direção ao banheiro. Assustado, pediu a conta e foi embora.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Lucas em setembro 18, 2010 às 21:27
    #1

    Boa crônica, continue assim ^^

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