Fazendo História

Bruce Dickinson
O que fazer para não virar uma lata de feijões na prateleira

Matéria sobre a carreira solo do vocalista do Iron Maiden. Publicada na Rock Press número 17, de dezembro de 1998. Foto: Marcos Bragatto.

brucedickinson97As coisas não acontecem mesmo por acaso. No momento em que o mundo do metal questiona Blaze Bayley como vocalista do Iron Maiden, Bruce Dickinson, depois de anos tentado encontrar a identidade de sua banda, faz o álbum mais voltado para o heavy metal de toda a sua carreira. E mais: pela segunda vez conta com a presença de outro componente da fase áurea do Maiden, Adrian Smith. Levando-se em conta o nível de entrosamento que os músicos de Bruce atingiram, e comparando a formação das duas bandas, é quase um empate técnico. Com séria possibilidade de virada de jogo.

“Chemical Wedding” é o nome do petardo lançado por Bruce Dickinson, mantendo a mesma formação de “Accident Of Birth”, contando ainda, além de Adrian Smith, com Roy Z (guitarra), Eddie Casillas (baixo) e David Ingraham (bateria). “O título foi tirado de um livro escrito há alguns séculos, e narra a transição de uma alma do estágio da ignorância para a relação com conhecimento, através da alquimia, um tema também explorado por William Blake, o poeta maldito”, explica Bruce. São também de William Blake a maioria das imagens utilizadas no encarte do CD, todas fotografadas na Tate Gallery, em Londres. “Nós havíamos encomendado uma capa como o nosso mascote (conhecido como Edson), mas o conteúdo desse álbum combinava mais com o material disponível na Tate Gallery”, explica Bruce. Edson pode ser visto no clipe do primeiro single desse álbum, “The Tower”.

Sempre influenciado pela mitologia grega, da qual é estudioso e fã, Bruce foi o responsável por enfatizar temas épicos no Iron Maiden, em álbuns como “Piece Of Mind” e “Powerslave”, por exemplo. Agora, ele envereda pela alquimia aplicada ao trabalho dos músicos, especialistas, na sua visão, em tecer múltiplas influências em cada música que compõem. “Tal qual ocorreu com o álbum anterior, eu escolhi esse título antes de fazer uma única música, pois você tem que começar por algum lugar. Ele é legal porque sugere opostos, coloca dúvida nas cabeças das pessoas. O álbum trata de alquimia, que é o que os músicos fazem, facilitam o auto questionamento. É permanecer no seu corpo, enquanto a sua alma está em algum outro lugar”, comenta Bruce, tentando explicar o significado de “Chemical Wedding”.

E parece que dessa vez a tal química citada por dez entre dez bandas realmente funcionou na direção certa. Por mais que Bruce se inspire em sua própria inquietação para buscar novos rumos para a sua música, é impossível para ele negar todo o passado como um dos maiores vocalistas da história da música pesada. Porém, ele tem consciência que um trabalho mais voltado para o metal representa o caminho da obviedade, enquanto o do experimentalismo pode ser uma forma de renovação: “As pessoas preferem algo mais previsível. Quando você compra uma lata de feijões, é porque o que você quer é uma lata de feijões. Mas com música é diferente, existe uma relação entre o artista e o público. Quando um artista gosta que essa relação se pareça com uma lata de feijões, tudo bem (ele se refere a Steve Harris e ao Maiden). Mas eu prefiro que as pessoas tenham surpresas com o álbum. Esses dois últimos álbuns mudaram para direções mais pesadas, e eu realmente gosto disso, porque me deixa extremamente popular. Por outro lado é um perigo, de você virar aquela lata de feijões na prateleira. É preciso fugir desse tipo de coisa. Manter o mesmo espírito, a mesma alma, mas sempre estar mudando algo”, metaforiza Bruce.

Já para os fãs, o que interessa é que realmente Bruce Dickinson está de volta ao posto que não deveria ter deixado, o de cantor de heavy metal (do qual ele se orgulha) com uma banda tocando à altura de suas origens e com qualidade musical, do ponto de vista da criatividade. Para muitos, o retorno de Bruce para esse caminhos se deve ao fato de Adrian Smith ter entrado em sua banda na gravação de “Accident Of Birth”. Ele justifica: “Para o público o fato de Adrian ter entrado para a banda foi um grande acontecimento, tipo: ‘dois caras do Iron Maiden tocando juntos de novo!’ Mas para nós dois foi uma coisa natural, por que nós fizemos o de sempre, cantar e tocar guitarra. Roy Z é um grande guitarrista também, e tudo na banda tem suas devidas proporções. Todos da banda são importantes, e não queremos ser vistos como “A banda”. Não queremos que público deixe de enlouquecer quando tocamos “Two Minutes to Midnight”, mas, para nós, quando fazemos álbuns, é como se fôssemos uns garotos de 17 anos de novo”.

É claro que não foi só a entrada de Adrian Smith que colocou Bruce Dickinson de volta ao heavy metal, por sinal, lugar que ele nunca deveria ter deixado. Mas Adrian foi fundamental. Mais do que fez em “Accident Of Birth”, ele reconduziu seus riffs para um lado melódico e pesado, tornando indispensável a colocação de que deu um banho na sua ex-banda e em seu substituto, que nunca chegou a convencer público e crítica.

“Chemical Wedding” é sem dúvida o trabalho mais pesado da carreira solo de Bruce Dickinson, e também o que mais se identifica com a banda onde fez fama e fortuna, o Iron Maiden. Os solos encontrados nesse CD, não só de Adrian Smith, mas também de Roy Z, são uma pérola, melodicamente falando. É o que ocorre em “King In Crimson”, que abre o álbum, e em “Trumpets Of Jericho”. E não é só, há pitadas de Iron Maiden espalhadas em algumas introduções (“Book Of Thel”), ou em simples evoluções de guitarra (”Machine Man”). Mas é “The Tower” que tem toda a sua estrutura baseada nos moldes do Iron dos velhos tempos, ainda que mais cadenciada. E aí a comparação torna-se inevitável. Tal qual Ozzy Osbourne, Bruce Dickinson não toca nenhum instrumento, mas sabe exatamente como o som de sua banda deve ser, e injeta componentes mais acessíveis ao peso que herdou do Iron Maiden. Acrescenta-se aí o fato do guitarrista Roy Z (e do próprio Bruce) sofrerem forte influência do Black Sabbath, o que pode ser notado em “Killing Floor” e em “The Alchemist”, que fecha a alquimia musical do álbum citando trechos da faixa título.

Mas como será que se encaixa esse trabalho de Bruce, perto da nova geração do metal, de Korn, Coal Chamber e Deftones? Como o público de metal reage a essas mudanças? Bruce é quem dá a aula: “É legal que todas essas bandas apareçam misturando tudo, pois só assim que pode aparecer coisas realmente novas. Mas o público de heavy metal sempre vai existir, cada vez mais forte, porque eles formam uma espécie de comunidade que estão sempre ligados no que está acontecendo, e quando pintam os shows, eles vão, quando saem os CDs, eles vão lá e compram. Essa história de que o heavy metal vai acabar é besteira, porque mesmo quando a música pesada não está em evidência, o seu público permanece fiel e garante sustentação aos artistas.

Bruce Dickinson espera tocar no Brasil já no próximo ano, mas revela algumas incertezas: “Não sei em que data faremos um novo show no Brasil, mas o certo é que no ano que vem haverá a tour pela América do Sul, e esperamos poder ir até o Brasil, sim. Tudo isso depende dos produtores de shows, mas eu acho que o sucesso desse álbum, que eu considero ser o maior álbum solo lançado no Brasil, é que vai convencê-los de fazer esse show”. Atenção produtores, fiquem ligados!

BATE BOLA COM BRUCE

Bruce Dickinson veio ao Brasil somente para divulgar “Chemical Wedding”, seu sexto álbum solo. Com uma paciência sem limites, atendeu a todas as perguntas feitas na entrevista coletiva para as revistas especializadas (que durou cerca de duas horas), além de depoimentos para a mídia, de uma forma geral. Atencioso com todos os jornalistas, e com os fãs penetras de sempre, Bruce havia concedido, na véspera, uma tumultuada tarde de autógrafos em uma loja de CDs completamente lotada para vê-lo. Como não poderia deixar de ser, Bruce não escapou das garras de nosso intrépido João Veloso Jr, que descolou este rápido bate bola uma das vozes mais consagradas do heavy metal:

Parceria com Adrian Smith: Adrian é um exímio guitarrista e sempre fomos muito amigos. Sempre que possível, estávamos conversando, mesmo depois dele optar pela carreira solo. É uma pessoa com quem gosto muito de tocar. Já estamos juntos há algum tempo, e ele inclusive já tocou comigo aqui, no Brasil.

“The Tower”: Foi escolhida para o primeiro single por ter uma batida típica da minha carreira solo. Tem peso e é envolvente, coisa às vezes não encontrada em bandas de heavy metal.

Volta do Iron Maiden com a primeira formação e você nos vocais: Nunca nem pensei nessa hipótese.

Esportes: Para ser sincero não sou nem um pouco ligado em esportes. Creio ter sido meio que coincidência terem tirado fotos enquanto eu praticava algo como esgrima, por exemplo. Eu tenho uma escolha na vida que é a música, então, tudo o que eu faço é voltado e pensado para a minha música. Quando sobra um tempinho, tento fazer algo, mas é mais por brincadeira e diversão.

Influências em “Chemical Wedding”: Ouvi muita coisa clássica, como Black Sabbath e bandas como Soulfly.

Bandas brasileiras: Eu conheço muito pouco, afinal não é sempre que fico por aqui. Conheço Sepultura, Soulfly e o Angra (eles são muito famosos na Alemanha!). Desta vez, conheci o Dorsal Atlântica. Eu vi o show deles no Rio e gostei muito.

Rock in Rio I: Você está brincando? Esse foi um dos melhores shows em festivais da minha vida. Eu lembro que a gente ficava na praia o dia todo, que tinha muita mulher bonita e que tudo foi realmente incrível. O show foi inesquecível.

Shows pelo Brasil: Estamos em contato com vários empresários e tudo está sendo acertado para 99. A questão financeira ainda é uma barreira por aqui, mas não quero deixar os fãs na mão.

Chemical Wedding: Gostaria que todos escutassem esse disco com calma porque eu acho que é uma das melhores coisas que já escrevi até hoje. Meu som está mais pesado que nunca. Espero que vocês, brasileiros, gostem.

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