O Rock Como Ele é

Mudança de hábito

Era a trilha sonora que lhe chamava a atenção. Afinal, não é qualquer filme - ainda mais americano - que traz, a reboque, músicas de Psychedelic Furs, Echo And The Bunnymen, INXS e New Order.

De uma hora para a outra passou a assistir a comédias românticas. Não era o que se pode chamar de cinéfilo, mas construíra uma reputação de que detestava o gênero que trouxe à luz atrizes apenas regulares como Sandra Bullock e Cameron Diaz. Achava que era o tipo de filme feito para mulheres com pouca massa encefálica, por mais dura que fosse a afirmativa. Assim, cortava um dobrado quando as namoradas cismavam que tinham que ir para a fila das salas de cinemas para assistir justamente ao gênero que ele não suportava. Tinha que ir, claro. E guardava, na lembrança, vários rompimentos causados por discussões em torno das malditas comédias românticas.

Agora, não. Por algum motivo achou que poderia reviver um amor do passado grudado na programação de TV, sempre repleta desse tipo de filme. Chegava a gravar as programações matutinas para assistir à noite. Era notório baixador de músicas na web, mas logo passou a fazer download dos filmes também, ajudado pelos novos equipamentos que a estabilidade num emprego de remuneração farta lhe permitia adquirir. Até no carro instalou um aparelho desses que se pode assistir enquanto dirige. Achava que, assim, teria flash backs de um passado recente que não pretendia ter deixado para trás. Na verdade, havia sido deixado.

Foi assim, que, de uma hora para a outra, se deparou com “A Garota de Rosa Shocking”. Achava o filme ridículo já no título, e não entendia por que diabos os críticos sempre apontavam aquela besteirada como o “símbolo de uma época”. Na verdade, nem se lembrava e ter assistido a história completa. Era a trilha sonora que lhe chamava a atenção. Afinal, não é qualquer filme - ainda mais americano - que traz, a reboque, músicas de Psychedelic Furs, Echo And The Bunnymen, INXS e New Order. “Pretty In Pink” trazia. Pouco estava interessado no drama daquela suburbana dentuça vivida Molly Ringwald seduzida por um garoto riquinho.

Não agora. Súbito, se pegou achando que a história da ruiva desajeitada sem mãe e com pai bebum poderia lhe ser útil. Não diretamente, mas de alguma maneira. Da mesma forma em que, nesses últimos tempos, vinha assumindo o papel em cada comédia romântica que assistia. Achava que tudo estava acontecendo de um jeito igualzinho ao que vivera em seu último romance. Exceto, claro, pelo final feliz no qual nunca se vira. Senão, não estaria colecionado DVDs de histórias de triângulos amorosos óbvios interpretados por atores assim, assim. Viveria – isto sim – sua própria história, não aquelas imaginadas por roteiristas pouco criativos com polpudas contas bancárias.

Toda vez que ficava muito tempo em frente à TV se lembrava da personagem vivida por Swoosie Kurtz em “True Stories”, de David Byrne, que jamais saía da cama. Se achava na vida dos outros assistindo tudo pela TV. De um modo geral, acreditava que o mundo, nos dias de hoje (o filme é de 1986) era um pouco assim. Só que e a constatação, em vez de lhe causar indignação, o acomodava ainda mais. Não via mais, naqueles filmes, nada de romântico ou de engraçado. Era preciso parar. Cancelou a TV por assinatura. Jogou no lixo o telefone da locadora. Empacotou centenas de DVDs e despachou para o endereço daquela que lhe deixara. Só reteve o CD com a trilha sonora de “Pretty In Pink”.

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