Fazendo História

Empresário faz diferença

Histórias de profissionais que às vezes precisam ser antipáticos para garantir boa – ou alguma – fama aos artistas. Publicado na Revista Outracoisa número 18, de janeiro de 2007. Foto: Cadu Cavalcanti/Divulgação.

lobatto“Fale com o meu empresário!”. Esta aí uma frase que gera muita controvérsia. Mais do que arrogância por parte do artista, ela pode demonstrar que o sujeito está num bom momento de sua carreira – um período, digamos, bastante positivo, em que a coisa está deslanchando. Isso do lado bom do negócio. Numa fase como esta, a figura do empresário pode ser determinante. Bons exemplos estão deixando pra trás a imagem de outrora, aquela em que o sujeito que cuidava da carreira dos artistas não passava de um grande malandro que ficava com a maior parte do dinheiro. Mal necessário? Atividade indispensável? Ou só uma profissão como outra qualquer?

Você pode não saber o nome deles, mas certamente conhece para quem eles trabalham. Marcelo Lobatto, por exemplo, já atuou com o Hanói Hanói, Nação Zumbi e Planet Hemp. Aos 16 anos era roadie na banda de Pepeu Gomes quando percebeu que poderia ir mais longe produzindo shows e empresariando artistas. Hoje, toca a Na Moral Produções, empresa que administra as carreiras de Marcelo D2 e Pitty, entre outros. Com o sucesso da empreitada Lobatto já não acompanha cada passo de seus pupilos como no início - cada artista tem seu próprio produtor. Para ele, boa parte as atividades da produtora vem da crise na indústria fonográfica. “As gravadoras financiam a máquina, com fortes esquemas de divulgação. Só que hoje não tem mais a injeção de capital de antes, então o empresário está absorvendo os departamentos que eram da gravadora, como marketing, assessoria de imprensa…”, explica. Se antes o lucro de um agente girava em torno de 20%, hoje pode chegar aos 50, ainda mais quando o artista é desconhecido no mercado.

Se Marcelo Lobatto saiu dos palcos direto para a produção, Simon Fuller fez carreira como executivo de carreira na área artística, trabalhando em multinacionais como EMI e Warner. Só depois ajudou na produção de alguns artistas do naipe de Paralamas do Sucesso e Fernanda Abreu, além de ter construído experiência internacional com os shows de Michael Jackson, Metallica e Pet Shop Boys. O trabalho diretamente com artistas começou com Pedro Luís e a Parede e com o Los Hermanos, para quem ele próprio ofereceu uma parceria. “Só trabalhei com artistas que eu gostava. Acompanhei de longe o momento ‘Anna Júlia’, quando eles me procuraram estavam no ‘Bloco…’”, e aí começamos a trabalhar, num acerto de três meses, porque ninguém sabia quem era o público do Los Hermanos”, conta Fuller.

Lobatto também já teve seus rompantes ideológicos, quando decidiu contratar a Nação Zumbi num momento mais do que improvável. “Fui o primeiro empresário após a morte do Chico Science, porque eu temia que a banda acabasse, e o Nação Zumbi não podia acabar. Se antes existia a dúvida de que o Nação fosse prosseguir sem o Chico, hoje não existe mais”, vibra.

Nem sempre é assim. Lobatto sabe que no fim do mês as contas têm que fechar, senão a brincadeira não tem graça. E pra ter sucesso, artista e empresário devem se concentrar em suas funções. “Empresário tem que ter uma palavra na cabeça que é o resultado. Eu não quero saber do timbre da guitarra, eu quero é o resultado”, sentencia.

Há escolas diferentes. A de Marcos Sketch, por exemplo, que muitas vezes já se encafifou com o desempenho dos músicos. Mais novo, entrou no mercado há oito anos e já fez de tudo um pouco. Venda de shows, marketing, Internet e produção musical. Deu muita peruada nos timbres das guitarras do Ramirez, banda com a qual trabalha atualmente. “Acabei caindo nisso por acaso, por paixão à música. Depois de alguns anos produzindo bandas novas a coisa foi ficando séria”, conta Sketch. Hoje, para muita banda iniciante, trabalhar com Sketch é sinônimo de que alguma coisa vai acontecer. Ele já foi da equipe do Leela, LS Jack, Leoni e Detonautas.

O acaso também parece ter sido o grande responsável por colocar Jane Deluc no ramo, tanto que ela até hesita ao definir suas atribuições. “Nem sei se sou empresária exatamente, foi acontecendo…”, conta a moça, que cuida de artistas já conhecidos como Canastra, Nervoso e Lasciva Lula. Antes, chegou a trabalhar para a Na Moral.

Às vezes, pode parecer que o trabalho do empresário é só ficar contando os lucros. E até pode ser assim mesmo, caso o artista tenha certa projeção. “Hoje, o telefone do Los Hermanos toca, mas no começo não tocava. Tínhamos que levar o show, convencer as pessoas a ceder o espaço, garantir o mínimo”, conta Simon. Com Lobatto a coisa é parecida. Ele receita: “Pegar artista é fácil, quero ver ficar ligando para os contratantes incentivando o cara a fazer, visitar as rádios e botar pra tocar, convencer o cara do clipe com orçamento baixo, convencer a MTV de usar, o fã clube a votar. É assim que vai”.

Ambos concordam: artista tem é que fazer show. Na pior das hipóteses os Hermanos, com disco na praça, fazem uns 120 por ano, segundo Simon, ao passo que Lobatto gosta de colocar cada contratado da Na Moral em cima de um palco 14 vezes num mês. “Carreira de banda se constrói na estrada. Quando você faz um show numa cidade, é anunciado um mês antes, tem aquela história da fidelização do público”, defende, ao mesmo tempo em que proíbe seus artistas de fazerem playback – fingir que toca enquanto a música é executada mecanicamente.

Um cenário um pouco distante para artistas menores, uma vez que a quantidade de investimentos envolvida é bem inferior, isso quando existe. “Era bem mais fácil quando eu só lidava com bandas novas”, conta Sketch. “Há menos dinheiro envolvido, então um bom trabalho tem mais chance de ter êxito”, acredita, no que tem o apoio de Jane: “A diferença está no dinheiro e na fama. Com bandas famosas, contratantes e produtores é que convidam e pagam o cachê; com banda pouco conhecida a negociação é uma verdadeira novela, não querem pagar os músicos”, lamenta.

Em compensação, os investimentos deles são bem menores que os feitos pela Na Moral. Marcelo Lobatto estima que é preciso desembolsar cerca de R$ 300 mil num ano para ‘colocar’ um artista novo no mercado, e que o lançamento de um nome badalado como Marcelo D2 não sai por menos de R$ 600 mil. “Você recupera na estrada, tem dois anos pra ganhar com esse show. Os números são generosos também”, afirma. Ainda mais quando rola o tal “cachê da vaidade”. “O meu cachê varia de acordo com a situação, porque dar prejuízo ao contratante espalha que o artista não é rentável. Mas empresário querer mostrar que o artista dele é melhor cobrando mais pode causar aquela quebradeira geral”, alerta.

A vida na estrada pode não ser tão boa assim, e situações embaraçosas estão sempre acontecendo, independente da projeção do artista envolvido. “Uma vez, com a Fernanda Abreu o contratante não queria pagar. O diretor do clube chegou com três seguranças armados e mandou começar o show. Fomos embora sem receber”, conta Fuller. Às vezes, o problema parte do artista, nem sempre disposto a encarar a parte ruim da coisa. “Hoje em dia nenhum artista quer fechar a noite. Eu tenho ótimo relacionamento com outros empresários, num dia eu firmo que fulano tem que entrar em terceiro; mas em outro eu tenho que ceder, e meu artista tem que fechar. Nem sempre isso é compreendido”, conta Lobatto, evitando citar nomes e situações específicas. Ele defende o comportamento por vezes egocêntrico dos seus artistas. “Artista que não tem ego não é artista. Não pode é exagerar, tem que soltar o ego no momento sagrado da arte, que é no palco”, acredita, apostando no mito no astro do rock.

Simon pondera: “Algumas coisas podiam ser contornadas. Pedir um sushi num camarim no Maranhão é complicado. Ou, a 2500 quilômetros do mar, pedir um atum…”, exemplifica, sem dar o nome do santo. Quando não tem jeito, o rompimento pode ser a solução para a coisa não desandar. “Podem ocorrer milhões de atritos. É uma sociedade, e nós cuidamos de todos os aspectos, shows, agenda, as coisas administrativas, editora, parte contábil e de contratos”, explica Simon. Marcelo Lobatto tem a sorte de, em geral, ficar com os artistas que ele pega bem no começo, mas contabiliza uma rescisão de contrato, em termos bem amigáveis, com Nando Reis. “O Nando requer uma atenção que eu não tinha, foi um artista com quem eu aprendi muito. Como ele é mais velho e tem mais experiência, acho que eu respeitava muito”, avalia, rindo. “A Na Moral precisava se estruturar mais para ter um terceiro artista de ponta. São 18 pagamentos a mais no meio da semana”, diz.

Mesmo com tudo correndo bem, em geral empresários não costumam ter boa fama, são como mordomo de filme de suspense: sempre levam a culpa. “Alguém tem que segurar essa onda”, assume Lobatto. “A imagem boa tem que ficar com o artista, um cara legal e tudo mais. Tem aquela frase, ‘o artista vai na frente dizendo sim e o empresário vai atrás dizendo não’, e eu não me incomodo nem um pouco com isso”.

Sketch vê a falta de informação como grande responsável pela pecha. “Com tantas entrelinhas complicadas no show business fica mais fácil ainda pra quem é mal intencionado quando os envolvidos desconhecem seus direitos”, acredita, apostando na mesma seriedade que Simon vê em parcerias que já duram muitos anos. Para ele, “é como um casamento, tem pessoas que logo se separam e outras que ficam casadas 50 anos”.

Para quem tem um trabalho novo e está a procura de um profissional do ramo, que fique claro que não basta a banda ser boa. É preciso que os empresários tenham um mínimo de interesse pelo tipo de som. Senão, pode esquecer. “Eu tenho é que gostar, vejo shows, tenho uma pilha de CDs aqui na frente, sempre tem alguém com uma banda”, conta Simon. “É bem pessoal mesmo”, concorda Sketch, “às vezes não tem explicação, você assiste a um show e sente que aquilo tem futuro. Quanto mais ‘pronto’ o trabalho estiver, melhor”. Com o sucesso de seus artistas, Marcelo Lobatto hoje se dá o luxo de esperar sentado. “Depois de um tempo você começa a ser muito procurado. Escutei o Luxúria, achei bom, gostei e tô investindo na banda”, diz, revelando justamente seu calcanhar-de-aquiles.

Contratada pela Na Moral, e considerada uma das revelações do rock nacional em 2005, a banda ainda não começou a dar resultados. Lobatto tem uma explicação. “Lançamos a banda no pior ano para o show business desde o Plano Collor. Teve Copa do Mundo, uma eleição em dois turnos e ainda proibiram o show político”. Mas o “mecenas” não desiste. Quer manter seu bom desempenho. “Estou com cem por cento de acerto, dos nove discos que eu lancei, todos foram disco de ouro. Faltam só os novos da Pitty e do D2, e o do Luxúria. Vou correr atrás pra manter essa média, porque o único lugar que o sucesso vem antes do trabalho é dicionário”, filosofa.

O próximo da lista é o Rockz, enquanto Simon Fuller aposta nos baianos do Canto dos Malditos Na Terra do Nunca. Se depender deles certamente ainda vamos ouvir falar muito dessas duas bandas.

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