O Homem Baile

Fundo do poço

Com banda cover montada às pressas e a voz em frangalhos, Michael Aston se esforça para relembrar sucessos do Gene Loves Jezebel, na pior performance vocal de que se tem notícia. Fotos: Luciano Oliveira.

Com certa animação, Michael Aston se diverte com a própria decadência

Com certa animação, Michael Aston se diverte com a própria decadência

O desavisado que entrasse ontem à noite na Rock N’Drinks poderia pensar que estaria em um show do lendário Serguei. Ou, por outra, dependo do horário, que se tratava de uma das edições do “Karokê Indie”, um dos eventos de sucesso da casa carioca. Era, na verdade, o anunciado show do Gene Loves Jezebel, e a confusão se faria porque Michael Aston, um dos gêmeos fundadores do grupo, 25 anos mais moço, havia deixado a voz nas outras três apresentações, respectivamente em Florianópolis, São Paulo e Goiânia. Não havia, ali, nenhuma condição de o sujeito cantar, mas ele, num misto de esforço e evidente chapação, decidiu seguir em frente.

Fãs ajudam, no momento karaokê

Fãs ajudam, no momento karaokê

Explica-se que já há algum tempo, com a briga entre os andróginos “twins”, existem dois Gene Love Jezebel. Um é o de Michael e o outro o do irmão Jay, e cada qual é obrigado, judicialmente, em países como Estados Unidos e Inglaterra, a colocar o próprio nome na frente do grupo (este seria o Michael Aston’s Gene Loves Jezebel), de modo a não confundir o público. Ocorre que, nessa turnê pelo Brasil, criou-se um terceiro grupo, formado por músicos brasileiros na guitarra e bateria, e pelo baixista/empresário americano responsável pela turnê. Ou seja: uma banda cover mal ensaiada com um Michael Aston afônico se passando pelo Gene Loves Jezebel. Típico caso de propaganda enganosa apontada pelo PROCON.

Não era, entretanto, a banda que protagonizava a vergonhosa exibição. Nunca se viu, em cima de um palco, alguém com a voz tão em frangalhos como a de Aston. A seu pedido, foi apresentada uma dose de uísque, e ele próprio tentou transformar a situação vexatória em um inesperado “stand up comedy”, fazendo farra da sua dualidade sexual e até sobre futebol. Banda e público tentaram ajudar com mais vocais de apoio que o esperado, mas a situação era mesmo irremediável. Músicas da melhor fase do grupo, como “Heartache” e “Gorgeous” tinham início caótico e só eram reconhecidas pelo público – com certo esforço – depois de alguns minutos. Imaginem então o caso de “Beyond Doubt”, cheia de notas mais altas…

Ao fundo, guitarrista acompanha na partitura as músicas que ainda não aprendeu

Ao fundo, guitarrista acompanha na partitura as músicas que ainda não aprendeu

Quando esteve no Brasil em 1989, em dias de sucesso, o Gene Loves Jezebel, completo, já tinha deixado a desejar. O grupo tem excelentes composições, com guitarras bem sacadas, sobretudo as dos álbuns “Discover” e “House Of Dolls”, mas, a exemplo de outros que enveredam pelo glam rock, carecem de uma dose a mais de peso que poderia ser acrescentada ao vivo. Não aconteceu daquela vez, tampouco na banda cover que se apresentou ontem. “Desire”, o grande hit do grupo, foi o tal momento karaokê, no qual Aston ia se lembrando de clássicos de Black Sabbath, Sex Pistols, The Who e The Doors, entre outros, para que o ralo público o acompanhasse. Fãs de última hora, oriundos de festas revivalistas, se dividiram entre a admiração e o constrangimento. Participaram com tanta animação que o show foi apontado por uma incauta que acompanhou toda a turnê brasileira como o mais animado. Bem melhor voltar para as festas ou escutar tudo na vitrola mesmo.

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