Bola é Bola Mesmo

A volta do complexo de vira-latas

Vitória da zebraça Espanha desencadeia análises equivocadas que trazem de volta uma inferioridade há muito tempo superada pelo Brasil

Não sei se os amigos se lembram ou já ouviram falar, mas era assim que o Mestre Nelson Rodrigues se referia à seleção brasileira entre o fracasso da Copa de 50 e o triunfo na de 58. Para ele, no período, o futebol brasileiro – torcida, crônica, jogadores – sofriam um grande complexo de vira-latas, até Pelé, Garrinha e cia encantarem o mundo na Suécia. Ele, não. Honra seja feita, Nelson detonava o futebol europeu elogiado por todos e defendia escola brasileira. Suas teses se materializaram em 58, e ele pôde destilar toda a ferocidade acumulada em – no mínimo – quatro anos.

Pois eis que a vitória da Espanha na Copa, anteontem, já traz de volta o tal complexo de vira-latas em nossa crônica esportiva. Acham, agora, que a Espanha é que joga bonito, que o Brasil precisa jogar igual à Espanha e – mais ainda – adotar o mesmo procedimento para revelar e moldar jogadores, já na base. Revela-se a Espanha, súbito, a grande potência do futebol mundial, e mesmo em outros esportes. Até o nome da solitária figura do tenista Rafael Nadal é evocado para dar consistência ao caldo.

E o que é o time a Espanha? Um coletivo de bons jogadores que ficam tocando a bola de lado a outro de campo até o momento em que, quase ao acaso, marcam um gol. Nunca na história do futebol o gol foi tanto detalhe e o toque de bola tão super valorizado. Parece até que Carlos Alberto Parreira implantou o futebol espanhol contemporâneo. Vejam que a fórmula espanhola nem sempre dá certo. O gol só foi sair no finzinho da prorrogação, na qual a equipe só jogou melhor graças à entrada de Fàbregas, seu melhor jogador, único a partir pra cima em vez de focar tocando de lado. Na Espanha o que mais há são tocadores de bola quase sempre inofensivos. Por isso a campanha foi pífia, incluindo uma derrota para a Suíça e, na fase decisiva, três vitórias apertadas por um a zero (com direto a gol de cabeça de zagueiro) e um empate na final. Ou seja, a Copa de 2010, fora de Europa e América, como se previa, apresentou um resultado excêntrico: uma zebraça extraordinária.

Não é o caso, no entanto, de tirar os méritos da equipe espanhola. Ganhou está “ganhado”, como diz o outro, e agora a Espanha está no grupo dos que ganharam e podem continuar vencendo, junto com Brasil, Itália, Alemanha, Uruguai, Argentina, Inglaterra e França. A Espanha deve mais é aproveitar a geração de bons jogadores e ganhar o máximo que puder, porque, diferentemente do Brasil, não os revela a toda hora, seja qual for a sua política esportiva. Não é o caso, muito menos, de se mirar no título da Espanha como exemplo para nós. O Brasil não tem que jogar como a Espanha, o Brasil que jogar como o Brasil. E como joga o Brasil? Depende do treinador a ser escolhido e dos jogadores à disposição; craque é que na falta e nunca vai faltar.

Não é verdade que o Brasil não tem tocadores de bola como a Espanha possui, ou os volantes e meio-campistas que “sabem jogar”. Até o mais distraído torcedor já percebeu que os destaques dos últimos campeonatos brasileiros são justamente jogadores que desempenham bem funções de marcação e de apoio, como Hernanes, Lucas, Arouca, Jean, Ramires e tantos outros. Nossa defesa não é pior que a da Espanha e nossos atacantes são melhores. Nos falta é o equilíbrio entre a seleção de “notáveis” e 2006 e a de “guerreiros” de 2010. Dá pra arrumar isso tudo, com calma, fazendo uma necessária renovação, em quatro anos, fácil, fácil.

A grande mancha desse mundial vai para a arbitragem que, não raro, influenciou em resultado de partidas importantes, como nos gritantes erros nos jogos de Inglaterra e Alemanha, quando um gol legítimo não foi observado pelo juiz; Argentina e México, no o impedimento de Tevez, que não era difícil de ser marcado; no gol da Holanda contra o Uruguai em uma das semifinais, outro impedimento visível até pela TV; e mesmo na final, quando um escanteio foi subtraído da Holanda, resultando nada mais nada menos do que no gol do título! Isso tudo pouco tem a ver com recursos eletrônicos, a FIFA deve investir é na profissionalização e treinamento dos árbitros, além de acabar com o vínculo por nacionalidade entre os bandeirinhas e o juiz.

Mais do quem em outras vezes essa foi a Copa da internet, a única explicação para que “notícias” bizarras tenham obtido espaço em horário nobre nas redes de TV. Não precisava a Globo ter exibido o treinador da Alemanha fazendo reciclagem para todo o Brasil. Assim como o polvo profeta, era coisa pra focar só no âmbito da web, até por uma questão de bom gosto e bom senso. Precisamos dos filtros na imprensa esportiva também. Além das belíssimas imagens e da era do HD, nossas coberturas foram previsíveis, uma vez que as equipes de locutores e comentaristas foram basicamente as mesmas da Copa passada, cometendo os mesmos erros. Até o grande Milton Leite se deixou levar pelo amadorismo, arriscando com o inseparável parceiro Maurício Noriega trocadilhos ridículos que nem como piada interna funcionam. Como o Sportv é única emissora à cabo com imagem HD, sobrou para tecla “mute” resolver o problema.

Copa
Melhor equipe: Holanda
Melhor jogador: Sneijder (Holanda)
Seleção: Casillas (Espanha), Lahm (Alemanha), Puyol (Holanda), Juan (Brasil) e Van Bronckhorst (Holanda); Schweinsteiger (Alemanha), Xavi (Espanha), Sneijder (Holanda) e Forlan (Uruguai); Robben (Holanda) e Villa (Espanha)
Técnico: Oscar Tabarez (Uruguai)

Destaques de cada seleção

África do Sul
Positivo: Fez um bom papel e venceu até a França
Negativo: Único país sede a não passar da primeira fase

Alemanha
Positivo: Fez uma renovação forçada, às pressas, e jogou com agressividade juvenil
Negativo: Faltou experiência para segurar a Espanha na semifinal

Argélia
Positivo: Disputar a Copa
Negativo: Não vencer ninguém

Argentina
Positivo: Mesmo sem brilhar, Messi foi o melhor dos grandes craques em toda a Copa
Negativo: Sem treinador, teve sempre um time mal armado e perdeu para si própria

Austrália
Positivo: Ficar empatada em segundo lugar no grupo
Negativo: Querer encarar a Alemanha de igual para igual logo na estreia

Brasil
Positivo: Uma das melhores zagas em todos os tempos
Negativo: O descontrole emocional que impediu a reação contra a Holanda

Camarões
Positivo: Nenhum
Negativo: Não fez um ponto sequer

Chile
Positivo: Jogar sempre pra frente
Negativo: Jogar sempre pra frente

Coréia do Norte
Positivo: Participar da Copa
Negativo: Montar uma torcida falsa, com chineses

Coréia do Sul
Positivo: Está aprendendo a jogar bola
Negativo: Ter poucos craques

Costa do Marfim
Positivo: O esforço de Drogba para jogar
Negativo: Baixar o pau

Dinamarca
Positivo: O bom toque de bola
Negativo: A falta de agressividade

Eslováquia
Positivo: Eliminar a Itália em bela partida
Negativo: Finalizar muito mal

Eslovênia
Positivo: Nenhum
Negativo: Nenhum

Espanha
Positivo: Vencer jogando mais ou menos
Negativo: Renunciar a gol e manter Fàbregas no banco

Estados Unidos
Positivo: Fazer uma de suas melhores Copas
Negativo: Não pode perder para Gana

França
Positivo: Nenhum
Negativo: A falta de educação do treinador e o desinteresse dos atletas pela seleção

Gana
Positivo: Único time africano a superar a primeira fase e a chegar às quartas de final em muito tempo
Negativo: Continua com péssima pontaria, o que acarretou em jogar a vaga para as semis no ralo

Grécia
Positivo: Marcar gol em Copa do Mundo
Negativo: Nunca atacar

Holanda
Positivo: O equilíbrio entre técnica e tática
Negativo: O cansaço na final

Honduras
Positivo: Participar da Copa
Negativo: Ter um time muito fraco

Inglaterra
Positivo: Nenhum
Negativo: A inoperância de craques de clube como Lampard, Gerard e Rooney

Itália
Positivo: O drama, para não italianos
Negativo: A falta de renovação

Japão
Positivo: Está começando a mostrar jogadores que aprenderam como o “colonizador” Zico
Negativo: O porte físico

México
Positivo: Se classificou no grupo da morte
Negativo: Praticamente entregou o jogo para a Argentina

Nigéria
Positivo: O goleiro Enyeama
Negativo: O gol perdido por Yakubu

Nova Zelândia
Positivo: Sair invicta da Copa
Negativo: Não saber jogar bola

Paraguai
Positivo: Chegar às semis
Negativo: Nenhum

Portugal
Positivo: O lateral Coentrão
Negativo: A discrição de Cristiano Ronaldo, outro jogador de clube

Sérvia
Positivo: Vencer a Alemanha
Negativo: Não se classificar para as oitavas

Suíça
Positivo: Ser a única a derrotar a seleção campeã
Negativo: Mesmo assim, não se classificar

Uruguai
Positivo: Chegou às semis com louvor e teve o eleito o craque da Copa
Negativo: Não acreditar mais

Até a próxima, que o negócio agora é o Brasileirão!!!

Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. Kreator em julho 15, 2010 às 11:23
    #1

    Finalmente alguém que pensa como penso. “Vitória da Espanha é a vitória do futebol ofensivo!”, dizem 7 de cada 10 cronistas esportivos.

    Ofensivo onde? Chegavam ao gol aos trancos e barrancos, vencendo todas as partidas por 1 gol de diferença, “chorado” e ainda perdendo uma?

    Sua seleção de melhores também está muito boa, apenas acho que não a Holanda, mas sim a Alemanha seria a melhor Seleção da Copa, e tentaria encaixar o Tevez no ataque.

    Acredito que a Seleção de “Guerreiros” do Dunga tinha tudo pra trazer a taça, tamanha a mediocridade da final, mas perdemos para nós mesmos também, da mesma forma que a Argentina.

  2. Bruno Matos em agosto 5, 2010 às 11:38
    #2

    Comédia. A Espanha não tem jogadores para outra geração? Então tá.. O que será que são Cesar Azpilicueta, Ignazio Monreal, Roberto Canella, Pedro León, Sergio Canales, Javi Martínez, Diego Capel, Chico, Alberto Botía, Fernando Llorente?

  3. Bruno Matos em agosto 5, 2010 às 11:40
    #3

    Sem contar, que, contra todo mundo, a Espanha teve de lutar contra 11 atrás.

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