O Rock Como Ele é

A história

Mais cedo, pouco depois de o sol nascer, morrera Cazuza, um dos ícones da geração do rock nacional que revolucionava a música brasileira.

Já passava do meio dia quando o corpo, enfim, resolveu reagir. Havia chegado em casa na alta madrugada e não se lembrava direito de que jeito. Casa o modo de dizer, já que vivia enclausurado de favor num quarto no apartamento de um amigo, que, por sua vez, pegara o imóvel emprestado de uma terceira boa alma, bem ali, em Vila Isabel. Como de hábito, ainda se contorcendo em busca de destituir o acúmulo de ácido lático nos músculos, ligou o micro system da Aiko e teve, de supetão, a terrível notícia. Mais cedo, pouco depois de o sol nascer, morrera Cazuza, um dos ícones da geração do rock nacional que revolucionava a música brasileira.

A notícia era para ser esperada por todos, uma vez que o músico travava uma inglória batalha conta a AIDS – tinha sido, até, capa da Veja, numa incrível demonstração de mau gosto. Batalha era até um exagero típico dos acometidos por notícias ruins, já que Cazuza, na medida do possível, não deixou de curtir a vida como fazia. Por mais que se espere, a notícia da morte sempre causa espécie, espanto e compaixão de quem a recebe. Não era certo um dos porta vozes de uma geração tão nova, que se salientava graças ao fim de uma implacável ditadura, partir tão cedo. Já que ele não podia levar a vida, queria deixar que ela, a vida, o levasse, nas palavras do sábio parceiro Lobão.

Na verdade, já estava em pleno litígio com o vocalista de uma de suas bandas preferidas. Depois que abandonara o Barão Vermelho, num golpe duro para os fãs, Cazuza começava a se encantar com música popular brasileira, como se a proximidade do fim o identificasse com compositores do samba de raiz como Cartola, Agenor, como ele, ou Noel Rosa. Mal sabia ele que, dez anos mais tarde, o Los Hermanos se encarregaria de lhe ofertar decepção ainda maior. Mesmo assim, naquela manhã ressacada, que já era tarde, comoveu-se com a perda que o começava a fazer entender, de alguma forma, o que era a vida e como a história se escrevia, ali mesmo, na frente dele.

Recebeu e fez ligações a amigos que estavam sentindo com pesar a notícia lida e comentada pelas vozes femininas da Fluminense FM. Cazuza, de certa forma, nascera ali, junto com mais um milhão de bandas novas que mudaram o mundo na década que ficara para trás naquele sete de julho de 1990. Uma chuveirada, xícaras de café e garrafas de coca cola depois o fizeram refletir que, se vivo permanecesse, certamente Cazuza não agiria de forma piegas diante da morte de alguém ou da sua própria passagem – como se isso fosse possível. Foi o que o fez refletir e chegar à conclusão segundo a qual uma vida sem o ídolo deveria ser uma vida com o ídolo. De um jeito ou de outro, Cazuza vivia.

Jimi Hendrix se foi cedo. Janis Joplin também. Jim Morrison. John Lennon. A lista não tinha fim. Contudo, o rock se impôs patrocinando revoluções como a grande bandeira da juventude em todos os tempos e lugares, incluindo aquela que ele próprio acabara de presenciar, e – por que não – ajudado a fazer, ainda que como público. Súbito, percebeu que a enorme perda era o combustível para atear fogo em algo que não poderia parar, como não cessou em 70 ou 80. Tomava a primeira gelada do sábado, brindando Cazuza com fazem os mexicanos, e, quando se deu conta, estava no Jóquei Clube, cara a cara com Renato Russo, outro que, curiosamente, também iria cedo demais. Celebravam Cazuza, eles e a multidão, copiosamente. Estava escrita a história.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Sabrina Andrade em julho 8, 2012 às 17:57
    #1

    Sensacional ♥

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