Rock é Rock Mesmo

Aceitam-se argumentos

Os festivais independentes, seus patrocínios e idiossincrasias, o oportunismo do jornalismo-polêmica e a dificuldade dos produtores em lidar com críticas

Meus amigos, o que é a natureza. Vejam vocês que, outro dia, fui acusado de gostar de rock. Sem mais nem menos, tal qual um réu que comete o mais abominável dos crimes, fui sentenciado por ser adepto da bandeira da juventude em todos os tempos e lugares: o rock. E de quem partiu a acusação? De um produtor de festivais independentes, de origem interiorana, em visita ao Rio. Ora, meus caros, me culpar por gostar de rock é como constatar o apreço de Paulinho da Viola pelo samba, de modo que vejo na tal acusação um “quê” de ressentimento. Vai ver que o tal produtor não assimilou críticas que este que vos escreve – um crítico por vocação e ofício – tenha feito eventualmente em algum momento. Na falta de argumentos, a vã acusação.

Digo isso para chegar a uma verdade absoluta: os dirigentes dos principais festivais independentes deste Brasil varonil têm uma dificuldade enorme em lidar com as críticas. Reunidos e representados pela Abrafin (Associação Brasileira dos Festivais Independentes), não conseguem, apesar do discurso retrô pré-ditadura, afiadíssimo, argumentar contra os que apontam seus problemas. E não são poucos. Vejam que, nos últimos tempos, pegaram Abrafin para grande vilã do mercado musical brasileiro. De repente, num acalorado debate na web, a associação virou culpada por bandas serem ruins, pela falta de pagamento de cachê aos músicos, pelo mal uso de dinheiro “público”, por dar privilégios a determinados artistas e, imaginem, “estatizar o indie nacional”. Pode um negócio desses?

Fiz três faculdades, mas não sou advogado, muito menos da Abrafin. Entretanto, trabalhando em cobertura de festivais, vi a entidade ser criada. Em 2005 Fabrício Nobre saltou da van onde eu estava para se reunir com Paulo André, em Recife, após mais um Abril Pro Rock, para lançar as bases da associação. A partir daí os festivais passaram a ter uma representação e maior respeitabilidade como entidade que organiza eventos e que faz girar o mercado cultural. Deixaram oficialmente de ser uma “coisa de roqueiro doidão” para participar efetivamente do mercado. E assim muitos festivais conseguiram novos patrocínios e parcerias que ajudam a mostrar novos artistas. Não sei como funciona a Abrafin internamente, mas acredito que um estatuto aprovado pelos afiliados deva nortear a maioria das questões. E tenho certeza que a entidade não rege os princípios de cada afiliado. Mas sei que as ações da associação têm dado certo e mantido, ainda de que modo informal, um circuito de festivais em todos os cantos país – eis aí seu principal mérito. Mazelas, também as deve ter. Que se aponte uma a uma. Falar genericamente é que não dá.

Equivocam-se aqueles que apontam o uso de dinheiro “público” nos festivais independentes, ao apontar para a Petrobras. Primeiro, que o monopólio estatal do petróleo já acabou há muitos anos, e a Petrobras é uma empresa de economia mista, cujo principal acionista é o Governo Federal. Ocorre que, hoje, é a Petrobras quem empresta dinheiro ao governo, não o contrário. Não há dinheiro de impostos do contribuinte no orçamento da empresa; a Petrobras obtém lucro extraindo petróleo de uma profundidade de mais de 500 metros abaixo do fundo do mar (atividade na qual é líder mundial), transportando, refinando e vendendo o produto final para toda a indústria pesada, de bens de consumo e para o público em geral. Não admira o lucro expressivo obtido a cada ano. Segundo, que a Petrobras não lança editais de patrocínio para festivais independentes (e para outras dezenas de atividades culturais) porque é boazinha. A empresa faz isso para manter uma boa imagem junto ao público, propagar sua marca e (talvez o principal), se beneficiar da lei que permite um recolhimento menor de impostos.

No ano passado, fui convidado pela Petrobras para fazer parte da Comissão de Seleção de Patrocínio na área de Festivais de Música. Vi como funciona o Edital, e, depois de ler com cuidado 89 projetos, pude verificar – com certo orgulho – que os festivais ligados ao rock, em sua maioria, eram os que detalharam melhor suas propostas. Constatei também a lisura do processo (caso contrário, não teria assinado embaixo) e vi que o trabalho da Abrafin contribuiu no processo, muito embora precise melhorar, assim como as empresas patrocinadoras (não só a Petrobras) também precisam fiscalizar mais amiúde a aplicação das verbas concedidas.

Por exemplo. Em todos os orçamentos apresentados, há verba para o pagamento de cachês de todos os artistas, do bambambã ao iniciante. Na prática sabemos que isso não acontece, o que está absolutamente errado. Não só porque quem trabalha tem que receber, em todas as esferas, mas porque, quando um patrocinador libera a verba para um orçamento, se ela não é aplicada de acordo com a própria proposta do realizador, dá-se a impressão que o dinheiro foi desviado para o bolso dele. A Petrobras, por exemplo, segundo minhas fontes, está de olho nisso e vai acompanhar mais de perto a questão. A empresa não quer ver o nome dela em manchetes dizendo que a verba do patrocínio não chegou ao destino final. Muito menos que deu calote em artistas de festivais que prometem movimentar a cadeia produtiva. Outro ponto. No ano passado o Goiânia Noise propôs fazer o festival num determinado local e fez em outro. Há motivos para a mudança, mas, será que o orçamento se manteve? Diminuíram ou aumentaram os custos? Espero que as empresas patrocinadoras estejam acompanhado isso de perto, através de prestações de conta bem fundamentadas.

Disse que a verba usada pela Petrobras em editais de patrocínio não é dinheiro público. Mas poderia ser. Porque, meus amigos, é obrigação do Estado (assim como cuidar da saúde, transporte, segurança, etc.) promover o acesso à cultura, onde se incluem a música e – por que não? - o rock. E não sou eu quem está dizendo, está lá na Constituição Federal. Ouço isso (e vivo a repetir) desde que compareci aos debates do BH Rock Independent Fest, pioneiro no quesito festivais independentes, realizado na capital mineira, em 1994. Lá fiz minha primeira cobertura de festivais, e só agora vejo essas questões serem debatidas pra valer. Por isso, no lugar de críticas, temos mais é que louvar iniciativas do poder público em prol do acesso à efervescência cultural nesse país.

Outro bate-boca comum no meio é o de quem entra ou de quem não entra na programação dos festivais. Quem está fora reclama de panela, que está dentro não está nem aí, e tem gente que não entra porque acha que o pagamento não é o bastante. Estão todos certos. Se estamos quase num circuito nacional de festivais, é natural que determinada banda se destaque numa temporada a ponto de tocar em quase todos eles. E é claro que cada festival chama quem quiser para sua escalação. O produtor de cada festival que se encarregue de colocar para tocar quem ele quiser no evento que ele consagrou, e para o qual pretende levar o maior número de pessoas possível. Sejam os critérios artísticos, políticos, técnicos, econômicos, o problema é dele – e a Abrafin tampouco tem a ver com isso. Agora, se quiser mostrar transparência e credibilidade, que se crie curadorias e se estabeleça critérios. Que pare de colocar todos os anos as mesmas bandas dos produtores, senão os patrocinadores irão verificar que a verba concedida para estimular o surgimento de novos artistas está é indo para o bolso do próprio produtor. Foi-se o tempo do “se eu não colocar minha banda pra tocar no meu festival, vou colocar onde?” ou do “montei o festival para minha banda tocar”. Agora, meus amigos, o buraco é mais embaixo.

Não me admira que o assunto, debatido em tudo o que é canto na web, tenha sido objeto do colunista-polêmica da Folha de São Paulo. Até demorou para que isso acontecesse. Também não me estranha a falta de informação do referido colunista, que ouviu o galo cantar sem saber onde. Ficou tão ruim para ele que a própria Folha, às pressas, tentou consertar tudo numa matéria subsequente (essa de verdade, com apuração) feita por Thiago Ney. Pena que deram espaço para outro polemista contumaz meter o dedo, o que acarretou em novas erratas. O que me admira, isso sim, como disse lá em cima, é a dificuldade dos dirigentes da Abrafin em se articular em defesa de si próprios. Vai ver que se acham acima do bem e do mal para sustentar argumentos. Uma pena.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Adelvan em junho 8, 2010 às 17:07
    #1

    Excelente análise, Bragatto. Assino embaixo de tudo aí. E massa saber que tu tava no BHRIF - Aqui a transcrição da resenha que fiz para meu fanzine xerocado, na época: http://escarronapalm.blogspot.com/2009/08/bhrif-15-anos.html

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