O Rock Como Ele é

Planejamento

Era o que pensava dentro do aconchego do rock, naquela velha espelunca, ao mesmo tempo em que via Alicia Silverstone ameaçando se jogar do viaduto pela enésima vez, num velho clipe do Aerosmith.

Quando conheceu a pequena, estava em prantos. Agora tentava esquecê-la. Não queria que fosse assim, mas entendia que a vida – ao menos a dele – era formada por círculos. Início, meio e fim. Pra depois tudo começar de novo. Pensava nisso ao entrar no velho bar, localizado no point rock da cidade, que se habituou a frequentar desde a adolescência. Foi ali, na década de 80, que começou a se familiarizar com seu grande companheiro. Aquele que – ele sabia - jamais iria abandoná-lo: o rock. Na era mais garoto, mas percebia que as mesmas coisas vinham acontecendo desde sempre em sua vida emocional. Quando tinha esses insights, gostava de voltar àquela espelunca com cheiro de bebida impregnada em cada centímetro para refletir melhor.

Havia um tempo em que viva com o coração partido. Definitivamente o amor não vinha sendo muito seu amigo. Até que, nos corredores da empresa de onde tira o sustento, aquela menina apareceu. Mais nova, havia sido admitida há pouco para contribuir com o setor de planejamento que ele, como executor dos empreendimentos, era obrigado a seguir. Não demorou até que as incumbências profissionais de cada um os juntasse ao redor de mesas cheias de papéis ladeadas por burocratas de toda a espécie. Ele precisava explicar os atrasos que os cronogramas dela não previam. Ela tinha que fazê-lo executar tudo como traçava, naquela suntuosa empresa de engenharia que vivia de receber, através de duvidosas licitações, faraônicas obras do governo.

Não era para acontecer. No início, a troca de desconfianças e indiretas era uma constante. O nível da ojeriza que um cultivava pelo outro chegou ao ponto em que eles decidiram ter uma conversa séria fora do ambiente de trabalho, só os dois, em nome do profissionalismo. Assim o amor se encarregou de tudo. Vinha de um relacionamento desastrado que o tinha deixado em frangalhos, e era adepto do chulo dito popular que dizia que, onde se ganha o pão, não se come a carne. Mesmo assim pagou pra ver. Era o que pensava dentro do aconchego do rock, naquela velha espelunca, ao mesmo tempo em que via Alicia Silverstone ameaçando se jogar do viaduto pela enésima vez num velho clipe do Aerosmith. Sabia que ia se queimar feio, mas não poderia mais resistir àquele incêndio.

Havia, entre eles, um beijo quente dos infernos, num relacionamento matador. A intensidade era tanta que o engenheiro executor desistiu de questionar a implacável planejadora. Súbito, aquele escritório acostumado a acaloradas discussões passou a viver uma paz inesperada. Os colegas não conseguiam entender o que se escondia num caso de amor secreto que eliminou a aspereza do dia-a-dia de um grande empreendimento. Experiente, ele sabia que algo tão intenso não poderia se estender por muito tempo. Senão, não seria tão intenso. A quantidade de relações pelas quais havia passado era tão grande que tinha exemplos a rodo para usar nesse recém iniciado. Só não conseguia era lidar com o tempo, e era tudo muito rápido.

Poderia viver sob quaisquer circunstâncias, só não suportava a dor de ter que se separar da amada. Mas foi o que teve que fazer quando descobriu que a pequena, embora jovem, já tinha firmado laços matrimoniais. Não havia reparado que aquele anel reluzente que carregava no dedo de uma das mãos era na verdade a insígnia que a designava esposa de outro alguém. Nem poderia imaginar que o varão em questão fosse justamente o diretor presidente, um experiente homem de negócios que nutria queda por mulheres mais novas como aquela. Por isso queria estar em cima daquele viaduto, mas sem o cabo de aço preso à cintura. Estava em prantos quando conheceu a pequena. E agora tentava esquecê-la.

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