O Rock Como Ele é

Preocupação

Teria muita coisa do Rainbow para ouvir. Por isso cantava o verso “I’m coming home”, o último do refrão de “A Light In Black”, do álbum “Rising”.

Saiu de casa tão atrasado que deixou o computador ligado. Lembrou disso quando já estava dentro do 184, de pé, segurando no balaústre para não cair sobre os passageiros que estavam sentados. Ou seria o 180? Não importava, já que não poderia voltar para desligar o aparelho que o conectava com o mundo. Ficava preocupado quando isso acontecia. Temia que a geringonça pifasse e ele ficasse a ver navios no mundo virtual. Em tempos de severidade econômica, não teria como dispor de uma quantia suficiente para bancar um eventual conserto. E olha que o bicho já tinha passado a noite ligado, baixando música à rodo.

Sentia falta do rapaz durante o dia. Era nova e, quando chegava da escola, pouco depois do meio-dia, depois de almoçar e descansar um pouco, ia para o computador. Alegava para a mãe que precisava se conectar à grande rede para fazer as tarefas de casa – e era verdade -, mas, ao mesmo tempo, entrava no msn para conversar com o mundo. Circulava, também, pelas redes sociais e se mantinha no convívio que sua contemporaneidade avalizava. Passadas umas duas, três horas, começava a sentir falta do menino que conhecera justamente navegando pela internet. De nada adiantava, pois, durante o dia, ele trabalhava e não tinha acesso à rede. Teria que esperar a noite chegar.

Música era eu passatempo preferido. Música não, o rock. Não era tradicionalista, mas, auxiliar de contabilidade, custou a ter um bom computador com acesso à banda larga. Daí a preocupação com o aparelho ligado direto por tanto tempo. Ao mesmo tempo em que se preocupava, ia lembrando o que havia baixado durante a noite. Estava claramente vivendo uma fase classic rock. Para se ter uma idéia, tinha descido, só na última semana, toda a discografia do Black Sabbath. Era dos poucos que preferia o grupo com Dio nos vocais, não o badalado Ozzy Osbourne. Tanto que, naquela noite, estava recolhendo alguns discos do Rainbow. Da fase com Dio, claro.

Às vezes, não acreditava no rapaz que lhe demonstrava amor. Achava que, sim, ele teria como acessar a internet durante o dia, mas, por algum motivo, a evitava. Imaginava uma pequena por quem ele poderia estar se inclinando no local de trabalho. Passando cerca de oito horas perto de seu amor, ela seguramente levaria vantagem. Naquele dia, de repente, viu o amado on line. Abriu a janela do msn e o chamou. Não obteve resposta nos primeiros minutos e imaginou que estivesse ocupado. Voltou a chamar e o fez durante toda a tarde. Como não obtinha resposta, conclui que estava, certamente, dando asas à sirigaita, confirmando suas suspeitas. Encheu o coração de ódio por quem amava.

Sempre que saía do trabalho, feliz, tinha o hábito de cantarolar letras de músicas. Começara o dia com preocupação, mas estava animado por voltar pra casa. Poderia, enfim, dar um descanso para seu aparelho. E teria muita coisa do Rainbow para ouvir. Por isso cantava o verso “I’m coming home”, o último do refrão de “A Light In Black”, do álbum “Rising”. Quando tirou a proteção da tela, viu a janela do msn aberta com a pequena de quem gostava soltando cobras e lagartos. Sem titubear, recolheu o precioso arquivo baixado, descompactou as músicas, gravou num CD que apanhara no trabalho, desligou a máquina e foi para a sala ouvir Rainbow no talo.

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