O Rock Como Ele é

A faxina

Era lá o celeiro das bandas que criaram o death metal melódico, subgênero enroscado da música pesada que incluía – vejam só – a agressividade furiosa do death metal e a doçura enjoada do metal melódico.

Tinha o hábito de fazer grandes faxinas de final de ano. Também pudera. Morava num apartamento pequeno com marra de grande, típico dois quartos com 54 metros quadrados, e desandava a comprar coisas. Se considerava um casual consumidor pop. Ou, por outra, de rock a adjacências. LP, CD, DVD, cada época tinha sua sigla. Livros, camisetas, bottoms. Consumidor voraz, não resistia. O caso era que chegava em casa e ia espalhando tudo o que as ralas sobras de seu pequeno salário conseguia comprar pelos quatros cantos daquela moradia acanhada. Chegava uma hora em que era preciso dar uma organizada, mas isso só acontecia completamente no final do ano. Ou antes disso, caso conseguisse agendar a visita de um rabo de saia.

Por vezes, descobria, no meio de todos aqueles alfarrábios, uma preciosidade que sequer se lembrava de ter adquirido. Ficava tão satisfeito que até agradecia aos céus, feito um artilheiro no momento do gol, pela bagunça autorizada por ele próprio durante todo o ano. Foi assim que, certa vez, encontrou um bilhete de uma pequena com a qual andou saindo há tempos passados. Nunca soubera o porquê de a fulana ter desaparecido abruptamente sem dizer nada. Só uns seis, sete meses depois é que, ao ler o bilhete de despedida, empurrado sorrateiramente por debaixo da porta, viu que ela havia se mandado para a Suécia, para se jogar nos braços de um affair mantido há anos na internet.

Achou curioso que a ex o tivesse trocado justamente por um varão de um país que era um de seus preferidos no mundo do rock pesado. Era lá o celeiro das bandas que criaram o death metal melódico, subgênero enroscado da música pesada que incluía – vejam só – a agressividade furiosa do death metal e a doçura enjoada do metal melódico. In Flames, Hypocrisy, Scar Symmetry. Eram tantos nomes que ele imaginava a moça fugitiva se atirando nos braços de um desses vocalistas sujos e malvados que tanto emblematizam o tipo de som que fazem. Lamentou que só tenha sabido da novidade tanto tempo depois. E ainda as noites de coração partido em mesas de bar. De imediato, amaldiçoou a necessária e tardia arrumação.

Nem era final de ano. Ocorre que a faxina estava atrasada, por conta dos momentos de angústia causados pelo sumiço da dona, e só foi acontecer agora, em meados de maio. Um mês sempre esquisito, mas que, em ano de Copa do Mundo, era fadado à apreensão. Se até Bono Vox, o vocalista o U2, dado a causas beneficentes e lutas políticas, havia dito que o mundo iria parar para ver as 32 seleções duelarem, não era ele que iria deixar de acompanhar. Não só os times, mas os uniformes, os hinos de cada País e os cânticos das torcidas, a cada ano mais identificados com o rock que tanto fazia parte de sua vida. Lembrava, no meio de toda aquela tralha, ainda com o fatídico bilhete na mão, que a Suécia, seleção pela qual nutria certa admiração, não havia se classificado.

Nem sonhava que a moça com quem saía tivesse um namorado europeu. Muito menos da Europa Nórdica, rica em ancestrais mitológicos que também habitavam o universo do heavy metal. Chegava a imaginar como iria se virar a frágil senhorita, acostumada aos calores tropicais, tão próxima do Pólo Norte. O que mais o preocupava naquele momento, entretanto, era onde colocar tanta coisa que havia acumulado naquele apartamento alugado com vista para os fundos da Rua das Laranjeiras. Sabia que para completar a maratona era preciso dar o primeiro passo, mas, súbito, estacou no meio da bagunça. Não conseguia sequer dar fim naquele recém descoberto bilhete, que, a bem da verdade, desejava nunca ter encontrado.

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