Rock é Rock Mesmo

Olhos fechados e boa viagem

Show reunindo (quase) todos os integrantes do Beach Lizards acabou sendo um dos melhores momentos de 2009

Meus amigos, não sei se vocês perceberam, mas já estamos no final de janeiro. Ok, do meio para o final de janeiro, e eu, cá com as minhas enrolações, ainda não listei os meus melhores do ano. Ou, por outra, tenho tudo guardado aqui nessa caixola que não anda funcionando tão bem assim. Tenho também uma desculpa, que nem chega a ser inédita, mas que considero eficaz. É que mais uma vez tive a honra de ser convidado a participar da votação do site Scream & Yell – que reúne uma pá de gente legal, outras nem tanto – e não quero furar o trabalho muito bem feito pelo colega (desde os bons tempos da Rock Press) Marcelo Costa. Colou a desculpa?

Atrasado como nos últimos tempos, decidi escrever o que deveria ter sido escrito há umas três semanas. Mesmo porque até hoje não consegui parar de cantarolar umas músicas que não ouvia há muito tempo, e, surpresa das surpresas, as ouvi tocadas ao vivo, a um palmo de distância do meu nariz. O show foi tão legal que, nesses casos, me recuso a chegar em casa e colocar os discos com as respectivas músicas para preservar a apresentação em si, que não acaba. Como sempre digo, o show de rock antecede a si próprio e não se encerra em si mesmo. Dessa vez então, acreditem, quase um mês depois, ele ainda não acabou.

Estou falando da improvável única apresentação que o Beach Lizards fez aqui no Rio, no Cinematheque, naquela semana apertada entre Natal e Ano-novo. O grupo, que encerrou as atividades num show durante um evento chamado “Tattoo Tour”, na Fundição Progresso, em 1996 (por coincidência também estava lá), nunca mais se apresentou. Motivo: o vocalista Demétrius se pirulitou para morar nos States, e só agora, com seu green card no bolso, pode voltar ao Brasil e passar as festas de final de ano. A oportunidade não poderia ser desprezada, e Nervoso (bateria) e Laércio (baixo) chamaram André Stella (Stellabella, mas que no passado tocava com os lagartos) para o lugar do guitarrista Cláudio (também morando no exterior) e marcaram o show. Se antes parecia coisa revivalista, hoje é, sem dúvida, histórico.

Digo isso porque, no fundo, não pareciam uns caras velhos e aposentados relembrando a juventude. Nem os quilos a mais e os cabelos a menos atrapalharam: o sujeito que fechasse os olhos viajaria no tempo sem a menor cerimônia. Era como se estivéssemos todos à frente de uma banda cheia de frescor, tocando para um público curioso, numa quinta à noite no Circo Voador, ou no Garage, o templo do metal carioca na década de 90, onde só grupos como o Beach Lizards e Second Come conseguiam furar o tradicional bloqueio metálico da região, e, ainda, ser aplaudido pelos batedores de cabeça. A dobradinha Beach Lizards/Second Come era o evento a se presenciar no início daqueles anos 90, em que o rock, que passou a década anterior por cima da carne seca, era empurrado para o underground de uma forma cruel. Só que o underground estava lá de braços abertos para fazer brotar uma pá de bandas novas, entre as quais essas duas eram destaques inequívocos.

Como disse, o Beach Lizards acabou porque Demétrius foi ganhar a vida no Primeiro Mundo e o Second Come terminou em 1994, depois de um show espetacular no Circo Voador – o que era algo comum na época. O grupo se reuniu algumas vezes para uma apresentação ou outra, e deixou dois álbuns que qualquer apreciador do rock deve ter: “You”, de 1993, e “Super Kids, Super Drugs, Super God And Strangers”, de 1994. O Beach Lizards também gravou dois: “Brand New Dialog” (1994) e “Spinal Chords” (1996), que, dizem, foi relançado (quem souber avisa). Curiosamente, os dois grupos reapareceram nas manchetes do mundo do rock em 2009 de forma antagônica. O Second Come, por conta do falecimento do vocalista Fábio Leopoldino, vitimado por um ataque cardíaco fulminante, aos 46 anos; e o Beach Lizards com essa surpreendente aparição.

Mas, porém, entretanto, contudo, todavia, não escrevo isso tudo pra ficar contando história. A verdade é que não consigo deixar de lado um show que insiste em não acabar dentro da minha cabeça. Músicas como “Naive Revolution”, “Friction”, “The Calm After The Storm”, “Mr. Unconscious” e “Keep Yourself Together” pareciam a trilha sonora mais-que-perfeita para uma época que, tal qual um filme, começava a ser exibida ali mesmo, na frente de todos. O cordão com o túnel do tempo só se rompeu quando Demétrius colocou o filho de 11 anos para tocar bateria em uma música, e o pequenino herdeiro deu conta do recado.

O clima de hipnose era tão grande que, como isso aqui não é uma resenha, até me permito passar batido pelo Barneys, outro ícone ressurgido da década 90, talvez a primeira banda a fazer a linha Bad Religion no Rio, e o persistente Carbona, cujo frente, Henrique Badke, unia os pontos entre as três bandas: guitarrista no Barneys; parceiro da música “How Long, How Low”, com o Beach Lizards (subiu no palco pra fazer junto) e vocalista/guitarrista do Carbona. O amigo leitor desta coluna já há algum tempo sabe que não sou daqueles que se mantém preso ao passado, o que quer dizer que é ela, a música do Beach Lizards, que não possuía tempo algum, e, ao mesmo tempo, é de todas as épocas e lugares. Como o rock, aliás.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Laércio em janeiro 28, 2010 às 16:42
    #1

    Caro Bragatto,

    Valeu pelo belíssimo texto (tirando a parte dos caras velhos aposentados e dos quilos a mais e cabelos a menos, hehehe).

    Com relação ao segundo disco, Spinal Chords, o mesmo foi relançado pela Barulho Records, do nosso amigo Pinhead Júlio de Curitiba, em 2003, com várias músicas extras de fitas demo e o acústico feito no programa College Radio da rádio Fluminense. Neste ano fizemos inclusive dois shows para comemorar o relançamento (com o Fabrício do Barneys no lugar do Demétrius e o Bruno, também do Barneys, na segunda guitarra), um no Rio (festa Loud!) e outro em Curitiba (no 92 graus).

    Este CD pode ser adquirido no site da Barulho (www.barulhorecords.com.br)

    Abraço.

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