Som na Caixa

Cidadão Instigado

Uhuuu!
(LP Produções)

cidadaouhuuuMesmo aqueles que já conhecem o trabalho do Cidadão Instigado vão se sentir intrigados com este disco. Levando o rock clássico de origem em encontro com o pop atual e com altas doses da música brega dos anos 70, o grupo chegou um tipo de música indefinível, estranha e, por incrível que pareça, embora discrepante em si própria, atraente. Não que esses elementos já não fizessem parte da música do Cidadão, mas aqui eles são potencializados por uma medida precisa em que vão aparecendo, e por conta de uma produção bem sacada e rebuscada, sem deixar de ser, por vezes, simplória e, sempre, intuitiva.

No meio disso tudo até os defeitos que seriam facilmente apontados por qualquer ouvinte se convertem em virtudes difíceis de serem admitidas, mas elas estão lá. Fernando Catatau, o nome por trás da banda, não canta bem, tem dicção ruim e sotaque nordestino carregado (é natural do Ceará), mas nada disso atrapalha o conjunto da obra. Ao contrário, ajuda no quesito estranheza, talvez a palavra que melhor sintetize o disco e a atual fase do Cidadão Instigado. Guitarrista de origem, Catatau usa e abusa de teclados que garantem os efeitos que saturam praticamente todas as músicas e talvez seja o grande elemento que fornece um pouco de unidade a um disco, por natureza, disperso.

“Dói”, por exemplo, é o protótipo de uma música brega a ser tocada quando alguém solicita algo do gênero a um DJ descolado. Os menos ligados dirão que se trata de Odair José cantando sobre o instrumental do Azimuth. A boa “O Cabeção”, com mais de sete minutos, é quase um rock progressivo que lembra a fase em que o gênero buscou se integrar ao mundo pop, nos anos 80, simbolizada em grupos como o Asia. É uma das poucas em que o guitarrista Catatau sola pra valer. A saturada “Homem Velho” também se arrisca pelos anos 80, mas, cadenciada, realça um jeito bem peculiar. Também tem refrão fácil e teclados em profusão.

“Escolher Pra Quê”, cujo refrão cedeu o título ao disco, é a menos esquisita, palatável até, de pazes feitas com o pop. Ao menos até a letra soltar pérolas como “escolher entre chuva e sol é o mesmo que sofrer de hérnia e correr uma maratona de 100 passos de animais”(!?). As letras, ressalte-se, são um capítulo à parte. Se não estivessem ilustrando músicas de um grupo ligado ao pop/rock, onde pouco se olha para elas, mas sim dentro da mpb, seriam tema de muita discussão. E com tanta informação sonora seria mesmo um desperdício se apegar a elas. Impossível, de outro lado, escutar “Luzes” e não imaginar cenas de um desses filmes brasileiros dos anos 70, gravadas numa boate de grã-finos, que volta e meia são exibidos no Canal Brasil.

De difícil explicação, no fim das contas a aura que envolve este “Uhuuu!” tende a marcar pela linguagem brega, atualizada e reinventada por um delicado e preciso trabalho de carpintaria feito dentro do estúdio. Pesa, aí, a capacidade do produtor (não só do compositor) Catatau de fazer as escolhas certas nos momentos certos; ou, de outro lado, as erradas mesmo, num caminho que, se parece estar aberto, faz do disco um conceito fechado em si próprio. Para o bem ou para o mal, “Uhuuu!”, se esquisito, não deixa de ser, no mínimo, um trabalho diferenciado, intrigante e sem precedentes na música brasileira.

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