Rock é Rock Mesmo

O verão do rock

Mais do que celebrar os 25 anos do Rock In Rio, é preciso lembrar que o festival representou uma tomada de poder espetacular que colocou o rock no dia-a-dia de todo cidadão comum

Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa, e lá se vão 25 anos do Rock In Rio. Eu disse vinte e cinco anos, não é mole não. Outro dia, há uns anos, li um comentário num blog desses que a gente entra e sai sem saber o porquê e até esquece o que foi fazer lá, que dizia mais ou menos assim: “o Bragatto é sinistro, foi no primeiro Rock In Rio”. Só então percebi que para uma pá de gente o Rock In Rio é uma coisa distante – e aí vem o dilema com o tempo de novo – inimaginável de ter alguém por perto que tenha ido, ao menos num círculo limitado pela idade onde este cochicho virtual foi feito. Para quem foi chamado de dinossauro em praça pública, em plena Praia da Macumba, até que faz sentido.

Pois acreditem que todo mundo foi. Quando digo todo mundo não estou usando o eufemismo de Nelson Jobim quanto às vítimas brasileiras no Haiti. Vivíamos o verão do rock e cada cidadão que tinha uma merreca guardada gastou em ingressos para o festival, gostasse ou não de rock. Comprava-se os bilhetes na Mesbla (que, aliás, voltou) o equivalente a uma C&A de hoje, que oferecia uma camiseta em cores berrantes (como mandava a new wave vigente na época) oficial do festival. Ou então no Banco Nacional, que tinha uma cartela para dez dias, com desconto de – se a memória não me falha – dez por cento. Embora estivesse no ponto para entrar pra valer no mercado de trabalho (o que aconteceria um mês após o fim do festival), minha mãe abriu mão de suas riquíssimas economias e mandou comprar o tal passaporte. Para dividir entre toda a família, claro. Como somos três, não foi tão difícil assim, acrescentando-se um ou outro ingresso a mais. Fui em cinco dias e vi quase todos que importavam.

Há, hoje, como o controverso Mário Marques, os que lamentam que o jornalismo viva de datas, no que eu concordo, ao mesmo tempo em que não posso deixar de celebrar um aniversário de um quarto de século do Rock In Rio. Falei de mercado de trabalho e lembro que me emocionei já em 1986, quando era bolsista numa refinaria prestes a ser efetivado, no aniversário de um ano do festival, ainda satisfeito com o evento, mas reclamando que ele não se repetiria anualmente. Muito por causa de atritos políticos de esquerda/direita entre o reaça Roberto Medina e o governador Leonel Brizola, tão festejado quando eleito, em 1982. Como então não celebrar 25 anos? Eu disse vinte e cinco, meus amigos.

Mais que um festival mais ou menos bem sucedido financeiramente – na época Medina disse que empatou -, e de um evento a ser colocado no rol dos grandes festivais de rock pelo mundo afora, o Rock In Rio representou a consagração de uma tomada de poder espetacular que colocou o rock no dia-a-dia de todo cidadão comum. Você, jovem, que curte rock se vê escorraçado dos meios de comunicação, não tem sequer a chance de ver suas bandas preferidas na TV e muito menos no rádio, e ainda se frustra ao pronunciar o nome de uma banda que todos dizem não conhecer, pode achar que isso é impossível, mas, naquele início de década pós ditadura, sim, aconteceu.

Digo isso porque o rock estava em todas as rádios, incluindo as de perfil popular. A maior elas, a 89 FM, era a emissora oficial do evento, porque as organizações Globo encamparam o festival. Naquele dezembro de 1984, para se ter uma idéia, as vinhetas de final de ano da TV Globo foram compostas e gravadas pelos jovens talentos do rock nacional, com a locução das meninas da Fluminense FM, a rádio rock que revolucionou para sempre o dial – antes, praticamente não existiam mulheres por trás dos microfones nas FMs brasileiras. Lembro até hoje do refrão cantado por Lobão numa dessas vinhetas: “Papai Noel inadimplente / não me interessa / traga logo meu presente”, ou algo semelhante.

Não é que a Globo curtisse rock ou quisesse impulsioná-lo. A emissora estava era embarcando numa onda para faturar com a audiência de um público jovem que aproveitava a abertura política (lenta e gradual, dizia o Gal. Figueiredo), assim como sempre acontece pelo mundo quando uma ditadura começa a ruir. O que a o Rock In Rio e a Globo estavam fazendo era a consagração daquilo que a Flu FM e o Circo Voador iniciaram juntos em 1982. A abertura de espaço para novos artistas e o investimento no segmento rock deu tão certo que – podemos dizer – todo o mundo mainstream brasileiro embarcou inequivocamente na onda do rock. Se no início os programadores da rádio tinham dificuldade para colocar 30% das músicas em idioma local (como mandava a lei), um ou dois anos depois os diretores artísticos das grandes gravadoras eram obrigados a atravessar a Baía de Guanabara para ir pescar as novidades lá dentro da própria rádio. O Paralamas é só exemplo mais significativo disso.

Não se via, naqueles anos, dentro das universidades ou escolas de segundo grau, sequer um amante da mpb, samba, chorinho ou standards de gosto duvidoso que costumam despencar da roça, do Nordeste e do Norte. No meio jovem, era rock ou rock, e quem não estivesse nessa, estava por fora. Era ouvir a Fluminense FM de noite (não havia walkman para todos) e, no dia seguinte, discutir qual era a música mais legal, falar que conheceu este ou aquele grupo estrangeiro, já que, muito novos, ninguém sabia de nada direito. Aqueles que manjavam – exceções – eram os cabeças em rodas de bate papo, assediados por todos. Sim, meus amigos, gostar e conhecer rock era cool e trazia grande popularidade naqueles áureos tempos.

Por isso este que vos escreve não teve dúvidas. Foi um dos primeiros a chegar na Cidade do Rock (nome batizado com a presença do prefeito e tudo), antes da abertura dos portões, no histórico 11 de janeiro de 1985, ao meio dia em ponto, para entrar naquele espaço gigante dando cambalhotas em disparada rumo a grade. Quando se falava, na imprensa (ainda não havia sido inventada a mídia), que o Rock In Rio iria acontecer, não acreditávamos que tanta gente boa viria para cá, e de uma levada só.

Mas a coisas foram acontecendo e, quando olhamos em volta, estávamos todos lá vibrando com o cansaço do Ney Matogrosso; cantando “We Are The Champions” com o Queen; impressionados com o espetáculo teatral do Iron Maiden; vibrando com as guitarras de John Sykes e Angus Young e com o sangue escorrendo em Bruce Dickinson e nos Scorpions; dançando com o B 52’s; e curtindo adoidado as bandas nacionais que vimos nascer na Flu FM e no Circo Voador. Por isso, ao se comemorar o Rock In Rio, é preciso lembrar do inesquecível verão do rock.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Omar em janeiro 19, 2010 às 22:18
    #1

    Bragatto, em breve o site terá uma seção chamada: Um dia com hoje há 30 anos atrás…
    rsrs

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