Rock é Rock Mesmo

O salvador da pátria

Em meio a uma turnê revivalista com objetivos arrecadadores, Faith No More foi salvo justamente – vejam vocês - por Mike Patton

Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa e eis que já estamos pertinho do final do ano. Ou, por outra, este novembro repleto de shows está escorrendo entre os dedos e os ouvidos, de modo que, se agente bobear, vai ficando coisa largada pelo caminho. Sim, vou repetir. É tanta coisa no menu que eu não sei o que comer. Vejam vocês que no último dia 5 tive um inefável encontro com o Faith No More e com as viúvas de Mike Patton e, até agora, atordoado com tanta coisa ao meu redor, nem falei nada sobre o assunto.

É verdade que, como tem sido hábito nesses tempos de jornalismo on line, a resenha do show foi publicada logo em seguida, mas, sabemos todos, resenha é resenha e coluna é coluna. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Como poderia eu, no intuito de cobrir um dos shows mais esperados dos últimos tempos, tratar da viuvagem em geral? Seria um desrespeito com os verdadeiros fãs do Faith No More e dar muita moral para os obcecados por Patton. Sim, porque – de novo – uma coisa uma coisa e outra coisa é outra coisa. E, vamos e venhamos, cada coisa no seu lugar. (Mal começo a escrever e toca “Epic” na rádio. Sincronicidade, pois não?).

Disse um dos shows mais esperados dos últimos tempos e não estava brincando. Em se tratando de rock, fazia bastante tempo que não via o gigantesco Citibank Hall tão cheio, de viúvas e de gente normal. Sim, meus amigos, como num cortejo fúnebre, avistei mais de uma delas, trajando preto e com lágrimas nos olhos. O sujeito já chegava ao local chorando, num misto de felicidade, alegria e perplexidade. Se este texto fosse escrito por outro Marcos, João, Lucas ou Mateus, os repórteres mais antigos de que se tem notícia, certamente a palavra utilizada seria ressurreição. Porque, para as viúvas, no palco, não subiria o Faith No More, mas, sim, Mike Patton, espécie de Deus às avessas. Para as viúvas – repito – para as viúvas.

É bem verdade que esse retorno, de objetivos meramente arrecadadores, ao desconsiderar a adesão do guitarrista Jim Martin, como já comentei em outra coluna, deixou Patton a cavaleira para tomar conta da banda, o que, de antemão, significaria um enorme risco para o bom gosto. Sim, porque o sujeito é realmente perigoso ao agir sozinho, basta ver os inúmeros projetos inóspitos e indigestos nos quais ele se meteu, que, obviamente, não chegaram a lugar nenhum. Há quem afirme - e não sou eu que estou falando - que Patton, que sempre renegou o passado glorioso com o Faith No More, só teria topado participar dessa turnê caça-níqueis para saldar as dívidas acumuladas por seus negócios ao longo dos anos. E olha que o sujeito deve receber (merecidamente) uma boa quantia, de forma regular, por direitos autorais.

Mas não é isso que eu queria dizer. O ponto é que admito, de verdade, que no show do último dia 5, foi Mike Patton quem salvou a noite. Salvou modo de dizer, porque a noite não foi ruim nem merecia ser salva, já que o show foi muito bom, pelo conjunto da obra, por questões históricas e pela relação afetiva da banda com a cidade brasileira que projetou o Faith No More para o mundo em 1991. Porque, tecnicamente, embora essa turnê de reunião tenha começado ainda no primeiro semestre, os músicos estavam mal no palco, atravessando os instrumentos, em alguns momentos a ponto de parecer que cada um estava tocando uma música. Individualmente, o batera Mike Bordin e o baixista Billy Gould mandavam bem, mas o coletivo era um desentrosamento só. O tecladista Roddy Bottum se manteve limitado, como de hábito, e, na maior parte do set, nem dava para perceber que havia ali um sujeito tocando guitarra, dada a discrição pra lá de tímida de Jon Hudson.

Olhando assim, parece que o show foi ruim. Não, não foi. Justamente pelas questões afetivas e emocionais de que falei há pouco, e, acreditem, porque Mike Patton, dessa vez, salvou a noite. Eis a mais cristalina das verdades: Patton foi o salvador da pátria. E por que foi o sujeito quem salvou a noite? Porque, embora não apresentasse o vigor de épocas priscas, soube cantar com correção quase todas as músicas. Mostrou que ainda tem voz o suficiente para manter as variações de timbre, tom e alcance que o caracterizaram à frente do Faith No More, de modo a reacender a paixão dos fãs (que na verdade nunca se apaga), sem se valer de macaquices que antes se espalhavam em profusão no palco - agora não mais. É verdade que Patton não soube a letra de um dos principais hits do grupo, “Falling to Pieces”, mas só o gesto de atender ao pedido do público fez valer a versão capenga.

Ponderações que, obviamente, passam ao largo do pensamento dos fãs do Faith No More e das viúvas de Mike Patton. Porque, tanto para um grupo quanto para outro, foi tudo “perfeito”, como se diz no mundo on line. Mesmo porque - sabe-se – as inefáveis viúvas de Patton vivem num mundo paralelo e enxergam coisas que, absolutamente, não existem. Para isso existe a crítica e, se os amigos me permitem, devo registrar nos autos que, sim, Mike Patton, pela primeira vez na vida, salvou a pele do Faith No More. A que ponto chegamos.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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