O Homem Baile

Noite ‘crássica’

Comandado pelo inexplicável João Gordo, Ratos de Porão voltou a fazer uma apresentação que beirou o épico, ontem, no Circo Voador; aproveitando a boa atmosfera, Gangrena Gasosa surpreendeu com um show bem feito nos mínimos detalhes. Fotos: Michael Meneses.

Jão, João Gordo e Juninho incendeiam a agitada platéia no Circo Voador

Jão, João Gordo e Juninho incendeiam a agitada platéia no Circo Voador

Poderia ter sido só um show a mais, mas a festa que o Ratos de Porão aprontou ontem à noite, no Circo Voador, foi – mais umas vez – memorável. Logo que subiu no palco João (cada vez mais) Gordo notou a diferença entre a última oportunidade em que pisou ali para gravar um DVD que nunca foi lançado e o que estava por vir. “Essa é a primeira vez que toco no Rio sem dar um teco”, disse, mantendo o estilo falastrão que o consagrou ao admitir que, a despeito de suas andanças pela televisão, continua o bom e velho João Gordo. E sua banda permanece afiadíssima, detonando um repertório que é a verdadeira História do Brasil em forma de esporro.

Quem pode pinçar do repertório uma música de letra atemporal que detona um político da estirpe de José Sarney como “Plano Furado”? Ou que demonstra o ódio a qualquer tipo de música dançante como “John Travolta” e ainda esculacha mazelas populares como o carnaval em “Crise Geral”? É verdade que “F.M.I.” ficou pra trás com o fim da dívida externa, mas isso é só um detalhe num repertório que gira em torno de trinta, quarenta músicas. Gordo, que no passado era tido como o principal vocalista do hardcore brasileiro por cantar numa velocidade descomunal e ainda se fazer entender, hoje cantarola mais do que canta, soltando onomatopéias que beiram o visceral. Se antes impunha medo, hoje diverte mais que assusta.

Gordo: gritaria garantida, agora com frases ininteligíveis

Gordo: gritaria garantida, agora com frases ininteligíveis

João Gordo é a peça central, mas não está só. Atrás dele, o batera Boka insiste em impingir uma velocidade avassaladora que transforma a simplicidade e a precisão em suas armas prioritárias. Jão, o sócio número um do universo do Ratos, não se faz de rogado e o persegue sem vacilar em um a única nota, com direito a duelos com o baixista Juninho e até a um solo à guitar hero, que só viria mesmo se rolasse a inacreditável versão para “Breaking All The Rules”, gravada no difícil álbum “Just Another Crime In Massacreland”. O disco é um dos poucos a passar batido no repertório, bem sacado ao misturar várias faces de uma banda patrimônio do hardcore nacional.

Só de “Anarkophobia”, da fase thrash metal, foram umas quatro, incluindo o hit (sim, houve um) “Sofrer” e “Mad Society”, a única que não ganhou tradução para o português, numa época e que o Ratos lançava o mesmo álbum em duas versões, com a músicas cantadas em inglês e português. Do sensacional disco tributo “Feijoada Acidente?”, “O Dotadão Deve Morrer” e a já citada “John Travolta”; dos discos mais recentes, “Crocodila”; e entre os clássicos, “Beber Até Morrer”, “Amazônia Nunca Mais”, “Velhus Decreptus” (que ainda faz Jânio Quadros se remexer no caixão), a inacreditável “Caos” e “Crucificados Pelo Sistema”, que fez o agitado público do Circo abrir a maior roda de pogo da noite. Assim Ratos de Porão e Circo Voador ratificaram a vocação recíproca para produzir muitos dos melhores momentos do rock nacional em todos os tempos.

Mutley, Vladimir e Ângelo Arede vestidos à rigor

Mutley, Vladimir e Ângelo Arede vestidos à rigor

Antes, era para ser a abertura de uma banda destroçada pelo tempo para nostálgicos de plantão. Mas o Gangrena Gasosa (que no passado inventou o saravá metal) surpreendeu pela qualidade do set, que durou mais de uma hora e reuniu excelente público, comprovando o status de “lenda”. Primeiro porque tem seguramente a melhor formação em todas as épocas; dois guitarristas que sabem tocar e um baterista com pegada certeira fazem diferença. Depois, porque parece abrir mão da tosqueira que lhe é peculiar para fazer as coisas com certo capricho, na indumentária e tocando direito.

Aí ficou fácil se divertir com as tiradas sensacionais como as de “Se Deus é 10, Satanás é 666”, faixa título do próximo disco, que promete; “Centro do Pica-Pau Amarelo”; “Surf Iemanjá”; a autocrítica “Headbanger Voice”; e “Cambonos From Hell”. Só faltou “Pegue Santo Or Die”, mas se nem o Ratos tocou “Que Vergonha”, não dá mesmo para reclamar.

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Comentários enviados

Existem 7 comentários nesse texto.
  1. Adelvan em setembro 12, 2009 às 17:17
    #1

    Bela resenha. Quem fez ? Faltou assinar.

  2. Marcos Bragatto em setembro 12, 2009 às 18:24
    #2

    Adelvan, meu amigo, aqui no site sou eu quem faz tudo. Por isso não assino.
    Abraço e obrigado pela presença!

  3. Prestor em setembro 13, 2009 às 0:43
    #3

    Yeahhh, Valeu Bragatto, realmente foi um ótimo show. Como sempre, você estava prestando mó atenção no show!
    Abraços

  4. Elijan Rodrigues em setembro 13, 2009 às 14:42
    #4

    Obrigado e saravá!
    Nós também ficamos muito felizes por esta noite… foi como voltar aos velhos tempos… como reviver 1993 numa versão 2.9
    rsrsrsrsrsr
    Parabéns pelas fotos, Michael, e pelas palavras, Bragatto!

  5. Adelvan em setembro 15, 2009 às 19:51
    #5

    Cacete, você escreve TUDO? E com essa qualidade? Desconfiei que fosse, mas pensei: “não é possível” - porém, Panço, que tava aqui domingo, me confirmou que é isso mesmo. Parabéns.

  6. Marcos Bragatto em setembro 15, 2009 às 23:28
    #6

    Obrigado! E continue visitando, Adelvan!

  7. Michael Meneses! - Parayba Records! em setembro 18, 2009 às 9:03
    #7

    Foi uma noite ‘Crássica’ mesmo, como nos velhos tempos em que essas bandas tocavam no Circo Voador, em Campo Grande/RJ e no Florença Rock Clube/RJ!

    Abraços
    Michael Meneses

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