Fazendo História

Belle And Sebastian

Entrevista feita com o baterista do grupo, às vésperas do Free Jazz de 2001, no hotel onde a banda estava hospedada, no Rio. Trabalho de grupo feito com a ajuda dos parceiros Carlos Eduardo Lima e Marcelo Silva Costa. Publicada na Rock Press número 39, de novembro de 2001. Foto: Marcos Bragatto.

Stevie Jackson e Richard Colburn curtem o calor carioca em 2001

Stevie Jackson e Richard Colburn curtem o calor carioca em 2001

Há alguns anos isso seria impensável: entrevista com um integrante do Belle And Sebastian. Isso porque a banda não tinha qualquer projeção por aqui e também pelo fato de seus integrantes serem avessos a qualquer badalação na mídia. Agora parece que os rapazes e garotas escoceses estão se soltando e mostrando ao público o que eles pensam da vida de rockstar. Justo a vida que eles nunca quiseram ter. Confira abaixo o bate-papo com o baterista Richard Colburn (na foto, à direita) e veja como o mundo pop pode estar cheio de gente mais ou menos normal.

Como você definiria o som do Belle And Sebastian?

Diferentes coisas estão envolvidas, você não pode definir nosso som particularmente numa coisa só porque muitos de nós têm muitos interesses em várias coisas, e a nossa música é o resultado de tudo isso.

De onde vem a inspiração nas composições da banda?

Provavelmente eu trago tudo de Glasgow. Eu adoro os lugares menores, fora do centro, locais pequenos, que existem em volta da cidade. É muito interessante quando você mora e gosta de uma cidade grande, ir para um lugar pequeno e ficar simplesmente ouvindo velhos discos e sentindo a atmosfera do local.

Como é ver o primeiro álbum de vocês, que teve uma tiragem inicial de apenas mil cópias, ser lançado num país distante como o Brasil?

Nós não tínhamos a idéia se alguém no Brasil compraria nossos discos, e de repente nos ofereceram a oportunidade de tocar aqui. Aí descobrimos que há muito interesse em nós no Brasil, e é bom porque aquele primeiro álbum foi relançado várias vezes. Quando fazemos um álbum, não esperamos relançá-lo, na verdade nesse primeiro álbum nós nem sabíamos se seríamos realmente uma banda. E de repente o disco vendeu em todo o mundo.

Vocês nunca associam imagem com a música, não costumam colocar fotos suas nos álbuns…

É, tudo isso originalmente foi feito para fugir daquela coisa de você abrir as revistas de música e ver as mesmas fotos publicadas em todas elas. Nós não queríamos que fosse assim, porque esses fotos poderiam passar uma imagem para o público que não era a nossa, ou uma única imagem que poderia abreviar nosso som, que tem influências muito amplas. Aí decidimos não fazer fotos para divulgação.

Vocês sempre foram uma cult band, mas agora estão lidando com o sucesso…

É… eu não nos vejo como uma cult band, embora muita gente diga isso. Nós nunca mudamos nossa forma de fazer música, apenas vendemos muitas cópias e mais pessoas passaram a comprar nossos álbuns. É fácil hoje tocar para muitas pessoas, mas não era há alguns anos. Nós realmente não mudamos, somos os mesmos. Nos espantamos com o sucesso, mas as idéias originais da banda ainda estão presentes, embora saibamos que é muito difícil tocar para platéias maiores e manter o espírito do início.

É muito difícil conviver com o sucesso?

Depende, realmente depende de cada um. Por muito tempo quisemos que mais pessoas ouvissem nossa música, e não tínhamos nem uma gravadora interessada no nosso trabalho. Para muitas bandas esse processo pode ser difícil, mas para nós, que até agora só fizemos o que queríamos fazer, e nada mudou desde o começo, tem sido um processo normal.

Qual álbum do Belle And Sebastian você gosta mais?

Eu não sei… porque quando você vai para um estúdio gravar um disco, você ouve as mesmas músicas várias vezes. Se você deixar passar um ano, e ouve de novo o disco, pronto, sua opinião muda. Mas eu não tenho ouvido os nossos discos por um bom tempo, e eu não sei mesmo. O “Tigermilk”, eu acho, porque foi feito numa época em que montávamos a banda e todos nós tocamos muito bem, conseguimos capturar aquele momento.

Fale sobre os projetos paralelos de alguns membros do Belle And Sebastian, Looper e Gentle Waves:

Eu já até toquei com o Gentle Waves, mas foi há muito tempo. Até talvez há uns dois anos, nós só costumávamos tocar cerca de dez vezes num ano. Nós escrevíamos muitas músicas, mas quase não tocávamos ao vivo, e então tínhamos muito tempo sem ter o que fazer, o que pira qualquer músico. Foi aí que surgiram esses projetos. Como agora estamos ocupados todo o tempo, em estúdios ou em turnês, eles estão parados. Eu acho saudável para a banda que seus integrantes façam coisas diferentes fora dela, uma coisa normal que todos nós respeitamos.

As letras de vocês são crônicas do dia-a-dia ou só ficção mesmo?

Algumas falam de nossas vidas, e outras não. Não sou o cara certo para responder, porque é o Stuart (Murdoch, vocalista, guitarrista e tecladista) que faz as músicas, e sabe exatamente a origem do seu conteúdo. Eu sei que muitos fãs acabam se identificando com músicas que têm os personagens criados por ele, o que é muito interessante.

Como é a reação do público no show de vocês?

Em geral as pessoas dançam muito nos shows, principalmente nas nossas músicas mais conhecidas. Mas muitos se limitam a aplaudir.

O que você acha dos fãs de vocês serem chamados de “shoegazers”?

É um termo que provavelmente vem de bandas que usam alguns elementos que fazem as pessoas dançarem de uma forma diferente. Quando essas bandas são tocadas nas pistas, ou mesmo quando se apresentam ao vivo, eles começam a saltar do chão e balançam o corpo de uma forma diferente…

Os shows no Brasil estão com os ingressos esgotados, mas em tese, é um festival de jazz…

Isso é ótimo, porque tem muitas bandas diferentes tocando, e boa parte o público comprou ingresso para o nosso show.

Você conhece as bandas que tocarão na mesma noite, com vocês, Granddady e Sigur Rós?

Eu nunca vi um show do Sigur Rós, mas já vi o Grandaddy e acho que é uma grande banda. É legal ter outras bandas tocando conosco, a gente passa a conhecer o som que elas fazem.

Vocês pensam em tocar em outras cidades no Brasil?

Claro, inclusive em outros países da América do Sul, como Chile e Argentina, mas ainda não vai ser dessa vez. Esperamos voltar em breve para fazer uma turnê própria e maior que esses shows do Free Jazz. Vamos para o Japão ainda nesse ano.

Fale sobre a cena underground na Escócia:

Glasgow é a cidade que abriga a maioria das bandas, onde acontecem os shows de bandas de outros paises em turnê, e há muitos pubs legais que abrem espaço para novas bandas tocarem. Tem algumas bandas que eu e o Stevie gostamos em particular, mas são tantas bandas novas que fica difícil de citar nomes.

Se o Belle And Sebastian fosse outra banda, que banda seria?

Provavelmente alguma coisa tipo Mamas And The papas, ou Sly & The Family Stone, ou alguma outra coisa dos anos 70.

Fale sobre a trilha sonora do filme “Storvelling”:

Por muito tempo nós falávamos em fazer uma trilha para o cinema. Não só colocar uma de nossas músicas em uma trilha, mas fazer uma especialmente para um filme. Fomos para Nova York e trabalhamos no estúdio com o Todd (Solondz, diretor), que nos passou o sentimento dele, em cada cena, e disse o que queria para o filme, esse tipo de coisa, tentando nos fazer entender o significado daquela produção. Foi um trabalho muito legal, e que nós esperamos fazer de novo.

Fale sobre o novo single que vocês estão lançando, “I’m Waking Up To Us”:

É um single, mas traz outras duas músicas, “I Love My Car”, gravado ao vivo na Inglaterra, e “Marx And Engels”, outra nova. Pela primeira vez trabalhamos com um produtor não tinha qualquer relação com a banda, um cara chamado Mike Simpson, que tocava guitarra no Dust Springfield, e tocou e gravou com várias bandas nos anos 60 e 70. Ele resolveu gravar ao vivo, com 23 músicos, o que foi uma coisa bastante difícil, uma coisa completamente diferente do que havíamos feito antes. Acho que vocês vão gostar.

No Brasil não há a prática de se lançar singles. Só duas bandas tiveram todos os singles lançados no Brasil: Belle & Sebastian e Backstreet Boys…

É engraçado porque nós nunca relançamos os singles nos álbuns. Todos os singles que temos são únicos, e são poucas as bandas que fizeram isso. O Led Zeppelin foi uma delas.

E quando vocês lançam o próximo álbum?

Bom, vai sair a trilha sonora, mas não chega a ser um álbum de estúdio da banda. Nós na verdade vamos começar a gravar um álbum novo em meados do próximo ano.

Vocês se sentem parte do “new acoustic movement”, onde bandas como Travis, Elbow e Coldplay tocam só músicas em versões acústicas?

Na verdade não. Eu não nos vejo como parte de nenhum movimento. Acho bom, porque no Reino Unido, nesse momento, bandas americanas barulhentas estão em alta, como o Green Day, e coisas assim. E é legal ter esse contraponto, com bandas fazendo uma espécie de “low profile”.

Porque vocês falam tanto de ônibus nas suas músicas? O ônibus é uma coisa tão importante assim na Escócia?

O transporte em Glasgow é muito bom, e se você tem um passe mensal, e usa muitas vezes, você acaba tendo passagens de graça, e aí pode entrar e sair de qualquer linha, sem ter que pagar. É legal, num dia de folga, simplesmente entrar num ônibus e ficar vendo a paisagem.

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