Fazendo História

A Plebe não ajoelha

Com Clemente no lugar de Ameba, a banda brasiliense lança “R”, o primeiro disco de inéditas desde 1993, com uma canção oitentista que prega o voto em branco. Publicado na Revista Laboratório Pop número 07, em 2005. O disco se chamaria “R Ao Contrário” e sairia em 2006 encartado na Revista Outracoisa. Foto: Nicolau El Moor/Divulgação.

plebeEm novembro do ano passado, a banda americana The Queers faria no Circo Voador, no Rio, mais um dos shows de sua turnê pelo Brasil. O que chamava a atenção nos jornais daquele final de semana, porém, era a atração principal da noite de sábado: Plebe Rude. O grupo de Brasília, destaque do rock nacional dos anos 80, teria a participação de Clemente, líder do Inocentes e outra principal referencia do punk rock. Clemente fez o show de estréia, substituindo Jander Bilaphra, o Ameba. Tudo combinado por telefone. A nova formação – incluindo o baterista Txotxa, que já tocou no Maskavo Roots – iria se encontrar na passagem de som, comemorar, brindar ao encontro e, meses depois, começar a gravar “R”, disco de inéditas que está quase na mão.

“Liguei para o Clemente com duas semanas de antecedência pra fazer o show no Circo. Mandei algumas cifras, as letras… Marcamos de nos encontrar no palco. A gente literalmente passou o som e acertamos alguns detalhes no quarto do hotel”, conta Philippe Seabra, na sala de sua casa, em Brasília, onde também funciona o estúdio Daybreak. “Eles estavam precisando de um líder e me chamaram”, confirma Clemente, em meio a gargalhadas. Os dois, com mais ou menos a mesma idade, tornaram-se ícones do punk rock nacional por caminhos distintos. Clemente, da periferia paulistana, era um rocker casca grossa e conheceu Ramones numa reportagem da extinta revista “Status”, concorrente da “Playboy” nas décadas de 70 e 80. Fez carreira no underground em meio a gangues e a rivalidades típicas da adolescência e do punk. Seabra, em Brasília, era o mais novo de uma turma cuja principal fonte de informação era o material adquirido por filhos de diplomatas que residiam no exterior ou viajavam para fora do País. Primo pobre e primo rico do punk nacional, eles agora se abrigam sob a mesma legenda.

Seabra não gosta muito de explicar o porquê das eternas divergências entre os integrantes da formação clássica da Plebe, mas o mundo sabe que o problema maior estava nas baquetas. Tanto que a banda chegou a fazer algumas apresentações sem baterista fixo. “Quando a Plebe estava encerrando as atividades, no final da excursão do ‘Enquanto a Trégua Não Vem’, começamos a ter os mesmos problemas de 20 anos atrás, e aí resolvemos dar um tempo. Volta e meia fazíamos um show com baterista convidado, isso há uns três anos…”, explica Seabra, enquanto cumprimenta a turma da banda goiana Valentina, que invade sua casa em direção ao andar superior pra mais uma sessão de gravação do disco de estréia.

Seabra virou produtor. Mas percebeu que era a hora de gravar um novo álbum da Plebe, só de inéditas. Ameba pulou fora. “Ele falou que não queria mais ser artista. A gente continuou, mas a Plebe sempre teve aquela coisa de duas vozes, era difícil fugir disso”. A solução veio depois de um show-tributo ao Clash, em São Paulo, e que reuniu, entre outros, Mingau (Inocentes), Ary (365), Redson (Cólera), Nasi (Ira!) e, claro, Clemente de Philippe Seabra. Ou seja, boa parte da velha guarda do punk nacional. “Eu disse para o André (X, baixista) que para tocar as músicas velhas precisaríamos do contraponto vocal. E a gente pensou: e se chamássemos o Clemente?”.

No próprio show que marcou o início da nova fase, a banda já mandou uma inédita, “O Que Se Faz”, que estará no disco novo. Boa parte do material, aliás, é de músicas feitas anteriormente para a Plebe Rude e de composições novas, de autoria de André e Seabra, mas há também alguma coisa da carreira solo do guitarrista. “Quarenta por cento das músicas já existem há algum tempo. Uma inclusive é a primeira que eu fiz em Nova York, há dez anos, chamada ‘E Quanto a Você’”, conta o guitarrista. “O resto é inédito e tem uma versão nova para o ‘Voto em Branco’. Foi por causa dela, junto com ‘Música Urbana 2’, que a gente foi preso no show de Patos de Minas, quando a Legião estreou nos anos 80”, completa. A canção, que fala do voto em branco como protesto e foi composta por André X ainda na época dos Metralhas, banda que antecedeu a Plebe, jamais fora gravada. “Chamamos o Fê, do Capital Inicial, que era do Aborto Elétrico na época, e ele gravou com a bateria original, a mesma do primeiro ensaio da Plebe, uma Premier”.

Se o repertório clássico da Plebe continua atual, ainda mais depois da lama em que Brasília se afunda a cada nova geração de CPMIs – no meio da entrevista chega a notícia da queda do Presidente do PT, José Genoíno, e os escândalos parecem intermináveis – o que esperar das letras do novo disco? “Eu tô com 38 anos, tá começando a bater o relógio biológico, de repente pensando em ser pai, isso influencia muito…”, entrega Seabra. “Nunca consigo separar o artista da pessoa, a música é uma extensão da personalidade de quem escreve. O que funciona mesmo é aquilo que o Herbert (Vianna) e o Renato (Russo) sempre cobraram da gente, de fazer umas coisas mais pessoais, e política é uma coisa extremamente pessoal, principalmente em Brasília”, completa o guitarrista.

Ele reconhece o caráter didático de músicas como “Proteção”, mas chegou a pensar que nunca mais iria escrever uma canção político-didática, após escutar “Alvorada Voraz”, do RPM, que cita o contrabando de pedras preciosas avalizado pelo então ministro da Justiça. “A produção e a temática me bateram de uma forma tão errada… É que nem se a gente fizer um clipe de ‘Até Quando Esperar’ cheio de mulher dançando”, compara. Um aparte, para pegar um termo do Congresso: a banda voltou a tocar “Censura” justamente depois que o presidente Lula resolveu expulsar um jornalista americano do país.

Isso tudo é para explicar que as músicas do disco novo, se falam de política e comportamento, não são tão diretas como reza a cartilha punk que a Plebe Rude sempre seguiu. Conta Seabra: “‘Catarina’ fala da passividade do brasileiro através dos olhos de uma menina, é um retrato feio do Brasil. Já ‘O Que Se Faz’ fala basicamente de tudo que vai e volta pra você e de responsabilidade, dessa fase que a gente tá na vida. O legal da maturidade é que a gente entende de onde vem, não tem preto e branco, tudo vira cinza. O extremo é o punk antigo, ‘morte ao sistema, morte ao sistema’. Hoje você fala isso e não diz nada”.

Quando Clemente chegou a Brasília para iniciar as gravações, todo o material que entraria em “R” já estava definido e ele próprio, como fã, resume bem: “É a Plebe, só que apontando para o futuro, não saudosista. Tem toda a trajetória da Plebe no disco, a origem, influências e tal, só que o Seabra fez uma coisa nova, não é tipo ‘tô com saudade da década de 80’. Nem é punk burro, que trabalha com códigos já estabelecidos”, garante.

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