Rock é Rock Mesmo

Festival Rock de Inverno mostra que tem gente fazendo coisa nova no rock

Evento ficou três anos de ressaca e voltou, no último final de semana, com bandas mostrando novas tendências para o rock nacional

Meus amigos, às vezes de onde nada se espera é de lá mesmo que sai muita coisa. Não que eu tenha embarcado para Curitiba sem nada esperar do Festival Rock de Inverno, mas, vamos em venhamos, o evento, cuja sétima edição aconteceu no final de semana passado, estava há três anos na geladeira, e não vinha tendo qualquer badalação. Nem faz parte da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes, e, à exceção da volta do Fellini, poucas atrações chamavam a atenção. Mas é um festival de bandas novas, ora bolas.

Fiquei sabendo do evento em cima da hora, ao receber um telefonema da redação do Jornal do Brasil, na segunda anterior. Sem ninguém disponível para mandar para os cinco graus de Curitiba, sobrou pra mim. Mas foi tempo o bastante para dar uma checada na web atrás de informações sobre as bandas, muito embora o que vi/ouvi na web nem chega perto do que presenciei ao vivo. Fato que só confirma que nada substitui uma banda de rock sobre um palco. A matéria principal, publicada no JB, tendo como foco o Fellini, está reproduzida aqui.

Pude ver, por exemplo, que o Nevilton, do interior do Paraná, é uma banda ainda melhor ao vivo, em que pese os saltos dos integrantes, que fazem lembrar Clash, toda a geração do hardcore melódico e até o Police jovem. Em comum o trio tem uma vocação pop das mais interessantes e saiu do John Bull Music Hall bastante aplaudido. Brilhou também o Diedrich e os Marlenes, com destaque para o gaiato vocalista Oneide, que entre estripulias tocou guitarra e air guitar ao mesmo tempo, já que imitava o “feeling” do guitarrista do grupo. A impressão que se tem é que em qualquer banda em que ele entrar, vai se destacar. Tanto que, no final da primeira noite, quando o Beto Só chamou integrantes de outras bandas para o acompanhar em “Gloria”, de Van Morrison, Oneide, de reles espectador, voltou a se transformar sobre o palco. Beto fez um bom e surpreendente show, deixando a tristeza de seu primeiro CD de lado. Mas atenção: isso não é uma resenha.

Acreditem, meus amigos, que fiquei boa parte do tempo, lá dentro do aconchegante John Bull, encafifado com uma - vá lá – tendência. Observei que algumas bandas indies estão enveredando para o lado da música de quermesse. Explico. Sacam o Arcade Fire ou o Gogol Bordello? Pois então. Embora pouco tenham a ver em termos de som, usam instrumentos pouco comuns ao rock e que são encontrados mesmo é em bandas marciais de colégios e quermesses de dioceses de ascendência européia. E ainda têm integrantes que trocam de instrumento entre si, outra coisa que não é do rock, mas da quermesse. Essa coisa de fazer música de quermesse tem se espalhado mundo afora e, ao que indica, no Brasil também.

Disse isso para chegar, por exemplo, em Heitor e Banda Gentileza. Além de ter no Los Hermanos grande referência, incluindo flertes com samba e MPB, o grupo usa acordeom, violino, naipe de metais e até uma concertina, instrumento cujo nome tive que perguntar ao próprio Heitor. E ainda há o embaralhamento de instrumentos, que atinge o auge quando dois integrantes tocam o mesmo teclado ao mesmo tempo. O legal é que o grupo – muito bom, diga-se – ajunta funk, baião, música brasileira e o escambau, e tudo com sotaque rock, que é o que realmente importa. No dia anterior, o Liquespace havia esboçado coisa parecida, mas com menos criatividade e diversidade de recursos. Passou batido. Koti e Os Penitentes também fez bonito, levando ao palco uma alfaia, escaleta, oboé… Só o microfone do vocalista tinha uma rebimboca da parafuseta que fazia a voz parecer do além. A música do grupo é também alegre e flerta com o blues de bêbado de um Tom Waits da vida; como num funeral mexicano, se diverte com temas como mendicância, um triste coração, gato preto e o próprio cemitério. Muito bom também.

Nem só de quermesse vive Curitiba. O Pão de Hambúrguer, por exemplo, foi beber na fonte do blues sulista e com três guitarras fez um interessante crossover de indie com classic rock, incluindo virtuose à Eddie Van Halen. Lembrou ainda a psicodelia dos tempos de Hendrix e o Experience. Mas que o nome da banda é ruim, isso é. Outra boa banda é o Mordida, que apesar de ter um público quase teen, faz um rock de gente grande. Embora tenha na formação só dois integrantes, encheu o palco com uma bela banda.

Como atração principal e por conta da comemoração de 25 anos, o Fellini fez um show curto, com menos de uma hora de duração. Mas valeu por músicas que nunca ninguém toca: “Rock Europeu”, “Zum Zum Zum Zazoeira, “Teu Inglês” e “Funziona Senza Vapore”. Intimista, o show foi muito melhor que o do TIM Festival de 2003, num local maior e com menos público. Deu pra ver isso na expressão de satisfação escancarada nos olhares trocados entre Cadão Volpato, Thomas Pappon e Jair Marcos. Contemporâneo, o 3 Hombres, na véspera, não passou de um flash back, muito embora o vocalista Daniel Benevides tenha se esforçado bastante, num resgate equivocado. Mas atenção: isso não é uma resenha.

Como não tenho vocação para Márcia de Windsor, devo dizer que, sim, teve show ruim lá em Curitiba. E teve banda que nem conseguiu tocar. Duas, aliás. Com dois integrantes, o Jê Revê Toi, esquisito já no nome, não conseguiu provar que menos é mais. Se a dupla demonstrava uma preguiça daquelas, imagine o público. Já o interessante Ruído/mm, sufocado pelo som da casa, provou que mais é menos. Com quatro guitarras e toneladas de pedais escalafobéticos, fez cada integrante tocar para si próprio; um deles ficou de costas para todos – público e banda – o tempo todo. A mistura de Indie com progressivo do Hotel Avenida não funcionou porque o grupo preserva o pior dos dois subgêneros do rock: a chatice. E o Lestics, de São Paulo, com todos os integrantes sentados, cansou o público antes de o show começar. Com o avançar da hora na madrugada de domingo, pôs todo mundo na fila do caixa. Uma pena.

Mais do que um festival de bandas, o Rock de Inverno mostrou boa renovação para o cenário, local e nacional. Repararam que não tocaram bandas do tipo “cover com música própria”? Que não tinha banda de hard–emo-core? Que na hora de falar de uma ou outra banda, não precisei citar referências, ao menos não diretamente? Tudo isso prova que tem gente buscando fazer coisas novas. E fica a sugestão para os outros festivais independentes que acontecem nesse congestionado segundo semestre: olhem para quem tocou no Rock de Inverno antes de fechar o elenco de vocês com as mesmas bandas de sempre.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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