No Mundo do Rock

Cascudo, Cachorro Grande investe na experimentação

No quinto disco, grupo mergulha ainda mais no universo retrô, apostando na capacidade de compor de todos os integrantes. Fotos: Cisco Vasques (1), Sammy Klein Roos (2) e Priscilla Prade/Divulgação (3).

Fazendo jus ao nome do novo disco, o Cachorro Grande posa em frente a um cinema abandonado

Fazendo jus ao nome do novo disco, o Cachorro Grande posa em frente a um cinema abandonado

Com dez anos nas costas, o Cachorro Grande chegou a conclusão de que não precisa provar mais nada para ninguém. Foi com esse espírito que o grupo entrou em estúdio para gravar o quinto disco, “Cinema”, que acaba de ser lançado após uma temporada de uma semana com o repertório liberado gratuitamente para audição virtual. Não que as músicas tenham sido gravadas no quarto deles. Cientes de que o disco seria lançado também em vinil, o grupo fez o produtor Rafael Ramos encontrar um estúdio para gravar tudo em fitas de rolo e com equipamentos vintage. Eles acabaram achando o lugar justamente em Porto Alegre, terra natal da banda.

De lá saíram com o disco mais experimental que já tinham feito, espécie de “Revolver”, só para citar uma de suas grandes referências. Outras, como Mutantes, Cream e Neil Young, todas retrô, também aparecem e são orgulhosamente assumidas pelo vocalista Beto Bruno nessa entrevista. Bruno também destaca o amadurecimento do grupo, que hoje tem cinco ativos compositores. Além dele, Marcelo Gross (guitarra), Gabriel Azambuja (bateria), Rodolfo Krieger (baixo) e Pedro Pelotas (piano) também participam de tudo, inclusive lhe tomando, circunstancialmente, o lugar de vocalista.

Convidado para fazer os shows de abertura da turnê do Oasis pelo Brasil, o grupo quer repetir a dose com o Supergrass, com quem estreita relações desde o festival Campari Rock, em Atibaia, em 2006, quando tocaram juntos. Tocar, aliás, é a especialidade do Cachorro Grande, que não se vê fora dos palcos nem mesmo para compor e gravar um novo disco, como aconteceu com “Cinema”. Com a palavra, Beto Bruno:

Rock em Geral: Por que vocês decidiram gravar esse disco em Porto Alegre?

Beto Bruno: Eu estava a fim de gravar numa fita de rolo de duas polegadas, e não tem nenhum estúdio assim, nem em São Paulo, nem no Rio. Daí o Rafinha (Rafael Ramos, produtor) me ligou dizendo que tem um em Porto Alegre, sugerindo de gravar lá. Eu topei, mas quis ver primeiro, e não era só a máquina que era do caralho, a sala de gravação é do tamanho de um campo de futebol. Eu disse pra ele: vem correndo porque os caras têm um estúdio que dá pra tocar ao vivo e junto, na mesma sala.

REG: Por que você queria gravar em fita?

Beto Bruno: Nós vamos lançar em vinil, e não adiantaria nada lançar em vinil e gravar no protools, fazer o contrário. Aí decidimos fazer na fita para sair do jeito que tem que sair mesmo. Eu sempre gostei do som mais aveludado que a fita tem. Os gringos não abrem mão de gravar na fita, as grandes bandas do mundo não abrem mão disso, então quem somos nós para não gravar em fita?

REG: Você não conhecia esse estúdio, apesar de ser em Porto Alegre?

Beto Bruno: Todo mundo sempre me falou desse estúdio, só que quem mais grava lá são os caras da música gaúcha tradicionalista, então eu não dava bola. O Rafinha levou umas mesas da EMI dos anos 70 que fez diferença também.

REG: No final das contas ficou como vocês queriam?

Beto Bruno: Pela primeira vez um disco saiu melhor do que eu imaginei, ficamos mais que satisfeitos em relação ao som, eu pirei. Até hoje escuto, e olha que eu nunca escutei meus discos. Os dois primeiros dias foram de adaptação, nós gravávamos os takes depois ouvíamos e ficava estranho, até percebermos que não era assim. Demorou um pouco, mas no final ficou do caralho.

REG: De onde saiu o título “Cinema”, já que nenhuma das músicas fala desse assunto?

Beto Bruno: Tem sonoplastia nesse disco. Estávamos fazendo no último dia, já mixando o disco, na “prorrogação” do segundo tempo. Quando estávamos colocando uma gaivota ali, um ventinho, uma motinha, eu disse: isso é coisa que se faz nos filmes. Daí o (Marcelo) Gross falou: “então vamos colocar o nome de cinema, porra!”. Até então não tínhamos nome, pensamos em todas as músicas, qual poderia soar como nome do disco, nada veio. Mais uma vez na brincadeira rolou.

REG: Esse disco é um pouco mais experimental…

Beto Bruno: É o quinto disco, não precisamos mais provar nada pra ninguém. São dez anos de estrada, nessa de “estoura, não estoura”. Não precisamos provar nada para ninguém, foi com essa mentalidade que chegamos no estúdio. Os caras que escrevem sobre música não sabem nem assinar um violão, vamos fazer esse disco pra nós, foi isso que rolou. O público acaba gostando mais quando é mais verdadeiro. Fizemos esse disco para nós, viajamos internamente.

REG: Esse é o “Revolver” do Cachorro Grande?

Beto Bruno: Imagina… Esse é um disco em que a gente pirou a cabeça mesmo, experimentamos mais que em qualquer um, sem medo de ser feliz. O Rafael vestiu a camisa, quando ele grava com nós, vira um guru dos anos 60. Ontem eu estava escutando o disco da Pitty (também produzido por Rafael Ramos), não tem nada a ver com nós, parece outro cara. O bichinho é foda, a gente curte muito o trabalho do cara, e é o mais engraçado do mundo para se ter no estúdio.

REG: O fato de as composições serem de autoria dividida entre todos contribui para essa experimentação?

Beto Bruno: Claro, os cinco compondo muda tudo. Ficava tudo nas minhas costas e na do Gross, aquela coisa de “e aí, apareceram com música?”. Agora não, vem de tudo o que é lado. O Gabriel (Azambuja) tá fazendo cada som, e isso ajuda para que as músicas sejam diferentes entre elas. Esse é um disco diferente perante a discografia e também nas músicas entre elas. Cada uma tem um tratamento e isso é porque as músicas vêm de todos os lados. Espero que continue assim.

REG: Todas as músicas são recentes? “A Alegria Voltou” não é das antigas?

Beto Bruno: Não, é nova também. Mas tu tá certo, outras pessoas já comentaram isso, que parece o Cachorro do início. É que fazemos questão de ter esses roquinhos mais básicos. É o Gabriel que canta, então tem uma “diferencinha”. O filho da puta conseguiu cantar que nem o Jack Bruce (do Cream), coisa que eu não consigo fazer. Ele gravou tudo certinho.

Os cachorros e toda a tralha usada na gravação: parece foto dos anos 60

Os cachorros e toda a tralha usada na gravação: parece foto dos anos 60

REG: Vai perder o lugar, melhor começar a tocar bateria…

Beto Bruno: Não, tô tocando umas guitarrinhas…

REG: Esse disco tem letras que mostram pressa como “nunca deixe pra depois” (de “A Hora do Brasil”) e “saia e dance agora” (de “Dance Agora”). Vocês estão com essa visão de “aproveitar ao máximo cada momento”?

Beto Bruno: Um pouco disso também. A “Dance Agora” eu fiz para minha filha, que não sai da frente do computador, mas serve para toda essa geração que não vê a vida se não for através de uma tela. E a outra é a primeira música que os cinco assinam. Foi em cima desse refrão que o Gross trouxe, que diz “nunca deixe pra depois o que pode ser agora”. Então decidimos fazer a música na hora, sem deixar para depois, foi muito engraçado. Mas não tem nada muito filosófico, não, é uma daquelas frases de momento.

REG: “Ela Disse” tem tudo que caracteriza o Cachorro Grande, mas numa música só…

Beto Bruno: Tomara que o Neil Young não escute essa música, porque ele vai me processar… Eu sou muito fã do Buffalo Springfield (grupo que revelou Neil Young) e sempre quis ter uma baladinha Neil Young nos discos. Quando pintou esse som foi a minha deixa: vou mostrar minha faceta Neil Young! No final botamos uns sintetizadores só para soar diferente, para não ficar tão Buffalo assim, coisa que Neil Young não faria. E no início sou eu quem toca os vilões. Tá todo mundo fazendo tudo, e é assim com as bandas que eu mais gosto. Os Beatles, Mutantes, Pink Floyd, todos compõem e gravam. Isso sim é uma banda, e eu tô muito feliz com essa nova possibilidade de estúdio.

REG: “Luz” é bem Mutantes, já que você falou deles…

Beto Bruno: Eu sou fã dessa música, é música para guitarrista ouvir. Tem o final absurdo, mas eu fiquei apavorado com o trabalho de guitarra que o Gross fez. Eu só não falo para ele senão ele fica muito mascarado, mas eu pirei quando ele apareceu com essa música. Na demo já dava para ver que ia ser do caralho. É para um monte de guitarrista metido a solador ouvir esse som, que é a coisa mais simples. Às vezes o menos é mais, é esse o toque que ele deu quando gravou aquelas guitarras.

REG: E abrir para o Oasis? Foi legal?

Beto Bruno: Parece um sonho até hoje. Desde o dia que avisaram que íamos abrir o show deles, até hoje, depois que passou tudo, isso ainda parece um sonho de doido. Porque eu sou fã mesmo. O Oasis é um pouco culpado de eu ter insistido no rock, de ter montado a banda. Eu já tava desistindo dessa coisa quando saiu o primeiro disco deles, e eu disse: não, os ingleses voltaram com tudo! De repente estamos ali tocando, dividindo o palco com os caras, e ainda quatros shows, sendo que os caras assistiram a três. E quando terminava o show sempre rolava um papo. Para quem dizia que os caras são os mais metidos, caiu essa máscara para nós. Eles deram uma aula de simpatia, tu acredita? Por isso eu não esperava.

REG: Quando o Supergrass tocou no Brasil também rolou um contato…

Beto Bruno: Nós tocamos juntos em Atibaia há uns dois anos (em 2006), e o pianista conheceu uma amiga nossa e eles se amaram, parece coisa de filme. Um belo dia ele a convidou para ir pra Londres, e eles resolveram casar. E nessa de ele voltar aqui e visitar ela, a gente saía por aí para mostrar a cidade para ele. E um belo dia veio a família toda e eles fizeram o casamento. Ficamos fazendo churrasco com os caras e jogando futebol, só não veio o batera. O Gross foi lá no final do ano, acompanhou a banda em shows em Oxford e Manchester. Tá rolando uma troca de figurinha, estamos pensando em fazer uma turnezinha com eles aqui, fechar essas quatro cidades que fizemos com o Oasis, em lugares um pouco menores. É mais um sonho a realizar.

REG: E pode abrir portas para fazer a mesma coisa na Inglaterra…

Beto Bruno: Temos que tratar os caras bem aqui para eles confiarem em nós…

REG: E o show do Flashrock (espécie de evento surpresa, gratuito e de curta duração) no Rio?

Beto Bruno: Eu queria era fazer um show inteiro, todo mundo conversava isso comigo, mas era a proposta do evento tocar ali fora num caminhão, que nem um trio elétrico. Mas foi até bom porque logo em seguida vamos fazer o Circo (Voador, no Rio), lançar o disco, então foi só uma beliscadinha. No show da turnê já tem seis músicas, meio disco. No começo tem um estranhamento, uma coisa até legal. O meu pai dizia – ele foi muito fã dos Mutantes – que quando aplaudiam, eles saiam meio chateados, porque o público estava entendendo, tinha que mudar. Para nós é um tesão tocar música diferente no show, temos que estar felizes para passar para o público. Nesses últimos shows eu fico esperando chegar a hora das novas e ficar olhando para os fãs das antigas prestando atenção.

REG: Vocês colocaram o disco no MySpace, foi legal?

Beto Bruno: É uma fase que ninguém sabe o que vai ser amanhã, não sou só eu que não sei. Se perguntar para o dono da nossa gravadora ou para o dono da Sony, eles também não sabem dizer. E eu quero mais é que escutem o disco, eu gravo para as pessoas ouvirem. O que me preocupa é o jeito que está sendo disponibilizado, o lado musical, das pessoas ouvirem o disco naquelas caixinhas de computador. Isso me tira todo o tesão. Um mês gravando, um mês mixando, masterizando… O cara não consegue escutar. Eu prefiro que copiem em CD e vão escutar no som do pai deles. Mas eu quero mais é disponibilizar tudo, quero mais é que escutem. A gente vive é de show mesmo.

REG: Vocês fazem muitos shows, né?

Beto Bruno: Fazemos bastante show porque não somos uma banda do mainstream e nem do underground. Podemos um dia fazer um festival para 100 mil pessoas e no outro tocar no interior de São Paulo, numa casa de shows. Transitamos pelos dois e isso é uma coisa boa. Um dia abre para o Oasis e no outro tá num caminhãozinho nos Arcos da Lapa. Não dá para reclamar dessa nossa situação. Nossa filosofia é “vamos para estrada”, facilitamos para tocar nos lugares, não temos máscara. Eu vejo as bandas falando para mim: “ah, agora vamos ficar três meses compondo”. Isso não é minha realidade. Ficar trancado num sítio compondo? Vai pra puta que o pariu, eu fico compondo dentro de um ônibus, onde for, no meio da turnê, em passagem de som. Nós gravamos o disco enquanto fazíamos show. Já que estávamos no Sul, marcamos uma agenda. Tinha dia que gravávamos até as 10 da noite, saíamos para fazer um show a 100 quilômetros de Porto Alegre, e no outro dia estávamos ali às 10 da manhã, uma loucura. Não podemos parar porque as contas continuam.

Marcelo Gross, Rodolfo Krieger, Gabriel Azambuja, Beto Bruno e Pedro Pelotas

Marcelo Gross, Rodolfo Krieger, Gabriel Azambuja, Beto Bruno e Pedro Pelotas

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Rogério Macedo de Jesus em julho 24, 2009 às 13:02
    #1

    Excelente entrevista !!

    Estava até receoso com o seu silêncio e da imprensa em geral em relação ao Cinema, que é um disco que tem que ser ouvido diversas vezes para ser compreendido.

    Mas que bom que você compensou o atraso com uma entrevista deveras esclarecedora como essa em que são revelados vários detalhes da gravação e do contexto do disco.

    Cinema é o disco do ano!

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