No Mundo do Rock

Partindo do metal gótico, Libra mira o pop

Cantor e compositor gravou álbum completo em casa e, com letras em português, busca o mercado sem deixar de lado as raízes da música pesada. Fotos: Divulgação.

Libra tenta traduzir o frio metal gótico europeu para o pop nacional

Libra tenta traduzir o frio metal gótico europeu para o pop nacional

Pode-se dizer que tudo começou depois do retorno de uma temporada na Inglaterra, quando Libra decidiu começar a compor uma “obra”, que seria o disco de estréia, “Até Que a Morte Não Separe”. Sim, Libra é o nome do moço que, sozinho, em casa, compôs e gravou todos os instrumentos, seguindo a tradição da origem do black e doom metal europeu. Só que ele não pegou tão pesado assim. Ao contrário, aproximou o soturno gothic metal às massas, ao escrever letras em português de apelo pop a ponto de as músicas serem fáceis de tocar em qualquer lugar, não só nos guetos do gênero. Tanto que até a série de TV “A Lei e o Crime”, da Rede Record, aproveitou “Sangue Frio” como tema principal.

O acabamento do final do material fez Libra visitar outros estúdios, e com o CD pronto, ele precisava montar uma banda, que veio com o cascudo Bebeto DarOZ (guitarra), Fifi (ex-Penélope, baixo) e Adal (bateria). Quem foi aos últimos shows do Nightwish e Kiss (no Rio) e Sisters Of Mercy (em São Paulo), gostou da banda de abertura. Embora tenha feito tudo sozinho, no palco Libra só canta, e a banda manda muito bem. Só faria melhor se contasse com a presença do vocalista do My Dying Bride, Aaron Stainthorpe, que após uma simples troca de e-mails topou participar do disco, na música “Ninguém Ama Ninguém”.

Embora tido como novidade no Brasil, Libra se aproxima do tipo de som há muito praticado no metal europeu (Sentenced, HIM, Entwine) e que tem ganhado contornos pop nos últimos tempos – com o diferencial das letras em português. Nessa entrevista, concedida pela internet, ele explica de onde partiu a identificação com esse tipo de música, o porquê de gravar tudo sozinho, e o que fazer agora, que o disco ganhou vida, e ele, uma banda. Aproveitem.

Rock em Geral: Como chegou até o nome Libra para a banda? Há algum significado em particular?

Libra: Acho que nosso nome de “batismo” é o nome que nossos pais deram para aquela pessoa que eles gostariam que nós fôssemos, baseado naquilo que eles projetaram para nós. Para mim, foi muito difícil aceitar e admitir que era um artista, pois nem sempre a carreira artística é encarada como uma escolha profissional, mas sim com um “hobby”, o que sempre me encheu de dilemas e questionamentos sobre minhas escolhas. Por isso, quando percebi que não teria como fugir daquilo que sempre fui achei que deveria marcar isso com um novo “batismo”. Desde criança percebi que quase todas as minhas influências (musicais, literárias, visuais e comportamentais…) vinham da Inglaterra. Por isso, aos 19 anos fui morar lá e essa foi uma experiência que me transformou por completo. Lá é um lugar onde as pessoas podem ser elas mesmas, se vestir e se expressar livremente sem que ninguém as julgue ou as exclua por isso. Quando voltei para o Brasil, cheio de experiências, influências e inspirações, decidi adotar o nome “Libra” e assim homenagear a moeda inglesa.

REG: Você gravou esse disco todo sozinho. Como chegou a essa formação de banda para os shows?

Libra: Compus e gravei o álbum inteiro achando que estava apenas registrando meus sentimentos como em um diário musical, por isso não fazia idéia que as coisas seriam como aconteceram, lançar pela Sony, masterizar em Nova Iorque, etc. Quando percebi que fatalmente teria que reunir uma banda, comecei uma busca por pessoas que pudessem reproduzir aquilo que estava registrado no álbum, da maneira mais fiel. A primeira a entrar foi a Fifi (baixo), que já era uma grande amiga, depois fiz uma série de testes com guitarristas buscando um que tivesse a melhor relação pegada/técnica e cheguei até o DarOZ. Por último, queria alguém que tivesse muita pressão, agressividade, técnica e que fosse meticulosamente preciso para que pudéssemos tocar acompanhando o computador que gera os teclados, efeitos e participações do CD, durante o show. Costumo dizer que todos são insubstituíveis e que cada um ocupa um lugar de destaque no palco e no meu coração.

REG: Você não pensou em gravar já com uma banda? E agora, depois de tocar por um tempo com os mesmos músicos, pensa em entrar em estúdio com eles para gravar o segundo CD?

Libra: Eu tenho meu estúdio e conforme ia compondo uma música, ia gravando ao mesmo tempo. Achava desnecessário chamar alguém para gravar algo que eu mesmo poderia fazer em casa, gastando o tempo que fosse necessário e sem ter prazo de entrega. Gosto da experiência de criar timbres, de achar o take perfeito no meio da madrugada e usei meu álbum como um diário pessoal e como uma terapia. Gravei outros projetos “convencionais” com banda, mas a proposta do meu projeto solo sempre foi gravar tudo aquilo que eu pudesse, mas sem limitar o trabalho a isso. Tanto que, onde achei que valeria a pena ter um octeto de cordas, chamei um; onde achei que valeria a pena ter um coral, chamei um; onde achei que valeria a pena ter uma backing vocal, chamei uma, etc. Ainda não decidi como serão as gravações do próximo álbum. Mas, se fosse fazer o álbum hoje, gravaria algumas músicas com a banda que me acompanha ao vivo. Nunca vou deixar de fazer meu álbum como fiz o primeiro (gravando bateria, baixo e guitarras eu mesmo), pois aquela proposta foi o que me moveu a fazê-lo e foi daquela maneira que conquistei o que conquistei, mas hoje eles também fazem parte ativa do projeto (e da minha vida) e merecem, de alguma maneira, fazer parte do próximo CD.

REG: O curioso é que, embora tenha gravado tudo sozinho, nos shows você só atua como vocalista. Por quê?

Libra: Gosto de me dedicar a interpretação das letras e da música e acho que uma guitarra me prenderia ao centro do palco. No show completo, há um set acústico de quatro músicas no meio, onde toco violão. Isso me supre a vontade de tocar e dá ao show uma atmosfera diferente. Uma calmaria no meio da tempestade.

REG: O disco foi produzido em cerca de cinco anos. A demora em terminar foi só uma questão perfeccionista? Foi realmente necessário usar quatro estúdios diferentes?

Libra: Eu tinha que trabalhar produzindo trilhas para filmes, peças e programas de TV para me sustentar. Isso me tomava muito tempo e limitava meu projeto solo às minhas horas vagas. Como ia gravando na medida em que ia compondo as músicas, havia épocas “férteis” e épocas “escassas” em que eu passava três ou quatro meses sem nenhuma inspiração. Todas as músicas do CD são reflexo de experiências marcantes na minha vida e eu nunca me dirigi ao papel e a caneta com o “dever” de escrever uma letra ou uma música. Para mim, o processo só vale a pena se for natural, sincero e inesperado. Mas não acho que tenham sido tantos estúdios assim. A maioria dos CDs feitos no exterior costuma ter mais de cinco listados no encarte. No meu caso, cada estúdio teve sua função necessária. O Palácio de Cristal, onde gravei tudo inicialmente, não tinha estrutura para gravar bateria nem acústica ideal para gravar as vozes. O estúdio Loft é o estúdio de um grande amigo meu, que me fez uma cópia da chave e disse que eu poderia trabalhar sozinho lá durante as madrugadas. O estúdio Órbita foi onde substituí as baterias eletrônicas por baterias “de verdade”, e gravei as cordas e onde decidi mixar o álbum. E o estúdio Sterling Sound foi onde masterizei o álbum, realizando assim um sonho antigo de trabalhar com o engenheiro de som Ted Jensen.

REG: Imagino que nesse tempo todo você não tenha parado de compor. Na medida que o tempo passava ficava mais difícil fechar o repertório do disco?

Libra: Como o álbum foi composto e gravado ao mesmo tempo, ele quase que conta uma história. Tem momentos onde há até uma certa cronologia de fatos da minha vida e por isso não houve muito espaço para decisões sobre ordem de músicas. Nenhuma música tomou o lugar de outra ou ficou de fora.

Libra na pose feita para a capa do álbum "Até Que a Morte Não Separe"

Libra na pose feita para a capa do álbum "Até Que a Morte Não Separe"

REG: A tônica da música do Libra é a mistura do som pesado, identificado com o gothic metal, com uma sonoridade mais pop. Você acha que conseguiu a medida certa nesse primeiro disco?

Libra: Costumo dizer que fiz o disco para mim. Nunca pensei em deixá-lo mais pesado para agradar o publico do metal e nem mais leve para agradar o público pop. Queria fazer uma “obra” que me orgulhasse e me agradasse acima de tudo. E acho que atingi meu objetivo em cheio com isso. De tempos em tempos me isolo em um canto, coloco meu melhor par de fones e ouço o CD todo como se fosse a primeira vez e sempre sinto muito orgulho de tê-lo feito e de ter conseguido conquistar tudo que veio depois daquilo. Sei que vou ter prazer em ouvir meu CD até a morte. Ou até que a morte não separe…

REG: Muitas bandas estrangeiras já fazem isso no exterior, mas você ainda decidiu colocar as letras em português. Não é mais difícil, nesse caso?

Libra: É muito mais difícil, mas também é muito mais gratificante escrever em português. Nossa língua é cheia de armadilhas que fazem ser quase impossível fugir do “brega”, mas com um pouco de vontade é possível burlar essas armadilhas, se apegar à poesia (que é algo que funciona bem em português) e assim poder expressar meus sentimentos na mesma língua com que me comunico o tempo todo. Sei que a grande maioria das pessoas que gosta de rock ou metal gótico se identifica com o apelo visual e com o sentimento que esse visual projeta, mas que não entendem tudo que está sendo dito nas letras em inglês, e por isso perdem muito do significado mais “profundo”, nas metáforas. Por isso, cantando em português, percebo um retorno muito maior de pessoas que se dizem meus “cúmplices” em diversos sentimentos, medos, amarguras, esperanças, etc. E isso é muito gratificante. Poder ser entendido e compreendido.

REG: Você sempre trabalhou com letras em português?

Libra: Quando voltei da Inglaterra em 1997, gravei uma demo (que nunca mandei para lugar nenhum) em inglês, onde também gravei todos os instrumentos. Na época eu cogitava seriamente voltar para a Inglaterra para ficar lá permanentemente, o que justificaria cantar em inglês, mas quando decidi ficar no Brasil achei que seria limitado (e até um pouco triste) morar em um país e me expressar artisticamente em outra língua senão a língua natal.

REG: Ter uma música na abertura de uma série de TV ajudou no crescimento da carreira do Libra, ou você esperava mais?

Libra: Ajudou muito! Recebo dezenas de recados através da internet, de pessoas que dizem ter conhecido meu trabalho graças à série. Sinto que a vida é cheia de portas e ter uma música minha como tema principal de “A Lei e o Crime” foi uma enorme porta na minha carreira. Não gosto de pular etapas, pois as coisas que pulamos acabam fazendo falta mais tarde. Por isso acho que a oportunidade de ter a música na série foi maravilhosa, mas que coisas ainda maiores virão por aí.

REG: Como aconteceu a participação do Aaron Stainthorpe, do My Dying Bride?

Libra: Mandei um e-mail para o escritório que empresaria o My Dying Bride, com uma mp3 da música e explicando que seria uma honra ter a participação do Aaron no meu CD, já que ele sempre foi uma das minhas maiores influências. O mais surreal foi que ele mesmo me respondeu no dia seguinte dizendo que havia adorado a música e que faria com todo o prazer. Passamos a nos corresponder quase diariamente e ele compôs e narrou um poema inspirado na letra de “Ninguém Ama Ninguém”. Hoje mantemos contato por e-mail, recentemente mandei para ele um “kit” com CD e camisa e ele me mandou o último CD do My Dying Bride.

REG: Você acha importante ter feito os shows de abertura do Nightwish, Kiss e Sisters Of Mercy?

Libra: Acho muito importante sim. É uma ótima oportunidade de mostrar um som novo para um público grande, que você é capaz de supor se vai ou não gostar do seu som e em um local com estrutura melhor do que normalmente um artista novo teria oportunidade de tocar. Os shows com o Nightwish e com o KISS me deram um retorno enorme em termos de experiência, em termos de novos fãs e isso se reflete até hoje (mais de seis meses depois), quando recebo recados de pessoas dizendo terem conhecido meu trabalho no show do Nightwish em novembro de 2008, por exemplo.

REG: O clipe de “Sangue Frio” já estreou? Fale sobe esse vídeo:

Libra: Estreou há 15 dias e já tem mais de 40 mil visualizações no youtube, o que é algo surpreendente. Amo o clipe de “Sangue Frio”, mas devo admitir, que particularmente, tenho um carinho especial pelo clipe de “Na Minha Pele”. Não só por ter sido meu primeiro videoclipe, mas por ter uma temática e uma atmosfera que refletem melhor meu trabalho. “Sangue Frio” já é uma mistura da minha temática (no que diz respeito ao aspecto “fantasmagórico” e lúdico da história) e da temática preferida do diretor, Eduardo Kurt, que é aficcionado por temas de guerra. Mas acho que o casamento ficou perfeito.

REG: Ainda faz muita diferença ter um clipe bem produzido, em tempos de youtube?

Libra: Certamente. Acho que tudo que é bem feito, bem produzido e, principalmente, feito com “verdade”, faz uma grande diferença. O trabalho, o afinco e o esmero sempre se imprimem em tudo aquilo que depositamos esse tipo de cuidado e por isso, mesmo que inconscientemente, as pessoas se envolvem e se identificam mais com essas coisas. Com as coisas que têm “alma”.

REG: O que faz você escolher uma música como single/clipe? Nunca cogitou “Eletricidade”, por exemplo?

Libra: Uso alguns critérios simples. Tento fazer uma interseção entre minhas músicas preferidas, as que, em termos de marketing, interessem mais à minha gravadora e aquelas que sinto que estão tendo maior aceitação por parte dos fãs. Ficaria feliz com qualquer uma das músicas do CD, pois honestamente gosto de todas. “Eletricidade” foi utilizada pela Sony em uma ação junto à Kellogg’s, mas para um próximo single eu escolheria “Inverno” ou “Cinderela”.

REG: “Cada passo dado é mais um passo em direção ao fim” é a frase chave para entender o seu trabalho?

Libra sobe um degrau de cada vez

Libra sobe um degrau de cada vez

Libra: De certa forma. Tudo na vida tem um fim. As coisas boas e as ruins. Mesmo depois de cinco anos compondo, gravando e produzindo o CD, onde em certos momentos eu achava que não acabaria nunca, o fim chegou. Meu CD foi masterizado um mês depois da morte do meu pai e isso me abalou muito, pois ele nunca pôde ver meu projeto de vida nascer. Quando escrevi os créditos estava completamente afundado nesses questionamentos sobre mortalidade e fragilidade da vida e isso acabou se encaixando ainda mais na temática de amor e morte que cerca todo o álbum. Acho que o céu, o inferno e o purgatório estão aqui entre nós e a vida é uma só. Quando acabar… acabou. Por isso acho que devemos aproveitar enquanto há tempo e amar incondicionalmente nossos amores.

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. LAURA em junho 27, 2009 às 14:31
    #1

    Poxa, Libra pode até ser bacana, mas na minha opinião, no show do Kiss, a apresentação foi uma GAFE.

  2. Déborah em janeiro 5, 2013 às 20:43
    #2

    Comecei a escutar a banda Libra e agora virou vício, não consigo mais parar é bom demais. Viva ao rock’n roll!

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