No Mundo do Rock

Titãs se inspira em si próprio

Em novo disco, produtor desenterra programações dos anos 80 e repertório chega perto da sonoridade que marcou a fase de maior relevância do grupo. Fotos: Silmara Ciuffa/Divulgação.

Charles Gavin, Branco Mello, Tony Bellotto, Paulo Miklos e Sérgio Britto: o Titãs se reciclando

Charles Gavin, Branco Mello, Tony Bellotto, Paulo Miklos e Sérgio Britto: o Titãs se reciclando

Poucas bandas que nasceram nos anos 80 conseguiram se manter tão bem no mercado como o Titãs. É certo que o grupo muitas vezes apelou ao lançar um sem número de projetos acústicos, ao vivo e afins, mas, também, de outro lado, foi o que mais buscou se renovar artisticamente. Pense bem: os caras já foram ingênuos na new wave, punks, grunge, mpbistas e o escambau, mas nunca deixaram de ser Titãs, seja lá o que isso signifique. E olha que os cinco remanescentes perderam três integrantes, sendo um deles num grande drama pessoal.

Eles estavam há muito tempo sem lançar um novo álbum com músicas inéditas até que o produtor Rick Bonadio apareceu com uma proposta satisfatória para uma banda com 27 anos nas costas. Como Bonadio tem sido o grande propulsor de bandas ligadas ao emocore nos últimos tempos, pronto: logo se espalhou a notícia de que, depois de tantas mudanças na carreira, o Titãs, doravante, seria uma banda emo. Pode parecer piada de mau gosto, mas há muita gente boa que acredita nisso por aí.

“Sacos Plásticos”, o rebento dos Titãs conduzido por Rick Bonadio, nada tem a ver, obviamente, com Fresno, NX Zero e afins. Escolado no mercado e conhecedor da trajetória do grupo, o produtor foi buscar referências nele próprio, o que dá ao álbum um certo tom retrô não procurado, mas realçado em programações e composições, acima de tudo, “titânicas”. Esses e outros detalhes escaparam nessa conversa telefônica com Charles Gavin. O baterista fala ainda do conceito atribuído ao título do disco, do prazer de continuar tocando depois de 27 anos no mesmo grupo, e dos projetos paralelos dele e de seus parceiros.

Rock em Geral: Vocês fizeram uma turnê com o Paralamas, e as duas bandas lançaram discos de tamanho curto, como se fosse um LP. Rolou uma nostalgia de vocês fazerem as coisas como antigamente?

Charles Gavin: Acho que não, no caso deles deve ter acontecido uma coisa adequada ao material que eles tinham, que julgavam como o disco deveria ficar pronto. No nosso caso o material não caberia num LP, mas foi quase. Eu fiz essa conta. A turnê não gerou nenhuma nostalgia e nós vamos continuar com ela, em julho vai ser pelo Nordeste.

REG: Com os discos lançados, não vai começar a turnê de cada banda?

Charles: Ainda estamos preparando o nosso show, devemos começar com ele só a partir de setembro.

REG: Vocês ficaram seis anos sem lançar disco, foi a primeira vez que isso aconteceu em toda a carreira. Era um tempo que vocês precisavam?

Charles: Em 2000 nós assinamos um contrato com a Abril Music, e gravamos “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana” em 2001. Depois a Abril foi vendida para a BMG, e em 2003 nós gravamos o “Como Estão Vocês?”. A BMG se associou a Sony, e em 2005 gravamos um ao vivo com a MTV. Depois gravamos o projeto com os Paralamas. Não estamos inativos desde 2003. Ficamos bastante tempo na estrada e por isso o processo – não de composição –, mas de registro, fica mais lento. Isso acontece com as bandas veteranas, com mais de 10 anos já vão deixando maior o espaço entre um disco e outro. E também teve as pendengas contratuais. Quando se muda de gravadora, cria-se dificuldades, se questiona muita cláusula que não cabe mais no mercado. Seis anos foi o tempo que a gente levou para se reorganizar e pensar num disco novo, mas soma-se a isso a crise do mercado brasileiro. Quem nos procurou propondo uma forma interessante de trabalho e que nos entusiasmou foi o Rick Bonadio, mas ele não apareceu logo depois que a gente saiu da Sony.

REG: Quando foi divulgado que vocês iam trabalhar com o Bonadio, começou a rolar um papo que o Titãs ia virar emo e coisas do tipo. Pesou na decisão de vocês o fato de o nome do Titãs ser associado ao emo?

Charles: Pensamos muito, isso ocorre de uma parte ou de outra, sabíamos que as pessoas podiam pensar isso. Mas o fato de os discos que ele tem produzido ultimamente serem nessa linha não significa que ele não possa fazer um outro tipo de coisa. A gente conhece o Rick Bonadio, ele veio do hip hop. E também, independente de eu gostar ou não, a imprensa tá pegando no pé desse gênero. Mas vai pegar sempre no pé do que tá vendendo, foi assim com o pagode. Uma vez fizemos um evento no final dos anos 90 junto com uma banda de pagode, foi uma provocação, premeditado. A imprensa destruiu a gente porque a gente tava se vendendo. Já entraram na berlinda sertanejo, pagode, emo, sempre quem vende muito, porque é comercial demais. Eu jamais vou falar mal de um colega, de alguém que esteja vivendo honestamente do seu trabalho. Mas tem a música que eu gosto e a música que eu não gosto. É claro que essa associação poderia acontecer, mas o nosso trabalho ia falar por si mesmo. Os jornalistas esquecem que o Bonadio produziu o Mamonas Assassinas, de quem a gente fez cover, trabalhou com o Ira!, banda que eu fiz parte, e com o Charlie Brown. É que NX Zero, Fresno, essas bandas são as que vendem mais no momento. Eu não vejo nenhum problema nisso. Se fosse pensar assim, o Liminha trabalhou com varias bandas do rock dos anos 80, algumas mais pop que a gente, e fomos fazer o “Cabeça Dinossauro” com ele.

REG: Esse disco lembra muito a época do “Jesus Não Tem Dentes…”

Charles: Por quê?

REG: Pelas programações, os reggaes daquela época, tem uma música do Arnaldo Antunes que lembra “O Quê” (que é do álbum “Cabeça Dinossauro”)…

Charles: É verdade, isso tem a ver sim. Nós passamos um bom tempo sem usar programação e quando ensaiamos o repertório ficamos naquele processo de escolha, que é doloroso. Nós temos facilidade para gerar material, e quando chegamos a um número de músicas que achávamos que tinha um núcleo, entendemos que seria legal buscar uma sonoridade diferente. Tava aquele som da banda em si, que no nosso caso não tava beneficiando algumas canções, não era o melhor que elas poderiam render. Estávamos precisando de um elemento externo, e a gente já tava com um desejo – e eu fui um dos que defendeu isso – de voltar a trabalhar com programação. Sempre funcionou no nosso trabalho, e um dia ficou claro que algumas músicas precisavam de uma outra abordagem. Fomos falar com o Rick, para ele indicar alguém para trabalhar com a gente. E ele falou: “Eu mesmo”. Ele tinha feito as programações dos discos de hip hop que ele lançou. E programação não é só ritmo, é textura, baixo, guitarras sampleadas, é muita coisa. Foi uma decisão artística nossa. Não é que a gente queria fazer uma coisa que a gente já fez, mas nos apoiamos na premissa de que fizemos desse jeito e funcionou melhor para as músicas. Temos que fazer o melhor para as músicas, nem que isso desagrade o próprio autor. E aí ela toma caminhos que a gente nem espera.

REG: Saiu parecido com as coisas dos anos 80 porque vocês queriam ou foi ficando assim?

Charles: Eu acho que o Rick também procurou fazer uma coisa que fosse adequada a nós, a proposta que ele colocou era “gosto do som de vocês e tô a fim de trabalhar”.

Cinco titãs flagrados junto com os manequins que ilustram a capa de "Sacos Plásticos", o novo disco

Cinco titãs flagrados junto com os manequins que ilustram a capa de "Sacos Plásticos", o novo disco

REG: Por que a música “Sacos Plásticos” virou o titulo do CD? Fale um pouco da capa também:

Charles: A sugestão de pegar a música “Sacos Plásticos” e dar nome ao disco veio do (Sérgio) Britto. Tem um núcleo de músicas - “Amor Por Dinheiro”, “Sacos Plásticos” e “Múmias” - que trata dessa coisa consumista em que nós estamos mergulhados. Quando vimos isso, essas três especificamente, o Britto sugeriu o título. Achamos que era interessante, mas a princípio muito estranho. Eu falei: “Não é possível que a gente vá dar esse nome para o nosso disco”…

REG: Saco plástico já remete ao objeto em si…

Charles: Foi exatamente por isso que acabou ficando o nome do disco. Isso levanta muita discussão. Se você parar para pensar só no que é esse objeto, o que ele faz na nossa vida, é interessante o curso dele. Ninguém dá valor, mas tá no nosso cotidiano, todo mundo volta pra casa com um desses todo dia. Como já tem um novo que vai entrar no lugar dele na próxima compra, você descarta e por aí vai. Mas se você jogar esse objeto no mar, no rio, ele demora 100 anos para se dissolver, é permanente por muito tempo, apesar de ser considerado descartável. Podemos fazer essa brincadeira com o disco, porque ele tá novo agora, mas daqui a uma semana ele já é velho. A coisa só tem valor quando é nova. Eu combato isso, sou absolutamente contra a mentalidade de ter que ser tudo novo o tempo todo. Porque é o contrário, a gente tá “devoluindo”, como diria o Devo, tá involuindo. Só por essa pequena discussão sobre o título, achamos que valia a pena dar o nome para o disco, apesar da estranheza. E a capa é mais estranha ainda, são manequins que estão numa vitrine que todo mundo vê, mas não tem cara nem rosto. E tem várias analogias que podemos fazer. No início nós fizemos uma foto com cinco manequins, mas achamos muito óbvio, a associação ficava pobre. Mudamos a orientação, foi idéia do Britto, ele tava com essa coisa da sociedade consumista na frente mais do que nós.

REG: Em “Agora Eu Vou Sonhar” há uma citação ao discurso do Martin Luther King. Tem alguma coisa a ver com a era Obama?

Charles: Não, essa música saiu antes. Até quisemos tirar a fala dele por conta disso, porque ia ficar esquisito, mas aí tiramos e também não ficou legal. E então assumimos, porque foi feito antes mesmo.

REG: Tirando o Liminha, que é quase um Titã, e o Arnaldo Antunes, que é um ex-Titã, o Andreas Kisser (guitarrista do Sepultura) é o único de fora a participar, na composição de “Deixa Eu Entrar”…

Charles: O Tony (Bellotto) já vinha fazendo umas composições com o Andreas por conta do disco solo do dele, e eles acabaram fazendo uma coisa juntos. O Andreas tocou no disco “Domingo”, junto com o Iggor (Cavalera, ex-baterista do Sepultura), na faixa “Brasileiro”, e o Andreas participou da gravação desse projeto com o Paralamas. Tem uma coisa comum entre Paralamas, Titãs e Sepultura, nós somos muito amigos. Eu tenho outros amigos, agora os que eu encontro mais na estrada são os “xarás” dessas duas bandas, nós somos muito próximos artisticamente. O Tony apresentou essa música com o Andreas, nós gostamos e decidimos gravar e chamá-lo para tocar. Foi tão natural que nós nem pensamos muito.

REG: E a “Problema”, do Arnaldo?

Charles: No caso do Liminha e do Arnaldo, no processo de seleção final o Paulo (Miklos) decidiu mostrar essa música que ele já tinha mas não tinha mostrado. Vimos que ela tinha uma pegada que era dos Titãs. O Arnaldo ainda faz muita coisa que parece com os Titãs. Essa música é recente, nós gostamos do que ela falava e resolvemos gravar.

REG: Apesar de todas as mudanças no mercado fonográfico, o Titãs continua vendendo bem. Por quê?

Charles: Uma das alternativas é que o nosso público é de pessoas mais velhas, que têm o hábito de comprar CD. Outra coisa é que permanecemos na estrada, isso faz com que a obra fique presente nos lugares onde a gente passa, movimenta o catálogo. Os projetos paralelos também ajudam bastante o Titãs. O fato de o Tony apresentar programas de TV, escrever livros e em blog, o Branco (Mello) fez o filme, o Paulo agora é ator, isso é bom. O cara é um Titã, não tem, não deve e não precisa dissociar.

REG: Como andam o seu programa do Canal Brasil (“O Som do Vinil”) e as reedições de discos?

Charles: O programa tá na terceira temporada, eu continuo tentando fazer esses projetos de reedição de discos, mas não tá fácil…

REG: Com 27 anos de estrada com o Titãs, o que te dá mais prazer, essas atividades ou continuar na banda?

Charles: As duas coisas. Eu tenho um tremendo barato de trabalhar com a obra de outras pessoas, porque sou músico e acho que entendo bastante, consigo me aprofundar. Eu vivo música desde os 14 anos, hoje toda a minha vida profissional é baseada na música. Agora, o barato que me dá é que eu gosto muito de tocar bateria, é uma coisa que me dá imenso prazer. É um negócio divertido, quase juvenil. Tem canções do repertório do Titãs que eu toco há 27 anos, mas eu não enjoei de nada, toco com o maior tesão. As turnês são ótimas, tirando o fator transporte que cada dia fica mais complexo. O business no Brasil mudou muito. Antes você fazia uma temporada em Recife, uma em Curitiba, duas seguidas em São Paulo. Agora é uma data em cada cidade dessas, raros são os casos em que ficamos 24 horas numa cidade. Mas nos divertimos juntos no meio disso, é uma maneira de se manter jovem, se é que isso é possível. Tudo bem, o corpo vai envelhecendo, mas da cabeça você pode cuidar. Sempre temos contato com artistas que eu não conheço, em feiras, festivais, isso é fundamental para se manter jovem, atuante. É uma recompensa da estrada que outras profissões não têm.

REG: Quantos shows vocês fazem por ano?

Charles: Já chegamos a fazer 120, 130… É um marca boa, a média é um a cada três dias.

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