No Mundo do Rock

Nervoso: fazemos ‘tropicalismo cinematográfico contemporâneo’

Compositor carioca mostra novas referências no terceiro álbum e assume Os Calmantes como seu novo grupo. Fotos: Badke & Antunes.

Nervoso (de vermelho, no centro) e Os Calmantes pegam um sol

Nervoso (de vermelho, no centro) e Os Calmantes pegam um sol

Quando partiu para a carreira solo, Nervoso sabia que precisaria de uma boa banda para não fazer feio ao mostrar suas próprias músicas. Ele só não podia esperar que a coisa desse tão certo a ponto de, aquilo que era solo, ter se transformado em banda de novo. Por isso o novo álbum do cantor e compositor já é creditado como Nervoso e Os Calmantes – como se fazia, aliás, nos tempos da jovem guarda, uma das fontes onde ele gosta de beber.

Embora seja o primeiro a levar o nome do grupo, o disco é o quarto da carreira do músico, que já passou por formações relevantes do rock carioca, como Beach Lizards, Autoramas, Acabou La Tequila e Matanza, sempre como baterista. Antes, Nervoso já havia lançado “Saudades de Minha Lembranças”, em 2004, e o EP “Personalidade” (2002), além de um CD de remixes encartado na Revista Outracoisa em 2006, “Lembranças das Minhas Saudades”.

Os Calmantes são Benjão (guitarra, também Do Amor), Kiko Ramos (baixo), Sergio Martin (bateria) e The Alberto (teclados), mas a quantidade de participações no disco vai além. Tem a cantora Nina Becker, o tecladista Lafayette (d’Os Tremendões) e mais uma pá de gente, assim como as novas parcerias que incluem Bernardo Vilhena, aquele mesmo do hit “Menina Veneno”.

A alquimia só reforçou o talento de Nervoso, que apontou a bússola para o norte que quis, agrupando novas referências que paradoxalmente reforçam sua própria música. Saiba mas nessa entrevista feita por e-mail, onde, entre outras coisas, Nervoso, com a ajuda do crítico André Paixão, solta a pérola: defino esse trabalho como um “tropicalismo cinematográfico contemporâneo”.

Rock em Geral: Por que a mudança no nome para Nervoso e Os Calmantes?

Nervoso: Não falaria em mudança, mas em criação. Logo depois do lançamento do disco “Saudade das Minhas Lembranças”, a banda começou a se formatar com maior solidez, o que ocasionou a necessidade de desvincular atividades artísticas mais pessoais da banda, que consequentemente passa a participar do esqueleto com maior intensidade.

REG: O disco tem uma identificação muito grande com a jovem guarda. O nome nesse formato (nome do artista + nome da banda) tem a ver com isso?

Nervoso: Sinceramente, nunca pensei nisso. Gostamos de ter o nome Calmantes na banda e, ao mesmo tempo, foi justo manter o nome Nervoso para dar continuidade ao que foi iniciado com o “Saudade das Minhas Lembranças”.

REG: Há novas parcerias nesse disco, como a com o Bernado Vilhena, em duas músicas. Como foi compor com um letrista de outra geração?

Nervoso: Foi gratificante, porque estou acostumado a deixar letras para segundo plano e isso tem a ver pura e simplesmente com um processo natural de composição. Com o “Tio” Bernardo foi diferente, é claro. Tive que musicar as palavras do poeta. O fato de ele ser de outra geração teve pouca influência na relação. Afinal, a quantidade de caipirinhas produzida para o “evento” foi digna!

REG: Outro que aparece compondo é o Benjão. Por que você escolheu músicas dele? Elas são inéditas ou já foram gravadas por outros artistas?

Nervoso: O Benja é um excelente compositor, assim como toda turma do Do Amor, incluindo o Bruninho, que não é mais da turma, mas foi do Carne de Segunda, banda que deu origem ao DA. “Bloco Neguinho” era um hit nos shows do Carne e eu sempre quis arranjar algo para ela, desde quando a escutei pela primeira vez, no Humaitá Pra Peixe de 2003. Foi então que surgiu essa versão mais dançante, 70’s, que gostamos muito. As outras duas (”Despertar” e “Eu Que Não Estou Mais Aqui”) foram compostas pelo Benjão para a banda e, até onde sei, ainda não foram gravadas por outros artistas. São excelentes composições.

REG: Há muitas participações também. Era sua intenção chamar tanta gente num só disco ou cada música é que foi “pedindo” cada uma delas? Quanto tempo você levou pra gravar o disco todo?

Nervoso: Levamos cerca de dois meses - imprecisamente - para gravar e mixar, e as participações foram pintando conforme a gravação do disco evoluía. É claro que desde o início já pensava na Nina (Becker), pois ela cantou na pré-produção também e ficou lindo.

REG: Desse repertório há músicas que já foram testadas, como “Universo Vocacional” e “Um Sonho de Transatlântico”. É importante testar antes ao vivo para depois gravar?

Nervoso: Acho que o palco tem pouca importância nesse caso, já que podemos maturar a música nos ensaios. Na verdade, as melhores idéias surgem nessas ocasiões. Tocamos essas músicas no palco para dar uma esquentada no repertório. Foi assim com “Candidato a Amigo” e também “Kit-Homem”.

A turma do Hermes e Renato? Não, Nervoso e Os Calmantes com a arma na mão

A turma do Hermes e Renato? Não, Nervoso e Os Calmantes com a arma na mão

REG: Nesse disco você muda bastante a impostação da voz, indo do suave ao mais grave. Tem estudado técnica vocal ou é a experiência mesmo?

Nervoso: Até gostaria de estudar, mas por enquanto é na experiência mesmo. Gosto de brincar com a região mais grave (como em “Eu Que Não Estou Mais Aqui”), tento descer o máximo. E sempre fica aquela impressão de que dava pra rolar um pouco mais se eu estudasse…

REG: As músicas que abrem e fecham o CD são muito tristes. Era sua intenção que fosse assim?

Nervoso: Minha irmã fez o mesmo comentário. Eu gosto de compor em tons menores, deve ser por isso que minhas músicas não tocam em rádio FM. Sempre gostei. É muito difícil definir a ordem das faixas de um disco. É um trabalho que acaba sendo bem antidemocrático. Imagina se cada um dos envolvidos nesse projeto resolvesse definir um set list para o disco. Certamente não haveria similares.

REG: “Peça de Tabuleiro” é creditada como homenagem ao Canastra e cita várias músicas deles. Conta essa história:

Nervoso: Canastra é banda irmã nossa e, apesar de terem uma identidade bem distinta, nos identificamos muito com eles. O Renato (Martins) é um dos maiores compositores que conheço, um gênio indomável! Resolvi homenageá-los com essa música, cuja letra contém vários jargões “canastrianos”.

REG: Algumas letras, como a de “Kit-Homem” e “Candidato a Amigo” parecem ser bem pessoais. O quanto ali é você e quanto é ficção?

Nervoso: As letras nascem com base em situações e personagens reais, mas ganham um teor dinâmico, orgânico e, muitas vezes, bem-humorado. “Kit-Homem”, por exemplo, foi composta depois de uma briga conjugal. “Candidato a Amigo” é uma visão pessoal sobre a amizade, com base na vida de muitos amigos meus. Inclusive… eu!

REG: “Um Sonho de Transatlântico” é homenagem a fase anos 70 de Roberto Carlos?

Nervoso: Certamente! A harmonia remete, né? Mas foi sem querer. Querendo. O fato é que essas harmonias surgem de supetão. Na verdade, na maioria das vezes, as melodias surgem antes.

REG: “Candidato a Amigo” ganhou um clipe gravado ao vivo, podemos chamá-la de primeiro single? É a que melhor representa esse disco?

Nervoso: Esse é disco de uma música só. Todas representam bem o disco, inclusive “Bloco Neguinho”, que costuma chocar o ouvinte desavisado. Esse clipe foi uma benção e surgiu graças às imagens capturadas pela Ghetto Filmes durante o espetáculo que fizemos no Sesc Pompéia no ano passado, com participação do Lafayette e quarteto de cordas.

REG: Algum outro clipe a caminho?

Nervoso: Deve demorar. Mas será “Universo Vocacional”. Já tenho o roteiro na minha cabeça.

REG: “Teimosia” foge do clima do disco e se identifica com o rock internacional pós 2000. É uma tentativa de fazer a sua música se tornar, digamos, mais contemporânea? Uma pista do que virá do Nervoso no futuro?

Nervoso: Adoramos essa música. Com ela abrimos nossos shows em Minas Gerais no ano passado e foi bem divertido. Penso em algumas referências oitentistas, como XTC, Joe Jackson, Gang of Four. Uma pista do que virá do Nervoso no futuro? Quem sabe? Nunca pensei no futuro.

REG: Já “Uma Simples Questão” parece música de especial infantil de TV… Fale sobre ela:

Nervoso: Essa música é realmente especial. Primeiro porque surgiu depois de uma bem-humorada discussão que acabou gerando uma atmosfera político/infantil na letra e na melodia. Segundo, porque nossos filhos cantaram na gravação e fizeram uma tremenda bagunça no estúdio. Algumas cenas desses momentos estão presentes no nosso making of. A Nina tocou kazu nessa música e ficou classe A.

REG: Você já atuou como redator e crítico. Usando essa experiência, como você definiria seu próprio trabalho?

Nervoso: Deixei de ser redator, mas ainda sou crítico. Poderia escapar dessa e expor o quanto é complicado para um artista se distanciar de seu próprio trabalho e blá blá blá. Mas não. Eu defino esse trabalho como um “tropicalismo cinematográfico contemporâneo”.

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