Fazendo História

Mortinho da Silva?

Avanços tecnológicos e estratégias mercadológicas põem em xeque a produção e a exibição de clipes. Há quem ache que ele morreu. Publicada na Revista Outracoisa número 20, de maio de 2007. Fotos: Reprodução.

De uma hora para a outra, aquela emissora especializada – que tem música até no nome - decretou o fim da exibição de clipes em sua programação. Para a MTV, o clipe acabou. No lugar da veiculação de música, a estação de TV quer programas de variedade; não necessariamente com conteúdo musical, mas focado no público jovem que a direção de lá ainda acredita ter. A notícia pegou/deixou o meio musical com as calças na mão.

Zico Góes

Zico Góes

Mas, alto lá! Quem liga o computador dá de cara com imagem em movimento por tudo o que é canto. Pode-se até dizer que não existe nenhum site de grande empresa do setor de comunicação sem um ícone que conduza a um arquivo de imagens em movimento – um vídeo amador, os gols da rodada e por aí vai. E isso sem falar que um dos pontos de internet mais acessados nos últimos tempos é aquele em que o sujeito pode postar um vídeo qualquer, desde um amador feito em casa até o clipe de uma banda com contrato assinado com gravadora. O youtube é (ao menos até esta matéria ser finalizada) a grande coqueluche virtual. Mesmo o orkut se rendeu e já abriu espaço para cada perfil ter, além de fotos, espaço para os vídeos favoritos. Computadores desligados, vamos as lojas. Os estabelecimentos comerciais não param de exibir o produto que, segundo consta, é o que mais cresce no mercado fonográfico: o DVD. Tanto que até um novo formato, o dualdisc, funde as duas mídias (CD e DVD) num só produto. Ou seja, a música está cercada de imagens por todos os lados.

Voltando à TV, um giro rápido por outros canais leva o telespectador a descobrir quem tem videoclipe indo ao ar aos borbotões, seja em programas específicos (que exibem trechos de clipes entre reportagens) ou mesmo nos de variedades. Como assim, então, o clipe acabou? O diretor de programação da MTV, Zico Góes, o mesmo que reuniu a imprensa para soltar a bomba, explica: “Decidimos tirar o clipe da programação de vez, mas já vínhamos interferindo nisso há muito tempo. Acho que ele ainda tem espaço na internet como ferramenta para divulgação de bandas, pesquisa ou entretenimento. Na TV não funciona mais”. Góes praticamente tratou o videoclipe - cujo custo pode chegar a US$ 200 mil no exterior e a R$ 30 mil no Brasil - como uma ferramenta underground. “Os tempos de ‘rádio colorida’, com rotação de clipes, já se foram, o videoclipe deixou de ser televisivo”, sentenciou Góes.

Só se for na MTV. Porque em outras emissoras que continuam a exibi-los, a audiência vai bem, obrigado. Ao menos é o que diz o diretor de criação e marketing da PlayTV, André Vaisman. “Há várias provas de que o videoclipe dá audiência. O Multishow virou um case de sucesso na TV à cabo, a custa de videoclipes. O ‘TVZ’ (programa só de clipes do canal) hoje é referência para quem gosta de música”, afirma. Mas o executivo se deleita mesmo é na PlayTV, emissora em UHF da Rede Bandeirantes no ar desde maio passado que vem ultrapassando a MTV no Ibope, exibindo justamente videoclipes. “Há duas semanas eu medi um ponto e alguma coisa no ‘Vale 10′, que é um programa de parada, mas eu dou ponto às 17h30 com o ‘Disparada’, e à noite com o ‘Vitamina T’. Isso supera a MTV de longe”, garante.

Luis Carone

Luis Carone

Vaisman, que já foi vice-presidente geral de operações na MTV, acredita que o problema da multinacional está no direcionamento equivocado. “O insucesso do videoclipe na MTV está ligado ao compromisso assumido ao criar muitos subprodutos com a mesma linguagem. Ou seja, uma banda tocando, plugada ou desplugada, emocore ou pagode – tanto faz, são tratados da mesma maneira -, aquele fundo azul com luz e fumaça, um trilho andando devagarinho no meio, uma grua… Chega uma hora em que não dá pra saber se é ‘Acústico’ do Zeca Pagodinho, ‘Ao vivo’ do CPM 22, ou o ‘Apresenta’ Ivete Sangalo”, aponta. E vai mais longe: “A MTV, comprometida com a venda de seus produtos, se viu obrigada a tocar somente isso, porque há um compromisso com as gravadoras de atingir metas financeiras”. Se André Vaisman acha que, como todo o imbróglio em que se meteu o mercado fonográfico brasileiro, a questão dos videoclipes também passa pelas gravadoras, Zico Góes continua a se apegar à questão tecnológica. “Isso não tem nada a ver com as gravadoras, elas também estão tendo que se adaptar à nova realidade”, acredita. “Não temos um pingo de dependência das gravadoras”.

Os “tempos de rádio colorida” a que Góes se referiu lá em cima até que eram bons. No início dos anos 90, quando a MTV se instalou por aqui, acabou assumindo a função que a rádio havia abandonado. A emissora era responsável por apresentar novos artistas, que só então passariam a ser tocados nas rádios e virariam sucesso. Foi a MTV que bombou nomes de terceiro escalão como Deee-Lite (do hit “Groove is in the Heart”), restaurou carreiras em decadência como a do Aerosmith e deu vida a artistas efêmeros como o dançarino MC Hammer. Pois é mais ou menos isso que Zico chama de “rádio colorida”. “Só música não segura a audiência”, continua a explicar o expert em TV, “você tem que criar formatos, contar histórias com começo meio e fim, trazer algo pertinente ao meio. Já há algum tempo música sozinha não é um bom divertimento televisivo, temos que admitir”, conclui.

A prova disso é que a emissora mudou completamente o perfil de seus VJs. Hoje eles são meros apresentadores. Foram-se aqueles que entendiam de música e entraram os identificados com programas de auditório. “É triste a TV ter descartado a música pop e figuras que sempre a representaram brilhantemente como Kid Vinil, Fábio Massari e Gastão Moreira”, lamenta Terence Machado, que há dez anos dirige o “Alto-falante”, na Rede Cultura. Lá, o videoclipe é bastante exibido, ainda que para ilustrar matérias. Como bem citou Terence, Gastão Moreira fez parte dessa geração, e acaba de lançar um documentário em DVD sobre o início do punk no Brasil. Para ele, “a programação hoje é baseada no que é tocado nas rádios comerciais e em programas tipo ‘Beija-sapo’. Não tenho a menor paciência”, dispara. Mas Gastão reconhece que hoje o investimento num clipe, para uma banda nova, pode não ter o retorno desejado. “É mais importante investir numa boa gravação do que num clipe, que custa caro e vai ser exibido poucas vezes”, acredita, embora reconheça que, ainda assim, o videoclipe está longe de bater as botas. “É impossível falar no fim do videoclipe, a produção ainda é enorme. Mas esses clipes com orçamento hollywoodiano e dancinha ensaiada esgotaram uma fórmula”, finaliza.

Marcelo Tas

Marcelo Tas

Um olhar no que aconteceu com a MTV americana pode ajudar a elucidar o tema. A emissora entrou no ar em 1981 e logo virou a grande ferramenta de divulgação de artistas - leia-se grandes gravadoras. No meio da mesma década teve o auge, quando artistas menores foram projetados graças a apelos visuais. O maior exemplo disso são Madonna e Michael Jackson, que fez do clipe de “Thriller” um curta-metragem, impulsionando o álbum de mesmo nome a ser um dos mais vendidos da música pop até hoje. O Dire Straits, ícone do rock na época, tirou uma casquinha com o clipe de “Money for Nothing”, que citava justamente o processo de não saber tocar nada, fazer sucesso na MTV e ganhar grana e garotas. E o que acontece agora? Lá, já há um certo tempo, a programação da MTV se perdeu em meio a programas de entretenimento e reality shows, a ponto de se criar uma segunda emissora do mesmo grupo (a MTV2) para dar espaço à música. Seria essa a saída para o Brasil? “Teria sido há algum tempo”, responde Zico Góes. “Hoje a alternativa para quem gosta de clipe é a Internet. Mesmo em outro países em que existe a MTV2, eles já não passam tantos clipes, não estava dando certo”, emenda, pondo cada vez mais pás de cal em cima dos clipes. Vaisman discorda. Para ele, “neguinho quer ver clipe, a última coisa que foi lançada, não o acústico de quem sempre foi acústico”. E alfineta: “Quando uma televisão diz pro jovem o que ele tem que assistir, essa televisão tá com problemas graves de comunicação com esse jovem. O caminho é o contrário”.

O fato de a volta do The Police, por exemplo, um dos preferidos da MTV dos anos 80, ter acontecido na cerimônia do Grammy, e não do Vídeo Music Awards, é sintomático. O que bota em cheque até mesmo a continuidade da premiação, incluindo sua versão brasileira, o VMB. Astrid Fontenelle, outra VJ da época de ouro da emissora, e hoje apresentadora de programa de variedades no Canal GNT, foi a primeira a se manifestar na imprensa, fazendo a piada segundo a qual, para a próxima premiação, a direção da MTV vai pegar os clipes no youtube. Zico Góes, entretanto, não muda o discurso: “O VMB há muito tempo não é uma premiação de clipes, eles acabaram virando pretexto para se premiar as bandas. Ainda estamos reformatando o programa, mas o videoclipe já não fazia falta mesmo”.

O diretor Luis Carone, que já levou várias estatuetas para casa, incluindo a de melhor direção no VMB no ano passado, para o clipe de “Convicted In Life”, do Sepultura, lamenta a saída o videoclipe da programação e o enfraquecimento da premiação. “O VMB foi muito importante, como estímulo, no currículo e na divulgação do meu trabalho. Acho que é o maior prêmio da música brasileira, embora tenha perdido força nos últimos anos”. Carone, que trabalha na O2 Filmes, de Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”), também não acredita no fim do videoclipe, mas admite que tem recebido menos propostas de trabalho na área: “Este ano recebi umas três, ano passado recebia mais que duas por semana”.

Pioneiro na manipulação da imagem para criar uma linguagem, digamos, jovem no Brasil, Marcelo Tas hoje está fora da TV. Ele comanda um blog no UOL, onde posta coberturas com texto e – claro - imagem. “Estamos vivendo uma gigantesca mudança, não é o caso de excluir as coisas, mas fazê-las conversarem”, acredita, achando precipitada a atitude da programação da emissora onde inclusive já trabalhou. Olhando pelo lado do conteúdo, Tas concorda com Gastão Moreira e vê um momento bom para o formato. “É uma ótima oportunidade para o clipe se renovar, já que ele se esgotou depois do boom dos anos 80. Nos anos 90 ainda havia algumas idéias, mas depois começou a ficar muito repetitivo”, avalia.

Gastâo Moreira

Gastâo Moreira

Citado por todos no fazimento desta matéria, o youtube é o queridinho da hora, a salvação da lavoura para quem quer ver todo o tipo de produção visual, musical ou não. Flagras de famosos em situações íntimas ou constrangedoras, relíquias do passado, cidadãos comuns pagando mico… Tem de tudo lá, até videoclipes. Mesmo as grandes gravadoras, que já perderam o trem da história várias vezes, embarcaram nessa. A maioria tem acordo com o site para a exibição dos vídeos de seus artistas. O site é propriedade do Google, uma das marcas mais valorizadas o planeta e, até que alguém se manifeste, aceita a postagem de tudo e todos, gratuitamente. Zico Góes curte a nova ferramenta: “Sou fã de carteirinha, é o jeito mais democrático de se compartilhar vídeos”, empolga-se aquele que muita gente vem enxergando como uma espécie de exterminador de videoclipes.

Luis Carone diz que usa o youtube mais que o Google. “Com o tempo vamos escolher o que ver nas TVs, não vai ter uma grade fixa”, acredita o diretor. “Mas é a marginalização do vídeo, se você tem uma câmera tosca e uma idéia boa, faz um vídeo e o mundo todo vê. Ele quebra muitas pernas, mas acho que vem para o bem, assim como o Myspace (site de relacionamentos no qual se pode colocar sons e vídeos). Se vídeo ou música é bom, todo mundo vê ou ouve, não precisa de pessoas vetando na raiz o que é bom ou não”, conclui.

Faz sentido. Se os avanços tecnológicos estão criando novas maneiras de ouvir música, o mesmo está acontecendo com as formas de ver a imagem. Em vez de comprar disco, o negócio parece ser baixar músicas; no lugar das rádios, os tocadores de mp3; em vez de videoclipes na TV, temos os sites (o youtube não está só) e, já, já, aparelhos portáteis tipo I-pod. Isso sem falar dos celulares. A questão é o que vai substituir o que, e quando isso vai acontecer – se é que vai.

A conversa nos leva de volta à retórica do mercado fonográfico, hoje dividido entre o mundo independente e o mainstream. Como disse Gastão Moreira lá atrás, um artista consagrado não vai mais investir milhões num videoclipe para que ele seja pouco exibido na TV ou apenas disponibilizado no youtube. De outro lado, com uma verba reduzida, qualquer bandinha do circuito independente já pode colocar um clipe meia razoável para rolar no web, como disse Luis Carone. Sinal de que a saída para a imagem, assim como na música, é uma aproximação entre o que faziam a grandes gravadoras no passado e o que fazem hoje os independentes. Tudo, lógico, seguindo a cartilha da era da informação em que vivemos, com as intermináveis renovações tecnológicas servindo de aditivo ao combustível. Enquanto isso, até segunda ordem, o videoclipe, assim como o CD, o DVD, as revistas, a música, seguem vivinhos da Silva.

Tags desse texto: , ,

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado