Rock é Rock Mesmo

Yes, nós temos heavy metal

Do outro lado do Rebouças, cena metálica se renova no Rio de Janeiro, como se os 00 fossem os 80.

Meus amigos, o que é a natureza. Quando o sujeito pensa que tudo está acabado, é aí que as coisas reaparecem. Ou, por outra, descobre-se que elas continuam ali, como sempre foram. Digo isso depois de ter vivido um domingo de almanaque. Não, não fui ao maior do mundo ver o sensacional Fla-Flu. Rumei para o outro lado da cidade no tradicional bairro do Méier, na famosa Dias da Cruz, no clube Mackenzie, para participar de uma das eliminatórias que indicam uma banda brasileira para participar do Wacken Open Air, na Alemanha, em agosto. Chama-se Metal Battle a competição que elege o melhor grupo, lá na roça alemã, e Metal Battle Brasil a que escolhe o representante daqui.

Fui com o status de jurado, a convite da cúpula das Organizações Roadie Crew, em companhia do hoje carioca Vinicius Neves, uma das duas cabeças do programa Stay Heavy. Pois eis que, chegando lá, me senti como se estivesse sendo cuspido, assim como os cientistas Tony e Doug, por uma máquina do tempo de Irwin Allen. Em poucos segundos, vi que estava não no Méier, mas em Botafogo; não no Mackenzie, mas no Caverna 2, o templo do heavy metal carioca dos anos 80. Era a mesma tarde quente e abafada, o mesmo som possível, os mesmos adolescentes de camisas pretas com bandas estampadas, as barraquinhas de CDs e todo o tipo de tralha, e, o melhor, as mesmas bandas novas querendo mostrar serviço.

Explico. Não sei se os leitores mais púberes sabem, mas havia uma época – e não só nos anos 80 – que no Rio, ali do lado do Canecão, onde ficava a sede da Associação dos Servidores Civis (hoje é um bingo), funcionava o Caverna 2, onde se apresentavam as bandas de metal, sempre aos domingos à tarde, muito provavelmente por ser esse o único horário disponível, e a preço acessível. Ali, com estrutura precária, todos vimos pela primeira vez shows com Sepultura (ainda com Jairo Guedes), Viper, Dorsal Atlântica, Metalmania, Azul Limão e outras feras que hoje, salvo exceções, saíram do dia-a-dia e entraram para a história.

Mas a história, meus amigos, e o dia-a-dia, continuam. E eis que, a etapa carioca do Metal Battle pode ser categorizada como espécie de “Caverna 2 reloaded”, dadas as similaridades que superam a ação do tempo. Consta ainda, que a eliminatória do Metal Battle não é um evento isolado do lado de lá do Rebouças. Conversando com as pessoas e recebendo filipetas – bem mais evoluídas que o xerox tosco do Caverna, diga-se – fiquei sabendo que há points de heavy metal (e bandas, claro) espalhados pela Zona Norte. É Lona Cultural, Século XXI, Planet Music, Point da Light recebendo toda a sorte de festivais e bandas. A final nacional da Metal Battle Brasil, por sinal, acontece no Rio, na Século XXI, em Campo Grande, dia 24 de maio. É mole?

Quando falo da sincronicidade do rock’n’roll, dizem que exagero. Ocorre que, nessa mesma semana, recebi o convite para a adição de amigos no orkut que me levou a páginas com fotos e mais fotos de bandas tocando no Caverna. Vejam bem. Eu poderia ter acessado essas mesmas fotos há séculos, ou, num outro sentido, só daqui há uns milhões de anos. Mas não, elas apareceram na tela do meu computador, como um passe de mágica, justamente na semana que vivi um domingo de almanaque depois de viajar no túnel do tempo. Sincronicidade, pois não?

Não é o acaso, no entanto, que empurra eventos ligados ao metal para a zona norte. Berço do rock nacional dos anos 80, o Circo Voador voltou de tal forma elitista que seus caros custos operacionais não permitem a realização de show com bandas novas, de qualquer gênero. A Lapa que o circunda, hoje é região reservada a turistas e à nova “música brasileira”. Difícil fazer algo realmente novo ali. Só quem resiste é o Heavy Duty, que vive, na Rua Ceará, do legado do Garage, o eterno templo do metal carioca dos anos 90. Na zona sul, a coisa só vai voltar a acontecer quando alguém da própria região descobrir lugares alternativos para eventos ligados ao metal underground, assim como faziam os irmãos Raul e Max no Caverna 2 e no TV Pirata – lembram?

Falei tanto do entorno que quase deixo pra lá o mais importante: as bandas. Sim, meus amigos, há renovação no heavy metal carioca. Se o Prophecy, unanimidade na etapa do ano passado, faz um dos melhores shows de metal da cidade – este ano fechando a noite -, as cinco concorrentes também mostraram potencial. Não vi, acreditem, entre as cinco concorrentes, banda ruim, mas posso apostar que todas são bem novas, e carecem ainda de muito tocar, em tudo o que é buraco nesse Brasil varonil, pra conquistar seu espaço. Chamou a atenção, porém, o Scatha, formada só por meninas, bem novinhas. Quando avistei uma delas, no camarim, antes de os shows começarem, achei que fosse filha de algum músico. O grupo faz um thrash contemporâneo, e tem na vocalista à Angela Gossow (Arch Enemy) o destaque, além de uma pegada juvenil das mais interessantes.

O Hydria já tinha visto na abertura para Tarja Turunen, ano passado no Canecão. A banda é muito boa, mas foi terrivelmente prejudicada pelas condições de palco; não se ouvia o teclado, a bela vocalista se esgoelava em vão. Tudo embolado, enfim. Com uma forte identificação com a nova onda do metal americano, o Dark Tower foi o grande vencedor, mostrando boa pegada e mais bagagem que os outros concorrentes. Outro bom destaque foi o Hellbreath, que também poderia ter conquistado a vaga, assim como o Farscape, de forte identificação com thrash tradicional à Metallica e mesmo com os garotos do Black Tide.

Sim, meus amigos, no rock é assim. Quando se pensa que tudo está acabado, é aí mesmo que tudo recomeça. E o domingão heavy metal no Méier é exemplo inequívoco que a cena carioca não está liquidada. Até a final!

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

Tags desse texto: , , , , ,

Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Eduardo em abril 10, 2009 às 17:06
    #1

    Você lembrou bem do Caverna2, com bandas de qualidade. Foi o primeiro palco do Sepultura no Rio, que abriu para o Overdose. Show antológicos aconteceram lá: Stress, Metalmorfose, etc. Sempre com o riff tradicional do domingo: “PNC do Raul!!”. Que bom que a nova geração está mostrando serviço e talento. Queria corroborar com sua análise a respeito do Scatha. Metal de primeira com sonoridade própria.

  2. André Mansur em abril 12, 2009 às 17:23
    #2

    Lembro que acompanhei uns amigos no Caverna. Eles eram a banda de abertura para um show do Viper, embora eles tocassem death metal — a banda se chamava Necrofilia.

    Como era um camarim para todas as bandas, lembro também que um amigo meu roubou um tênis de alguém do Viper, por pura galhofa.

    Bem, vc sabe, era a idade…

  3. Gilson Bruxo em março 1, 2010 às 12:53
    #3

    Eu estava lá no Caverna 2, como espectador das bandas e também como vocalista da banda Phuneral, que era extremamente barulhenta e horrível ao mesmo tempo! Tocamos inúmeras vezes naquele palco e ainda lembro do último domingo (quando também tocamos) que fui, a “despedida” do Raul, pois dois dias depois ele morreria num acidente de carro na Lagoa. Fiz muitos amigos por lá (Carlos Vândalo, Raul, Max, André Led Zeppelin, Jabbar, etc…) Bons tempos aqueles!

  4. Douglas A. dos Santos em julho 29, 2010 às 23:20
    #4

    Que saudades dessa época, TV Pirata nas tardes de Domingo na Rua do Catete. Videos de Slayer, Metallica, King Diamond, etc… Rolavam num telão meio embassado, numa época que não existia internet, nem os youtube’s da vida.

  5. Sigried em janeiro 12, 2012 às 16:17
    #5

    Muito bacana! Dscobri sua matéria fazendo uma pesquisa sobre o underground carioca. Se quiser curtir um show underground, no Teatro Odisseia estão rolando eventos com a marca do Garage; Fabio Costa voltou à atividade! E na zona Sul, há o Saloon 79, por acaso em Botafogo. Um abraço!

  6. Paulo José Ribeiro em julho 4, 2012 às 17:59
    #6

    Tudo começou no Caverna 1, lá na Pavuna, ficou acho eu um ano e meio e depois foi pra Botafogo como Caverna 2, que deve ter ficado uns 3 a 4 anos.
    Lá na Pavuna era só vídeo e como Botafogo tinha uma estrutura melhor, rolava banda.
    Dorsal e Azul Limão tocavam sempre, mas a maioria das bandas que fazia sucesso no Guitarras (programa de heavy da Flu FM) tocava no Caverna e depois ia para o Circo Voador
    Eu (Morcego) ia quase todo domingo, tendo banda ou não. Os vídeos eram as grandes atrações, não tinha youtube como hoje e o Raul sempre se preocupava em não repetir
    Galera da época: Paulo Voodoo, Terror, Tião Satã… Quando foi para o Catete era apertado. A gente subia uma escada e a galera já não ia mais tanto, na semana que o Raul morreu ia
    ter os vídeos: Ozzy e Combat Tour, lembro como se fosse hoje, pena!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado