Fazendo História

Living Colour
A volta dos que nunca deveriam ter ido

Destaque no cenário rock dos anos 90, o Living Colour ensaiou um retorno em 2002. No ano seguinte, com o lançamento do álbum “Collideoscope”, o vocalista Corey Glover concedeu essa entrevista exclusiva, via celular, direto de Nova York. Publicado na Rock Press número 56, de outubro de 2003. Foto: Divulgação.

livingcolourQuem passou pela porta do CBGB’s, em Nova Iorque, no final de 2000, e viu o cartaz anunciando uma banda chamada Headfake, não poderia imaginar que ali, na casa que foi a Meca do punk rock nos anos 70, estava acontecendo o embrião do que seria o retorno do Living Colour, uma das maiores bandas de rock do final dos anos 80/início dos 90. Na verdade, o Headfake era um projeto particular do baterista Will Calhoun, no qual já haviam participado Corey Glover e Doug Wimbish, respectivamente vocalista e baixista do Living Colour. Um telefonema de Will para o guitarrista Vernon Reid, e a banda estava de novo sobre o mesmo palco.

A princípio o repertório era misto, mas logo o quarteto assumiu que o Living Colour estava de volta, iniciando uma turnê pelos Estados Unidos para recuperar a forma. Depois de um ano e meio compondo novas músicas e sempre fazendo shows, chega às lojas Collideoscope (“uma colisão de idéias”, segundo Corey Glover), que podemos chamar, enfim, de o quarto álbum do Living Colour, depois de um hiato de dez anos.

Numa conversa telefônica com Corey Glover, no último dia 11 de setembro, a Rock Press foi saber mais sobre esse saudável comeback, os detalhes sobre o disco novo e sobre o que a banda (que é de Nova Yorque) tem a dizer exatos dois anos depois da queda das torres gêmeas.

Como vocês decidiram voltar com a banda?

Durante todo esse tempo em que estivemos separados sempre conversávamos sobre voltar a tocar, mas nunca era o momento certo. Quando nós vimos, estávamos todos reunidos no CBGB’s, tocando com o nome Headfake, e vimos que aquele era o momento.

Vocês estão tocando desde o final de 2000, por que demoraram tanto para lançar o disco?

Foram dez anos, você queria que tudo acontecesse de uma hora para a outra? Decidimos que tínhamos que voltar com um álbum realmente muito bom, e isso leva tempo para acontecer, ainda mais quando uma banda está voltando.

Sobre o novo álbum, o que você pode dizer, hoje, olhando para o que foi feito no passado?

É uma progressão em relação ao que era, mas nada melhor nem pior do que os álbuns anteriores, só a continuação do ponto em que nós estávamos, para outro. Eu acho que hoje somos melhores como músicos, e que o novo disco mostra o melhor que se pode fazer em uma hora. Estamos mais sujos e barulhentos do que nos álbuns anteriores.

Hoje, olhando para trás, você ainda tem clara a razão que levou a banda a se separar?

Terminamos tudo porque estávamos cansados e frustrados, a banda não estava seguindo o caminho que todos nós queríamos. Ficávamos o tempo todo fazendo malas e entrando e saindo de hotéis. Depois de um certo tempo, perdemos nossas próprias vidas para a banda. Achamos muito melhor nos separar para não estragar algo que criamos com muita luta, que não teríamos de volta. Lembro que gravamos o primeiro disco em 1987 e partimos para a estrada, fazendo quase um show por dia. Depois fomos direto para o estúdio gravar o segundo disco, e de novo outra turnê. O mesmo aconteceu até gravarmos “Stain”.

Vocês tiveram dificuldade para lidar com o sucesso?

Não o sucesso de uma fora ampla, mas o nosso sucesso pessoal. Definitivamente é uma coisa diferente da outra, o Living Colour fazia sucesso, mas nós não estávamos satisfeitos.

Por que agora você acha que vai ser diferente?

Agora nós não temos que fazer coisas perguntando antes se podemos fazê-las, podemos trabalhar todas as nossas idéias musicais e tudo que envolve um disco sem ter que dar explicações a outras pessoas. Depois de dez anos fora do mercado, não voltaríamos se as condições não fossem boas.

A idéia então é com prosseguir a carreira, lançando álbuns regularmente?

Não estamos preocupados sobre quando lançaremos o próximo disco. Resolvemos fazer este álbum e voltar a nos apresentar ao vivo. Se quisermos faremos outro disco logo, senão quisermos, não faremos. Temos um contrato que diz que temos que lançar discos, mas não diz quando ou como devemos fazê-lo.

Sobre a cover para “Back In Black”, do AC/DC, é uma música com um título perfeito para um álbum que marca a volta de uma banda, não?

Eu até concordo, mas não foi essa a nossa intenção quando resolvemos gravá-la. Queríamos fazer uma coisa engraçada, e nem sei se conseguimos ter sucesso nisso. Sempre conversamos sobre fazer essa música durante anos e agora tivemos a oportunidade.

Sobre “Tomorrow Never Knows”, dos Beatles, que aparentemente não teria muito a ver com o Living Colour…

Na verdade esta música deveria entrar numa coletânea com outras bandas, todas fazendo covers de músicas do álbum “Revolver”, dos Beatles. Decidimos usá-la porque esta coletânea acabou não sendo lançada e queríamos ter o registro desta música.

Algumas músicas do disco citam o 11 de setembro, que faz aniversário hoje. Você ainda mora em Nova Yorque? Como você vê a cidade hoje, dois anos depois daquela tragédia?

Sim, ainda moro aqui, essa é a minha cidade. As coisas estão mudando, de alguma forma. A cidade sempre vai sobreviver, independente do que aconteça, a vida segue numa continuidade. A cidade foi balançada, mas não destruída. No disco, procuramos mostrar o lado humano da tragédia, não só o das instituições.

De que lado você está, você concorda com Michel Moore ou com a política de George Bush?

Eu adoro Michael Moore, para mim ele é um homem brilhante, e há muitas coisas que eu não concordo com este presidente. Mas eu vivo aqui e tenho que concordar com a maioria das pessoas que elegem o meu governo.

Vocês usaram elementos eletrônicos em algumas músicas, como em ”In Your Name” e “Happy Shopper”. Como você vê a tecnologia hoje depois de dez anos?

Trabalhamos com tecnologia todo o tempo. Sempre usamos seqüenciadores em toda a nossa carreira. E também, mesmo fora do Living Colour, todos nós sempre estivemos, de uma ou outra forma, ligados na música e na evolução tecnológica dela. Acho que ao longo dos anos nós realmente aprendemos a usar a eletrônica a nosso favor, não só para usar. Mas eletrônica não teria a menor importância se a música não estivesse lá.

Como você compara o cenário musical com a época em que vocês começaram com os dias de hoje, em que vocês tentam um recomeço?

Eu acho que estamos mais espertos agora, temos muito mais bagagem e não temos medo de usar totalmente nossas idéias musicais, graças a todo o trabalho que já fizemos no passado.

Como têm sido os shows, vocês se sentem pressionados a tocar os sucessos?

Os shows têm sido muito bons, não posso reclamar. Tem sido bom de uma forma geral, mas em um ponto, para nós, em particular, para nossas almas, que é o de nos fazer ficar juntos e unidos. Música nunca foi o problema, sempre podemos tocar, mas o que importa é como as coisas acontecem para cada um de nós. As pessoas que têm ido aos nossos shows têm sido muito receptivas e se interessam também pelas músicas novas.

SAIBA MAIS SOBRE O LIVING COLOUR

O Living Colour se formou em 1984, quando o guitarrista Vernon Reid, membro da Black Rock Coalition, entidade criada para estimular a participação de negros no rock, reuniu o baixista Muzz Skillings, o baterista Will Calhoun e o vocalista Corey Glover, um ator do segundo escalão do cinema americano, que chegou a fazer uma ponta em “Platoon”.

Em 1988 sai o primeiro álbum, “Vivid”. A banda tinha a admiração de Mick Jagger, que não só produziu algumas faixas do disco, como colocou o Living Colour para abrir os shows da turnê do álbum Steel Wheels, dos Stones, nos Estados Unidos. Hits como “Cult Of Personality” e “Glamour boys”, ajudados por uma boa exposição na MTV, levaram o álbum a vender milhões de cópias em todo o mundo. Além das músicas – uma mistura de hard rock com soul e funk, muito bem tocada por músicos de formação acadêmica, chamava a atenção o fato de todos na banda serem negros, com cortes de cabelo arrojados e visual colorido e extravagante. Em 1989 o Living Colour ganhou o Grammy para melhor performance de hard rock.

Em 1990 foi a vez de “Time’s Up”, o segundo álbum, fazer grande sucesso, com músicas como “Type”, “Elvis Is Dead” e ”Pride”. A banda volta a faturar o Grammy, na mesma categoria. Em 1991 Muzz Skillings é substituído por Doug Wimbish, e no ano seguinte sai o terceiro álbum, “Stain”. Ainda em 1992, o Living Colour faz duas apresentações de arrepiar no Hollywood Rock, no Rio e em São Paulo. Sorte a nossa, porque em 1995, durante as composições do que seria o quarto álbum, a banda se separa.

Fora do Living Colour, Venon Reid lançou um álbum solo, “Mistaken Identity” (1996), e esteve no Brasil tocando com músicos de jazz. Corey Glover tentou reativar (sem sucesso) sua carreira de ator, trabalhou como apresentador numa TV à cabo e também lançou um álbum solo, “Hymns” (1998). Já Will Wimbish e Will Calhoun trabalharam juntos no Jungle Funk, banda de drum’n’bass que lançou um único disco, em 1997. Isso, claro, antes de o Headfake reunir a banda em 2000.

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