Fazendo História

Angra
Agora sim o recomeço pra valer

Entrevista feita no mês anterior à publicada aqui na semana passada. Observem como o vocalista Edu Falaschi alfineta Andre Matos, a quem ele substituiu. Publicado na Revista Dynamite número 81, de março de 2005.

angraParecia que não ia dar certo, mas não é que deu? Quando três quintos do Angra (Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori) decidiram partir para formar o Shaman, os remanescentes Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt quase se viram num beco sem saída. Mas logo encontraram substitutos à altura: Aquiles Priester (bateria), Felipe Andreoli (baixo) e Edu Falaschi (vocais), este com a incumbência de substituir o emblemático Andre Matos, talvez o maior vocalista do heavy metal nacional em todos os tempos.

O novo Angra temia as comparações de fãs e mídia em relação à formação anterior, o no primeiro disco, “Rebirth”, um trabalho repetitivo e travado, pouco se arriscou. Agora, depois de vários shows com a nova formação, um EP e um álbum/vídeo ao vivo, chegou a vez de “Temple of Shadows”, um disco espetacular e que é, sem dúvida, o melhor do grupo desde a estréia, com “Angels Cry”. Criativo, cheio de nuances e participações bem encaixadas, o disco recoloca o Angra na rota dos grandes grupos de heavy metal mundo afora.

Conversamos como o vocalista Edu Falaschi sobre essa história toda, no dia em que o Angra fez o último show no Brasil, no Rio de Janeiro, antes de partir para uma turnê na Europa e Ásia. E ainda falamos com Kiko Loureiro sobre o seu primeiro álbum solo. Confira:

Nesse disco você participou bem mais do que no anterior. Você estava mais à vontade?

Desde o “Rebirth” eu já tenho liberdade. A primeira música do “Rebirth”, “Nova Era”, é minha, a “Heroes of Sand”, e até a “Bleeding Heart”, que foi gravada na mesma época, mas só entrou no EP “Hunters and Pray”… O que eu tive a mais, além das composições, foi a parte de interpretação e arranjos vocais e de poder colocar mais a minha identidade, sem me preocupar com comparações. Na época do “Rebirth” eu tive eu me controlar um pouco.

Isso pesa um pouco no começo…

Principalmente porque a minha voz é muito diferente da do Andre, é mais grave, mais agressiva, eu uso bastante aqueles “rasgados”. Se eu chegasse assim no primeiro disco, talvez alguns fãs fossem falar que a banda teria perdido a identidade. Eu usei somente a minha parte mais limpa, que eu também usava na época do Symbols. Nesse disco eu pude cantar do jeito que canto e tive o apoio de toda a banda.

Você acha o “Temple of Shadows” muito melhor que o “Rebirth”?

Eu gosto bastante do “Rebirth”, acho um disco bem feito, tem muitas músicas boas, que já viraram hit e não tem como não tocar ao vivo. Mas, pela liberdade e pela tranqüilidade que tivemos nesse disco, eu o aproveitei mais, quando eu escuto me soa mais natural. Na época do “Rebirth” tinha uma certa tensão, e uma certa pressão de nós mesmos. Nós não sabíamos do futuro, se ia dar certo. Agora a banda já se consolidou, então esse disco foi mais prazeroso de se fazer.

Há muitas participações nesse disco, algumas até inusitadas, como aconteceu de fazer esses convites?

Nós já tínhamos uma idéia de botar uns convidados desde a época do “Rebirth”, e com esse disco estávamos mais livres para fazer esse tipo de convite. A idéia do Milton (Nascimento, cantor) veio de quando o Kiko estava mostrando uma música, eu cantei imitando o Milton, brincando, e disse que a música tinha tudo a ver com ele. Fizemos a proposta, ele adorou e gravou. Os outros caras foram escolha da banda também, de chamar representantes do heavy metal que nós sempre gostamos.

O vocal feminino foi escolhido por causa do recente sucesso de bandas de metal com mulheres cantando?

Foi uma coincidência. Chamamos uma mulher para cantar porque na parte que é o meio da música, a letra fala da esposa do Shadow Hunter (personagem tema do disco), então precisava de uma voz feminina para interpretar. Por isso chamamos a Sabine (Edelsbacher, vocalista do Edenbridge), que é uma grande cantora. O pessoal imagina que nós chamaríamos a Tarja (Turunen, vocalista do Nightwish), mas realmente nós não nos preocupamos em chamar alguém de nome para ajudar nas vendas, só mesmo com o lado musical.

Você achou que os seus vocais ficaram melhor nesse disco?

Eu posso dizer que esse disco é o que eu tive a melhor performance entre todos que eu gravei. Por uma questão de evolução técnica, de treinar pra caramba, experiência, de fazer bastante shows com o Angra, e de me descobrir cada vez mais.

Desde o “Holy Land” sempre tem elementos de música brasileira nos discos do Angra. Vocês acham isso necessário ou é mais para dar um “ar de brasilidade” no exterior?

Todo mundo na banda gosta de música brasileira, uns mais outros menos. Eu sempre escutei Djavan, Milton Nascimento, Chico Buarque. O Kiko é um cara super conhecedor de música brasileira, toca piano, jazz, bossa nova. Eu acredito que também é importante ter essa identidade que o Angra tem no exterior, porque nós nos diferenciamos muito das bandas européias. Cair na mesmice é muito fácil. Nós procuramos buscar ritmos diferentes para dar um diferencial. E o Brasil é gigantesco, cada lugar tem um ritmo completamente diferente. Se incorporarmos isso no heavy metal, dá uma mistura muito louca.

Você acha fundamental, para um músico de metal, ouvir outros gêneros musicais?

Eu acho. Alguns fãs de metal mais “xiitas” reclamam que não tem que ter música brasileira. Você põe uma calça vermelha - como eu usei no Via Funchal, e tem gente reclamando que não é preta. Quando você sai um pouco do padrão, às vezes alguém reclama. Mas quando tocamos umas músicas novas, que tem uma parte da letra em português, a galera canta em peso. Não tem mais tanto aquele radicalismo, o público do Angra evoluiu junto com a banda.

Na hora de compor, contribui ouvir outros gêneros?

Sim, porque tá meio incorporado em nós. Se você ouve muito Iron Maiden, uns dez anos seguidos, você vai compor como o Iron Maiden, fazer o “mi-dó-ré-lá”. Se você ouve de tudo, acaba podendo utilizar isso no inconsciente, vem aquela idéia de que não tem nada a ver com o metal e você acaba criando uma coisa original.

Em bandas de power metal ou progmetal, às vezes toca-se muito bem, mas as músicas caem num lugar comum e a coisa fica chata demais. Qual é a fórmula para escapar disso?

Nosso objetivo era não fugir do prog e do power metal (ou do metal melódico, como queiram), mas também não fazer uma coisa já formulada. Achamos que a cena mundial do heavy metal, nesse ramo do metal, está muito chata, todas as bandas estão soando muito iguais. Falamos isso em várias entrevistas e os críticos na Europa concordaram. Cada semana aparece uma banda nova nas revistas, e todas soam iguais: dois bumbos rápidos, os caras gritando agudo pra caramba, uma melodias meio “festa de aniversário”, tudo alegrinho… Dá para fazer mais. Então nós temos isso como um desafio, de mostrar para todo mundo que dá para fazer uma coisa original, misturar e soar metal, soar power metal. Foi essa a nossa intenção, e acho que por isso estamos conseguindo um êxito muito grande com o disco.

Por que vocês não incluem músicas do disco “Fireworks” no repertório dos shows?

Nós tocávamos, mas os próprios fãs não respondiam bem. Sempre escolhemos as músicas baseados na resposta do público. Porque a pior coisa é fazer o show e o cara te olhando, parado, ou você cantando uma música e o cara gritando o nome de outra. Percebemos que as músicas do “Fireworks” que estávamos tocando não funcionavam.

Ficou um certo trauma por ser o último disco com a formação anterior?

Pode ser que para eles aconteça isso, mas eu acho que não, é mais pela sonoridade mesmo. E também não dá para tocar 25 músicas num show.

Sobre a turnê?

Vamos ficar 25 dias na Europa, depois vamos para o Japão e leste da Europa. Em março tem a turnê asiática por Japão, Taiwan, Tailândia e Coréia. Depois continuamos a turnê aqui e tem os festivais europeus que começam em junho, na Itália, Espanha e Alemanha.

Como você vê o Angra hoje, a banda tá consolidada?

Agora que passou aquela turbulência estamos tranqüilos fazendo o que gostamos, nos preocupando só com a musicalidade, não mais com o lado marqueteiro. Estamos no segundo disco de ouro, não temos que provar nada para ninguém. Aliás, os dois discos de ouro que o Angra ganhou no Brasil foram com a nova formação.

Cedo ou tarde, depois que uma banda se separa, ela acaba se juntando de novo. Você acha que isso vai acontecer?

Nem penso nisso. Mas difícil vai ser ele (Andre Matos) cantar as músicas do “Rebirth” e do “Temple of Shadows”. Mas eu não tenho essa preocupação, até porque eu tenho que pensar no presente, no que eu estou fazendo, e no futuro. Se eu for me preocupar com o passado, com a possibilidade de o cara voltar e eu ter que sair… Isso não tem nada a ver. E eu acho que não existiria interesse mercadológico das gravadoras ou de quem quer que seja, de terminar essa fase e voltar ao passado, para buscar algo que, em números, foi menor do que é hoje. Se pegarmos as vendagens de disco, do que foi nos outros três, e hoje, comparando disco por disco, a tendência é crescer. Não só por mérito da banda, mas a cena do heavy metal aumentou, o mercado de metal hoje em dia no Brasil cresceu muito. Na Europa a banda ficou muito mais bem vista por causa do estilo, que tá mais pesado. Lá um vocal muito leve não é muito bem aceito. Na França o André é super querido, mas na Itália, Alemanha, Espanha, eles gostam de uma coisa mais agressiva, mais a la Fabio Lione, Bruce Dickinson, Dio. Acredito que não aconteça nenhum problema, mas se por obra do destino isso acontecer, não podemos ficar pensando nas mágoas, tem que arregaçar as mangas e partir para outra.

Você estava dizendo que as músicas dos discos mais recentes são mais difíceis de cantar. É mais fácil você cantar as músicas da fase dele do que ele as da sua?

A voz do Andre é bem diferente da minha, mas eu não sei, não gosto de fazer esse tipo de comparação. Somos dois cantores diferentes, o Andre é um ótimo cantor, tem um estilo próprio. Mas eu acho que seria muito estranho ele cantando essas músicas mais pesadas, mais agressivas, como as do “Temple of Shadows”. Mas nada é impossível.

KIKO LOUREIRO APROVEITA E LANÇA ÁLBUM SOLO

A vontade de gravar um disco solo era grande, as músicas já estavam praticamente prontas, o produtor, o mesmo do Angra, botou pilha, e ele já estava na Europa mesmo. Foi assim que o guitarrista Kiko Loureiro decidiu gravar “No Gravity”, seu primeiro álbum solo, lançado pouco depois de “Temple of Shadows”. Para a empreitada, Kiko tocou todos os instrumentos, exceto bateria, que ficou a cargo de Mike Terrana, atualmente integrante da banda alemã Rage.

Para Kiko, o lançamento de “No Gravity” é a realização de um antigo sonho. “Tenho vontade de fazer um disco solo desde quando estudava guitarra e ficava ouvindo Malmsteen, Jeff Beck, Steve Vai, sempre com vontade de fazer aquele som que gostávamos de ouvir”, entrega o guitarrista. A citação das referências procede, já que o álbum segue a linha virtuosa desses artistas, embora com referências à música brasileira. Kiko aproveitou um intervalo dos trabalhos com o Angra para enfim gravar o disco. “Muitas músicas que eu fiz para o Angra foram usadas no ‘Temple of Shadows’, mas tinha um monte de outras coisas. Mostrei para o Denis (Ward, produtor), e ele ficou animado. Havia uma brecha de um mês e pouco, eu conhecia o Mike Terrana, para a batera só tinha dois dias. Aí eu fui uns dias antes na sala de ensaio dele, e tudo foi saindo”, conta Kiko. “Foi bom fazer na correria, porque se eu deixasse para fazer em casa, não ia sair nunca”, completa.

Apesar do apuro técnico de costume para quem conhece Kiko e o seu trabalho no Angra, as músicas de “No Gravity” soam mais relaxadas, como se tivessem sido gravadas ao vivo. O curto período de tempo (ao todo foram 23 dias) contribuiu para que a sonoridade ficasse bem diferente do trabalho do Angra, guardando-se ainda as diferenças dos estilos em si. Kiko explica: “No meu disco tem outro som, porque mesmo sendo o mesmo produtor, tem outro baterista, outra idéia, de tocar mais solto, com uma cara heavy metal, mas não tão pesadão e milimetricamente correto”. Para isso contou com os anos de experiência de Denis Ward, que já produziu álbuns do Helloween, além de ser guitarrista do Pink Cream 69, e com o seu próprio know-how, nas produções dos discos do Angra.

A primeira tiragem de “No Gravity” foi bancada pelo próprio Kiko, mas as seguintes devem sair, no Brasil, pela Hellion Records. O disco também vai ser lançado na Europa e sudeste asiático, lugares onde o Angra há anos têm boa penetração. “No Gravity” é todo sem vocais, e vem também do conhecimento de Kiko da música instrumental feita no Brasil, não necessariamente ligada ao metal. “Eu ouço e gosto muito de música instrumental, seja música clássica, brasileira, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, uns violonistas. O disco é um projeto de guitarrista para guitarrista, e para os fãs do Angra, que vão reconhecer bastante coisa”, conta Kiko, mostrando outras referências. Ele espera custear o disco com as vendas, mas também acredita no reconhecimento artístico de seu trabalho: “Tem o lado de vender disco, fazer show para um público grande, mas é importante ser respeitado como músico”, conclui.

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