Fazendo História

Shaaman
Novos Caminhos Para o Metal

Entrevista feita com Andre Matos, que, depois de ter que deixar duas bandas que marcaram época no metal nacional, se viu montando a terceira, o Shaaman – mas tarde ele sairia dessa também, e hoje ensaia uma carreira solo. Publicado na Revista Dynamite número 82, de abril de 2005. Foto: Jerone Saint Rose/Divulgação.

shaamanDemorou um pouco, mas o Shaaman chegou ao segundo disco. Além de um “a” a mais no nome, para livrar a banda de possíveis espertinhos, o grupo, que nasceu de uma dissidência do Angra, está também de gravadora nova, depois de descobrir como é difícil trabalhar numa major que se preocupa muito mais com os medalhões. “Reason” é o título do disco, que, segundo o vocalista Andre Matos, trata da razão em três planos diferentes. Musicalmente, o disco afasta completamente o Shaaman do heavy metal melódico, e o aproxima de outros subgêneros do metal, como o gótico (as fotos contribuem), eletrônico, e, mais que nunca, da raiz oitentista.

Neste trabalho, a banda, que tem ainda Hugo Mariutti (guitarra), Luis Mariutti (baixo) e Ricardo Confessori (bateria), repetiu a dobradinha com Sascha Paeth, produtor de mão cheia e parceiro de Andre no Virgo. Nessa entrevista exclusiva, feita antes de o disco ir para as lojas, mas já com o single “Innocence” rolando nas rádios, Andre expõe o momento atual da banda, que renuncia ao exibicionismo virtuoso da época do Angra e se inspira na música gótica, em busca de uma saída dentro do heavy metal. Ao menos foi isso que ele disse. Confira mais:

O que aconteceu para vocês mudarem de gravadora?

Eu não tenho nada a reclamar da Universal, eles trataram a banda com muito respeito, investiram bastante, levaram o nome do Shaaman a um patamar acima daquele que nós esperávamos, com aquele lance da inclusão de uma música na novela da Globo. Mas nós esbarramos em certas deficiências. Eles são tão grandes que têm que dedicar a máquina deles aos produtos que vendem mais. Quando havia um lançamento do Zeca Pagodinho, ou da Ivete Sangalo, por exemplo, nós ficávamos a ver navios, porque toda a equipe de divulgação ficava deslocada para isso. Na época em que negociamos a nossa saída foi tudo pacificamente, eles entenderam o problema e nos liberaram. Agora estamos tentando a sorte na Deck, que achamos que se encaixa mais no trabalho que nós queremos fazer.

O “Ritual” vendeu menos do que a gravadora esperava?

Não, vendeu até mais, praticamente passou das 40 mil cópias e deve chegar em breve a disco de ouro. Ninguém chegou lá com intenção de vender milhões, eles sabiam que era um produto diferenciado, um nicho de mercado que eles queriam explorar porque queriam ter uma banda de ponta nesse segmento.

Concluindo, vocês é que pediram para sair da Universal?

Sim, foi exatamente isso. Poderíamos inclusive ter lançado esse disco pela Universal, aí pintou essa proposta da Deck, pensamos bem e vimos que era hora de arriscar.

Por que vocês decidiram mudar o nome?

O nome não mudou, o que aconteceu foi uma alteração no nome. Pronuncia-se do mesmo jeito, tem o mesmo significado. Acrescentamos um “a” a mais para poder diferenciar o nome em termos de marca, porque estávamos começando a enfrentar um problema de registro. Não que houvesse outra banda com o mesmo nome, mas existem outras empresas chamadas Shaman. Uma delas é uma empresa farmacêutica que estava começando a querer dar uma dor de cabeça para nós, e nossos advogados sugeriram que nós fizéssemos essa mudança para evitar problemas no futuro. Consultamos uma pessoa ligada ao campo esotérico, um Xamã de verdade, para indicar qual seria a coisa mais certa a fazer, e achamos que o nome vai ficar com uma vibração boa.

O disco já tava gravado há um certo tempo ou vocês gravaram depois que assinaram o contrato?

O disco tava em fase de finalização. Nós não dependemos de contrato para fazer um disco, porque temos contratos lá fora que são mais constantes, no Japão, Europa, etc. Com a verba que conseguimos através desses contratos é possível bancar a produção do disco. Esse disco começou a ser feito há mais ou menos um ano, quando o Sascha veio para o Brasil. Ele ficou aqui durante um mês, e depois demos seqüência na gravação. Não teve pressa, trabalhamos como queríamos. Gravamos a maioria do disco no Brasil, e uma parte foi gravada lá fora. Foi um disco muito relaxado. Ouvíamos as músicas, depois pensávamos em mudar de novo, tinha tempo para fazer as alterações que queríamos.

Então o anterior foi feito às pressas…

Foi um esquema meio semi-internato, compomos as músicas, entramos no estúdio e o processo foi acelerado. Gravamos na Alemanha, durante quatro meses num inverno rígido. Foi legal porque aquele disco saiu com muita garra, precisávamos provar muita coisa com aquele trabalho e ele reflete isso.

O que mudou, em termos de produção?

O Sascha é um cara que evolui a olhos vistos, é muito interessado na questão da produção, dos equipamentos, da sonoridade. Ele remontou o estúdio dele, com equipamentos antigos, ele gosta de coisa vintage, fitas de rolo, aparelhos de válvula. Usamos estúdios muito bons aqui, sempre procurando o equipamento analógico, uma sonoridade mais antiga, mais rock’n’roll, mais ointentista. Foi um processo longo, fazer todas as captações analógicas e só no final passar para o digital. É um disco bastante cuidadoso, tivemos o tempo para trabalhar isso com calma.

Existe um conceito em cima desse disco?

O disco não é conceitual, com todas as faixas seguindo o mesmo tema. Mas existe uma linha mestra, que é um disco mais escuro, mais sério, mais adulto, mas ao mesmo bastante lúdico, porque tem muita atmosfera, teclados, muito detalhe de efeito sonoro, música eletrônica também, que é uma coisa que nós começamos a incorporar agora. A parte orquestral… Tudo isso soma bastante com essa questão da atmosfera, que é uma das características do Shaaman. A faixa título, “Reason”, fala de um tema até pesado que é a questão do suicídio, e o título é a coisa da razão, que nós encaramos nesse disco, em todas as músicas, de uma maneira diferente. Seriam três razões: uma é a razão do intelecto, do pensamento; a outra é o motivo de fazer alguma coisa; e a terceira seria a razão da existência mesmo, da vida, da morte.

A escolha da cover para “More”, do Sisters Of Mercy, tem a ver com esse conceito?

Tem a ver, sem dúvida nenhuma. O Sisters é uma das bandas que influenciaram toda a cena gótica… Não tô dizendo que o Shaaman esteja virando uma banda gótica, mas não nego que eles tenham uma grande influência nesse âmbito. Temos ouvido muitos sons como o próprio Sisters, Paradise Lost e outras coisas interessantes.

Você se refere ao metal gótico de hoje ou às bandas góticas dos anos 80?

O metal gótico de hoje eu acho interessantíssimo, é uma das únicas coisas que conseguiu renovar o metal, porque o metal melódico já se esgotou em si mesmo há muito tempo. Se estamos querendo olhar para uma saída possível, para originalidade na música, tem que ser mais por aí. Mas as góticas de raiz são muito interessantes, tem um material muito rico em sonoridade, atmosfera. Era uma coisa contemporânea às coisas de metal dos anos 80, mas nós, na época, não estávamos tão ligados assim. Era muito separado, apesar de ser uma coisa também underground. É interessante vermos hoje em dia a relação que uma coisa tem com a outra.

Vocês escolheram a cover pela música ou pela banda?

Foi uma coincidência enorme. Estávamos querendo fazer um cover e não sabíamos qual, mas não queríamos que fosse nem de uma banda de metal, nem de uma música óbvia. O Sascha disse que tinha feito um remix de “More” para o Andrew Eldritch (Sisters Of Mercy), trabalhou com ele na Holanda. Falou que o cara é estranhíssimo, muito peculiar. Ele disse que a música era boa e poderia ficar legal. Eu topei, mas achei melhor falar com toda a banda. Nesse dia tínhamos um ensaio à tarde, e quando chegamos lá esquecemos de falar nisso. Quando o Ricardo chegou, tirou um CD de uma bolsa e pediu para nós escutarmos. Era música “More”, e ele sugeriu para nós fazermos o cover. Aí vimos que tínhamos que fazer mesmo. Depois começamos a experimentar e ficou legal, com outra cara, super pesada. Ficou com uma puta atmosfera e pode até se tornar uma música de trabalho.

Como “Innocence” foi escolhido como single?

Não fomos nós que escolhemos. Foi feita uma enquete pela gravadora junto com os programadores para ver qual música eles prefeririam tocar em primeiro lugar. Aí eles foram na fórmula mais certa, a de que uma banda de metal dá certo tocando em rádio quando é uma balada. A música já entrou nas paradas das rádios rock há algumas semanas e não saiu mais. Agora estamos pensando em gravar o clipe.

O disco tem muitos efeitos eletrônicos, é um campo novo que deve crescer dentro da banda?

Temos ouvido bastante coisa nesse sentido, sem nenhum preconceito. Eu gosto muito de Rammstein, eles usam e abusam disso de uma maneira super inteligente. Acho que você não pode exagerar. Esses efeitos todos têm que ficar em função da banda, e isso foi uma premissa nossa. Em primeiro lugar, a banda tem que estar soando bem, sozinha. Em cima disso vamos colocar todos os efeitos.

Esse disco afasta definitivamente o Shaaman do heavy melódico. É uma coisa que vocês queriam fazer desde a época do Angra, e essa seria uma causa da separação?

O último disco que nós gravamos com o Angra, o “Fireworks”, já indicava isso. Nós três já achávamos que essa fórmula do heavy melódico estava esgotada, depois do advento do Stratovarius, do Rhapsody, isso já foi muito repetido à exaustão, e o Angra ainda estava se prestando a isso. Achamos que deveria haver mudanças no âmbito musical. Não digo que esse tenha sido o motivo principal da separação, porque tinham outros, administração, motivos pessoais, já não havia um clima legal dentro da banda, não estávamos nos dando bem e isso acabava refletindo na música. Quando formamos o Shaaman, descobrimos que podíamos fazer uma transição mais clara do melódico para uma coisa mais de raiz, mais ointentista, mas ao mesmo tempo moderna. O “Ritual” eu considero uma boa transição, e agora com o “Reason” nós reafirmamos aquilo que estávamos buscando desde o tempo do “Fireworks”.

A tendência é o Shaaman se afastar cada vez mais da música pesada, da forma como ela é apresentada hoje?

Acho que a tendência é nos aproximarmos cada vez mais da música pesada como nós conhecemos originalmente. Hoje em dia nós exploramos muito mais as influências que nós temos do Black Sabbath ou do Judas Priest, ou do próprio Iron Maiden do começo. Coisas dos anos 80 que nos influenciaram e não é mais tanto só essa viagem virtuosística, essa viagem técnica, que nós acabamos extrapolando na época do Angra. Hoje em dia nós nos contemos muito mais e procuramos nos concentrar na interpretação, na emoção.

Você está usando cada vez menos os vocais mais altos, isso é uma tendência da sua carreira?

Eu já estava um pouco cansado de gritar tão agudo assim. Talvez isso seja fruto de um amadurecimento como pessoa ou como músico. Cheguei a conclusão que o mais importante num cantor é a interpretação, não o malabarismo. Se eu ainda tenho a técnica suficiente para fazer aquilo, tenho que guardar para o momento em que for necessário, sem fazer essas demonstrações o tempo inteiro, porque isso eu acho completamente obsoleto, e acaba não transmitindo nada de mais profundo em termos musicais. O difícil é saber enxugar da maneira certa.

E o Virgo?

Sempre falamos em fazer um novo disco, mas tanto o Sascha quanto eu sempre estamos ocupados com nossos projetos. Mas foi uma coisa que nós adoramos fazer e pretendemos repetir. O Sascha já tem um monte de músicas compostas, isso deve acontecer, espero que ainda esse ano.

Cedo ou tarde, depois que uma banda se separa, ela caba se juntando de novo. Você acha que isso vai acontecer?

Na maioria das vezes, quando vemos essas bandas, raramente elas se juntam por outro motivo que não seja o financeiro. Quando você vê a reunião do Iron Maiden, do Judas… Tudo isso soa muito como uma coisa mercadológica. Não deu certo sozinho, então tem que dar certo juntos de novo. E no final das contas os caras não aparentam muita felicidade nas entrevistas deles, não é uma coisa espontânea. Nós encerramos um capítulo com o Angra, sou muito orgulhoso de tudo o que fizemos lá em nove anos, construímos essa banda, esses estilo que o Angra teve, mas eu não vejo nenhuma possibilidade de retroceder nesse sentido, acho que estamos muito mais felizes hoje em dia com o Shaaman. Talvez o alcance da banda não seja ainda no nível que se dava com o Angra, em termos de fama e de sucesso, mas em nível pessoal temos um verdadeiro prazer de fazer o que estamos fazendo, de curtir a música que fazemos, de tocar ao vivo, uma coisa que não tava mais rolando no Angra, e que eu não acredito que rolaria se nós nos reuníssemos novamente. Eu considero completamente página virada, não vejo nenhuma possibilidade de voltar atrás nisso.

Talvez isso aconteça daqui a uns 10, 20 anos…

A separação do Angra foi um pouco traumático para todo mundo, não foi uma coisa numa boa. Ficou um pouco de resquício, mesmo em nível pessoal entre os membros. Eu costumo dizer que prefiro realmente viver e trabalhar numa padaria a ter que me curvar a ganhar dinheiro fazendo isso, que é uma coisa que não seria honesta de minha parte. Muita gente acha que passa e tal, mas é muito importante você ter um comprometimento com as coisas que você faz na vida, e eu sempre tive isso, desde a época do Viper.

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