No Mundo do Rock

Skank volta a ser Skank

Depois de passar um bom tempo na cola do rock britânico, Samuel Rosa e cia. voltam à boa e velha música eclética criada nos anos 90. Para tanto, trouxeram o produtor Dudu Marote, hoje ligado à música eletrônica e responsável pelos grandes sucessos comerciais do passado. Fotos: Divulgação / Site oficial.

Lelo Zanetti, Samuel Rosa, Henrique Portugal e Haroldo Ferretti (no fundo): os simpáticos reis do pop nacional

Lelo Zanetti, Samuel Rosa, Henrique Portugal e Haroldo Ferretti (no fundo): os simpáticos reis do pop nacional

Quem há certo tempo ligasse o rádio certamente se depararia com uma música do Skank tentando soar como o rock inglês à Oasis. Diferentemente de quando iniciou a carreira, no início dos anos 90, misturando reggae, dance hall, pop rock e música brasileira, o quarteto das Minas Gerais andou buscando caminhos inóspitos que não lhe retiraram o sucesso calcado em hits indiscutíveis, mas não era esse o Skank que o mundo conheceu. O mundo sim, literalmente, que viu o grupo tocar em festivais como o de Montreux, na Suíça, e Roskilde, na Dinamarca, entre outros.

O Skank de verdade reaparece agora com força total no oitavo disco de estúdio, o bem sacado “Estandarte”, cuja música de trabalho, “Ainda Gosto Dela”, você já ter ouvido por aí – um hábito para um grupo que já teve música na trilha de 18 novelas globais. Para arredondar essa espécie de volta às raízes (na falta de um termo mais adequado) foi recrutado Dudu Marote, responsável pela produção de álbuns hoje clássicos da música brasileira, como “O Samba Poconé” (1996 e um milhão e oitocentas mil cópias) e “Calango” (1994 e outras um milhão e duzentas mil). Os tempos da indústria do disco são outros, mas não custa nada tentar, né?

Para saber mais sobre essa nova fase, batemos um papo com o mineiríssimo Henrique Portugal, tecladista do grupo, que, de seu lado, vê as coisas acontecendo de forma natural entre ele e os parceiros Samuel Rosa (guitarra e vocal), Lelo Zanetti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria). Além da permanência de uma das mais inalteradas formações do pop nacional, falou-se também de mercado fonográfico, novas bandas daqui e de lá de fora, de parcerias e até de novelas. Confira as cenas dos próximos… ops, os melhores momentos:

Rock em Geral: O Skank teve uma fase querendo ser Beatles e Oasis, e agora vocês estão voltando a fazer o som das antigas, como é isso?

Henrique Portugal: É interessante porque, primeiro, tudo bem, a gente sempre gostou dessas duas bandas. Mas sempre gostamos mesmo é do pop e do rock que é feito na Inglaterra, e essas são talvez os maiores representantes, cada um na sua época. Mas a mudança das referências foi meio assim, a gente achou que já tinha explorado muito essa coisa de usar psicodelia de uma forma muito forte, essas referências que todo mundo fala do rock britânico. E aí pensamos: vamos fazer o que? Já brincamos com o reggae, o dance hall… Então resolvermos relaxar e ser a gente mesmo, que é legal essa coisa de fazer um trabalho, uma pesquisa, procurar saber como a galera da época toca tal coisa, que instrumento, a gente gosta de fazer isso. Mas falamos: vamos relaxar de modo que a gente se sinta tão bem quanto nos outros álbuns e vai ser uma coisa mais tranqüila.

REG: A escolha do produtor Dudu Marote teve a ver com isso, já que foi ele que produziu os discos antigos, os que mais venderam?

Henrique: O engraçado é que o Dudu está há dez anos na música eletrônica, ele não fazia um trabalho de produção pop há uns dez anos. A escolha pelo Dudu Marote foi muito mais pelo relacionamento. A gente já tinha trabalhado com ele e sabia da competência e de ele criticar algumas coisas que talvez a gente viesse a fazer, com critério, mostrando erros, o cara tem embasamento pra falar isso. E em termos musicais, exatamente pela estranheza, não pelo fato de termos trabalhado com ele lá atrás, mas porque o cara hoje é totalmente mundo eletrônico. Quando paramos de trabalhar juntos, em 1996, ele foi para um lado completamente diferente daquele que a gente tinha ido. Por mais que as pessoas falem que fizemos um CD que tenha lembranças de coisas lá de trás, e que por isso chamamos o produtor lá de trás, no trabalho se vê que o resultado não foi isso.

REG: Esse disco foi todo feito dentro do estúdio ou vocês já chegaram com alguma coisa pronta?

Henrique: Entramos em estúdio no dia 15 de janeiro e realmente não tinha nada. Começamos a tocar, ficamos um mês fazendo as bases. Como o estúdio é nosso, ficamos tocando, cada dia tocava uma coisa, desenvolvia temas. No final do mês a gente tinha várias idéias, caminhos e tal. Aí fomos escolhendo quais eram legais, e tem a coisa das parcerias. Isso aqui tem a cara de tal letrista, esse de outro, e mandávamos pra eles. As coisas foram se desenvolvendo dessa maneira. A gente realmente entrou no estúdio e foi brincando, marcando horário pra se divertir. Quando cansava, por causa de um show ou outro, não ia. O CD foi todo gravado com essa idéia.

REG: Apesar do pessoal falar da volta do Skank “como era antes”, em duas músicas, “Chão” e “Saturação”, há batidas diferentes e novas, que parecem ter vindo desse mundo eletrônico do Dudu Marote que você falou…

Henrique: “Chão” é uma música que tem cara de “ao vivo”, e ela foi gravada ao vivo. As batidas e algumas coisas eletrônicas foram colocadas depois, e boa parte delas foi colocada pelo Haroldo. Essa música deu um certo trabalho porque o jeito que a gente começou a trabalhar nela tava lembrando muita coisa de soul brasileiro, que é um caminho que a gente não domina. A grande luta foi tirar isso da música. Foi aí que veio a coisa do jeito do Samuel cantar, com falsete, cantar dobrado, deixar a batida mais dura, que é o que a gente chama de suíngue duro. Então essa música deu um certo trabalho no caminho, mas é uma musica que eu adoro. E o mais legal de “Saturação” é que foi uma viagem, e aí realmente o papel do Dudu foi importante, além da letra muito legal.

REG: Esse disco tá muito bom de letras…

Henrique: A gente conversa muito sobre isso, sobre a coisa das letras, pra ficar um disco coerente. Porque às vezes vamos compondo e existe uma tendência natural de fazer letras sobre relacionamento. Esse disco tem “Notícias do Submundo”, “Saturação”. Tem mais uma ou duas que é a gente tentando fugir dessa coisa, de cotidiano, que tem muito no “Carrossel” (disco anterior do Skank).

REG: Esse rock pos anos 2000 não interessa a vocês, tipo Strokes, que virou uma referência no rock nacional?

Henrique: Quando se fala em Strokes, tem uma assinatura muito legal, aquela coisa da batida new wave. Mas aí vem aquela história: qual é a fonte do Strokes? Se você escutar alguma coisa e quer aprender sobre isso, tem que descobrir lá atrás qual é a origem disso. Isso é uma coisa que a gente gosta. O Strokes faz isso aqui, mas não sei quem fazia isso há 15 anos, então vamos lá escutar esse cara. Eu acho Strokes legal, a forma como eles conquistaram espaço. O problema desse rock, e é uma coisa do Brasil e de lá de fora, do pop e do rock, é que ele é muito nanico. Quem virou grande igual ao Oasis nos anos 90?

REG: As bandas não ficam grandes como antes, as coisas mudaram…

Henrique: Isso tá gerando um problema sério, porque aparece uma banda, vamos ver a história da banda e é de dois CDs!

REG: O Strokes ficou conhecido sem ter nenhum disco gravado…

Henrique: Isso é maluco. A brincadeira não era essa, não. Tá difícil até das bandas conseguirem desenvolver um trabalho legal. Elas já estouram no primeiro CD, o segundo já é decadência, e vem outra banda, não tem nem o terceiro. Ai vem o projeto paralelo de cada banda, que bagunça!

REG: Voltando às letras, como rolou de o Nando Reis voltar a fazer a covardia de compor com o Samuel?

Henrique: O Nando escreve para o Skank desde “É Uma Partida de Futebol”, quando ele ainda era do Titãs, em 1996. Depois, no “Siderado”, teve “Resposta”, e no “Maquinarama” tem uma música linda que é “Ali”. Na época do “Carrossel” ele tava gravando disco, mas agora ele tava mais disponível, não tava com uma turnê forte demais nem trabalhando num novo CD. Essa covardia funcionou muito bem, com quatro músicas. E tem seis do Chico Amaral e duas do César Maurício. Essa foi uma das outras coisas que mudaram. No “Carrossel” o leque tava muito aberto, tinha mais compositores, mais coisas. O disco foi o ponto máximo de uma seqüência de trabalhos que começou com o “Maquinarama” e que nós exploramos demais, o Samuel comentou muito isso de ter muitos compositores. Resolvemos fazer uma coisa mais fechada, mais fácil de administrar, de lapidar as músicas, as letras, com menos parceiros. E foi um disco que, no fundo, a gente fez ele de uma forma mais rápida. Como você falou, foi covardia.

O problema desse rock, e é uma coisa do Brasil e de lá de fora, do pop e do rock, é que ele é muito nanico. Quem virou grande igual ao Oasis nos anos 90?

O problema desse rock, e é uma coisa do Brasil e de lá de fora, do pop e do rock, é que ele é muito nanico. Quem virou grande igual ao Oasis nos anos 90?

REG: Como rolou de a Negra Li cantar em “Ainda Gosto Dela”, que é um hit nato?

Henrique: Essa música o Samuel gravou com a voz principal mais baixa, num tom mais baixo, e por isso, na hora do refrão, ficou com uma cara de voz feminina. Começamos a pensar e o Samuel disse que gosta muito da voz da Negra Li. O Dudu ligou e ela tava meio enrolada, mas acabou que rolou, veio aqui em Belo Horizonte, super tranqüila no estúdio. Porque podia rolar uma travada, ela saiu de São Paulo sozinha e veio aqui pra cantar e ir embora. Foi super bacana, ela tem essa coisa de hip hop, mas canta muito bem, participou do clipe.

REG: A impressão que se tem ao ver o encarte do CD com o Samuel como autor de todas as músicas, com parceiros de fora da banda, é que ele é o manda chuva do Skank. É isso mesmo ou dentro do estúdio tudo se resolve à oito mãos?

Henrique: Sobre os letristas, eu já tentei fazer algumas coisas, em álbuns anteriores tem composições do Lelo, mas uma das coisas que a gente já chegou a conclusão é, como você mesmo falou, esses caras são bons letristas. Eu poderia até tentar, inclusive já fiz algumas coisas, já fiz música com o Mauro Santa Cecília, que é parceiro do Frejat. Mas concluímos que é melhor ele fazer porque o Samuel compõe bem as músicas, e os letristas escrevem bem. Então esse é o caminho. Agora, pelo fato de eu já ter produzido algumas coisas, essa parte de produção é uma coisa que eu adoro. As músicas são do Samuel com outros parceiros, mas no Skank a coisa é totalmente democrática. Por tocarmos há tanto tempo juntos, a gente fala que tal coisa não tá boa, opina sobre o que fazer e o que não fazer, é super tranqüilo.

REG: “Canção Áspera” lembra uma música do Cachorro Grande, “Desentoa”, embora as duas bebam na fonte da fase dancing dos Stones…

Henrique: Disseram que “Chão” é stoneana, mas “Canção Áspera” não. Apesar de que “Canção Áspera”, dentro do álbum, é uma música parente da “Chão”. Essa coisa do Cachorro ninguém tinha falado, mas é uma boa referência. Se tem uma banda de rock hoje no Brasil é o Cachorro, ou a Cachorro, como eles mesmos falam. Já fizemos coisas juntos, tocar com eles é sensacional. Se uma música do Skank parece com uma música da Cachorro Grande é sinal que a gente tá conseguindo fazer um rock legal. O único problema do Beto Bruno (vocalista do Cachorro Grande) é gostar de Bruce Springsteen.

REG: “Ainda Gosto Dela” tá na trilha de mais uma novela; o Skank já fez 18 participações em novelas. Isso é uma estratégia imprescindível para uma banda que ainda vende muito, mas já vendeu muito mais em outros tempos?

Henrique: Essa sempre foi uma estratégia da gravadora. Imprescindível eu não sei, mas é um caminho importante na nossa história. Algumas músicas, como a “Balada do Amor Inabalável”, da novela “Laços de Família”, com o (Reynaldo) Gianecchini e a Carolina Dieckmann; e “Vou Deixar”, que foi abertura da novela das sete (“Da Cor do Pecado”, 2004), essas novelas pegaram a música e colocaram ela num outro patamar. Não é que funcione todas as vezes, mas quando funciona… E ainda bem que a turma das novelas gosta das nossas músicas. Quando alguém faz um elogio a alguma coisa do Skank, a gente fala: eles são inteligentíssimos! Eles conhecem tudo.

REG: Essas músicas são feitas sob encomenda?

Henrique: A única encomenda que aconteceu foi “Beleza Pura” (de Caetano Veloso), que era o nome da novela. Disseram que ia ter uma novela com esse nome, e chamaram o Skank para gravar a música de abertura. Isso no Brasil é como convidar um artista pra fazer a trilha do Spielberg. A música toca todo dia na abertura e na chamada dos comerciais, no mínimo.

REG: Como andam as estratégias de novas mídias?

Henrique: Eu tenho o “Frente”, programa de banda independente, e a gente começou de forma independente. A independência normalmente é ligada à falta de grana, e quando não há dinheiro tem que ser criativo. E nessa coisa da criatividade a gente começou a sacar que a internet é um caminho direto com o público, não só como divulgação, mas de contato mesmo. E normalmente as pessoas são muito corajosas na internet. Elas falam, elogiam e criticam abertamente. Tá cheio de herói e macho na internet. Isso por um lado é legal pra ver qual é a mensagem que a pessoa quer passar. Já tínhamos um site razoável, agora ele tá super atualizado, criamos uma rádio com as coisas do Skank e de artistas que a gente gosta, projetos especiais, os festivais internacionais. Até nosso primeiro show a gente tem. É legal poder brincar com isso, colocar o público pra escolher o bis através de sms.

REG: Vocês estão conseguindo vender mais coisas no mundo virtual do que as pessoas baixam sem pagar?

Henrique: Essa coisa de vender é mais da gravadora. A conta não fecha, e envolve outra coisa, porque o jovem hoje em dia tem acesso a tudo, ele sabe de tudo. O que tá em xeque não é a música, é a forma como negociar a música, e isso tá meio complicado. O que eu vejo nessa história toda é que o meio musical tem que se resolver e dar acesso às pessoas de uma maneira mais fácil. O que a gente tá fazendo é procurar entender o que as pessoas que gostam do Skank gostariam de ter do Skank. Por exemplo: nós vamos lançar vinil do “Estandarte” e do primeiro álbum, com a mixagem independente. É uma parceria com a Sony, vai prensar nos Estados Unidos. São coisas que as gravadoras não faziam. E tem a música no celular, que e a grande moda.

REG: Periga até a operadora de celular virar a gravadora…

Henrique: Mas aí envolve uma outra coisa, que a gravadora é dona de uma parte grande da divulgação que são os caminhos, os acessos. Ela negocia há 50 anos desse jeito. Dizem que as gravadoras morreram e acabaram, mas o morto não sai da porta das rádios e dos programas de televisão, continua rondando por aí. Basta ver que nos programas importantes só tem artista de gravadora.

REG: O último disco do Skank com nome composto foi “O Samba Poconé”, por sinal o mais vendido. Como vocês escolhem os títulos?

Henrique: O título é a coisa mais difícil pra gente, geralmente sai depois de tudo pronto, já fazendo a capa. Esse por exemplo foi aos 48 do segundo tempo. Não tem uma regra, o “Maquinarama” foi para contextualizar uma coisa de época, e tinha o sufixo “rama”, que é uma coisa dos anos 60. O “Tron” também tinha isso. Mas é difícil, a gente escolhe um nome no final e depois inventa uma história pra explicar o porquê de ter escolhido aquele nome. “Estandarte” foi tirado da letra de “Chão”?

REG: Como tá a turnê, tem muita musica nova?

Henrique: Até agora nós colocam seis, foi só um show aqui em Belo Horizonte e vamos fazer São Paulo e depois Rio.

REG: Às vezes é difícil isso, o pessoal só quer escutar os clássicos…

Henrique: Tem gente que quer escutar musica nova, mas porque já comprou o CD e escutou as músicas novas, e na verdade elas já não são tão novas assim. O desfio é encaixar no repertório as coisas novas sem deixar o show esfriar, porque as músicas novas as pessoas não conhecem, não cantam, não participam porque aquela música ainda não significa nada na vida daquela pessoa.

O que tá em xeque não é a música, é a forma como negociar a música, e isso tá meio complicado

O que tá em xeque não é a música, é a forma como negociar a música, e isso tá meio complicado

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