Rock é Rock Mesmo

Em vez da História, historinhas

Livro de executivo de gravadora se atém mais a causos de sua vida pessoal do que à obscura forma de se trabalhar da indústria fonográfica no Brasil.

Meus amigos, quem muito sabe às vezes não sabe nada. Ou, por outra, pensa que sabe, mas não conhece o fundamental: saber o que realmente importa. Eis aqui o mais importante nos dias de hoje. Saber aquilo que realmente faz sentido pra gente. Sim, nesse mundo da informação, todo mundo sabe tudo, tem opinião formada sobre tudo e tem acesso a tudo. Mas o que, no meio dessa coisa toda, realmente vale a pena? Quem consegue separar o joio do trigo, num mundo com – ao contrário de antes - muito mais joio do que trigo? É tanta coisa no menu que ninguém sabe o que comer.

A indústria fonográfica, por exemplo. Enquanto o mundo dá vivas aos avanços tecnológicos, os executivos vivem contabilizando queda das vendas e reclamando de tudo. Pirataria, proliferação dos downloads, internet, tudo é motivo para o fracasso dessas corporações. Menos, é claro, elas próprias. Hoje até acredito que nas matrizes dessas empresas, todas multinacionais, os caras já aprenderam a olhar para o próprio umbigo e a 1) Descobrir quais são seus problemas e como resolvê-los, e 2) Aprender a ganhar dinheiro com as novas ferramentas desse início de século marcado pelo domínio e livre circulação da informação. Mas há pouquíssimo tempo estavam todos andando para um lado e outro, feito baratas tontas. Os das filiais brasileiras, se bobear, ainda estão.

É aí que o livro “Músicas, Ídolos e Poder – Do Vinil ao Download”, de André Midani poderia ajudar. Disse poderia não pelo título em si – mais uma frase feita do que dotado de qualquer significação -, mas por ser o autor uma figura recorrente quando se fala em mercado fonográfico brasileiro. Executivo de gravadoras por cerca de 50 anos, Midani participou de toda a história musical brasileira no período, incluindo aí a tríade que ele próprio destaca: bossa nova, tropicalismo e rock’n’roll. Se há alguém que viveu e sabe muito bem como funcionam (ou funcionavam) os meandros das famigeradas majors, esse é o cara. Ao menos foi o que eu pensei quando soube do lançamento do livro e ao receber meu exemplar.

Acontece que Midani fala de tudo que aconteceu em sua vida, menos de indústria fonográfica. Ou, por outra, fala muito pouco dela, e muito mais de histórias que viveu em sua vida pessoal. Quando fala da indústria onde construiu sua bem-sucedida carreira de executivo, se atém a fatos curiosos envolvendo artistas famosos com os quais trabalhou que interessam (admitamos que sim) mais pela fama desses artistas do que pela história em si. Ademais, Midani pode até ser um bom contador de histórias, mas, escrevendo, não conseguiu passar isso, não. Por falta de trejeito de escritor, por vezes até destrói boas histórias. Sinal de que o ghost writer que ele dispensou fez falta. Principalmente se considerarmos que André Midani nasceu na Síria, foi criado na França e veio para o Brasil com uns 20 anos com uma mão na frente e outra atrás.

Reclamo que Midani pouco falou de interessante ou revelador sobre a indústria fonográfica e posso provar. Para vocês terem uma idéia, em todo o livro a palavra “jabá” só foi aparecer na página 218 – fiz questão de anotar -, de um total de 288, e justamente quando o autor escreve, em tom de reclamação, que “todas as estações de rádio foram obrigadas a tocar a mesma música, ‘a música de trabalho’, e o preço do jabá foi à estratosfera”. Se a memória não me falha, o assunto sequer foi citado em outra passagem, nas 70 páginas restantes.

Sobre a decadência da indústria fonográfica, Midani, com um olhar de executivo de alto escalão, aponta que “os líderes criativos de grande parte das indústrias criativas perderam o poder a partir da década de 1980 e de 1990 porque muitos viam o lucro como um componente vulgar, em que não queriam se imiscuir nem com que pretendiam a lidar”. Segundo ele, os tecnocratas de Wall Street assumiram os negócios e estão causando danos à indústria fonográfica e do entretenimento, e a única saída é que “os líderes criativos” aprendam a ser “tão impiedosos quanto os tecnocratas”, e que os convençam “de que somente a criatividade genuína e o planejamento a longo prazo levam a uma lucratividade segura e duradoura”. Para Midani, o desafio é “inverter os papéis” e conseguir que os tecnocratas trabalhem para os líderes criativos, em vez de eles trabalharem para os tecnocratas. É bonito, sim, mas isso foi o máximo que ele abordou, no que tange às mudanças no mercado fonográfico, em quase 300 páginas de histórias.

De outro lado, com uma naturalidade cotidiana, André Midani solta frases do tipo “Fulano me chamou para um almoço em Nova York”, ou “Fui para um congresso nas Bahamas e desci na ilha errada”, ou ainda “era só não comprar jóias e deixar de ir a Las Vegas jogar que daria pra fazer uma festa barata no Copacabana Palace”. Declarações que denotam sutilmente como a grana rolava solta nas gravadoras ao longo dos anos. Como sempre digo, a contabilidade dessas empresas é uma grande caixa preta jamais violada para o conhecimento público, e essas pérolas de Midani (entre muitas outras) só confirmam esse tipo de, digamos, suspeita. Nem o governo do Presidente Lula se interessou em desvendar essas contas, muito menos colocando Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Logo ele, que, embora grande ícone da música brasileira, sempre se beneficiou dos obscuros artifícios pilotados por gente como Midani. Pior, os dois ainda trabalharam juntos – soube pelo livro - num projeto bancado pelo governo, o tal “Ano do Brasil na França”. É mole?

Não se deve questionar, só por causa disso, os méritos de André Midani como grande executivo da indústria fonográfica. Se o cara é bem sucedido, teve seus méritos e devemos respeitar quem, em qualquer área, através do trabalho, se destaca. E, por conseguinte, tenha uma vida, digamos, abastada. Mas não era isso que eu e as torcidas do Flamengo e do Corinthians queríamos saber. Midani certamente tem muito o que falar, e alguém tem que colocar o cara pra soltar tudo aquilo que, depois de mais de 30 anos do final da ditadura, ainda está preso nos intestinos da indústria fonográfica.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

Tags desse texto: , ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado