Fazendo História

Kid Vinil
Super Boy

Essa entrevista dá uma geral na careira de Kid Vinil, que ainda explica sua saída da Rádio Brasil 2000, detona as revistas de música e as novas bandas brasileiras. De quebra, fala do “Almanaque do Rock”, lançado há pouco. Publicada na edição número 20 da Revista Outracoisa, de maio de 2007. Foto: Priscila P/Divulgação.

kid-vinilVocê pode até não saber, mas certamente conhece muito bem um certo Antonio Carlos Senefonte. Na década de 80, em todos os programas de auditório ele aparecia cantando o hit “Eu sou boy”. Além disso, teve os seis próprios programas na TV e fez o que se pode chamar de programação de vanguarda em rádios alternativas. Você conhece pelo apelido, com certeza: Kid Vinil. De um jeito ou de outro, o sujeito sempre esteve presente no mercado brasileiro da música pop. Estava no lugar certo na hora certa e foi um dos que impulsionou o movimento punk em São Paulo; participou dele com a banda Verminose, embrião do Magazine (do sucesso do office-boy revoltado) e ainda foi a voz das FMs paulistanas no que diz respeito ao lançamento de novos artistas. Depois de uma passagem pela Brasil 2000, num último sopro de boa música saindo de rádio convencional, o multihomem hoje faz discotecagens pela noite, toca com o Kid Vinil Xperience e prepara o lançamento de um “Almanaque do Rock”. E, claro, administra uma coleção de cerca de dez mil vinis e outros dez mil CDs. Nesta entrevista, Kid contou muito de sua rica história, mas falou também sobre a rádio dos nossos dias, internet, revistas de música e outras popices.

Como você começou a se interessar por música?

Meu pai gostava de Elvis, Paul Anka, essas coisas, e eu comecei a gostar dos discos dele. Eu tinha dez anos quando estreou o “Hard day’s night”, dos Beatles, meu irmão me levou para assistir e eu pirei, foi o meu primeiro contato com uma banda de rock.

De onde vem o apelido?

Eu botei na cabeça que tinha que trabalhar com música e consegui um emprego na (gravadora) Continental, na área de recursos humanos. O Vítor Martins, parceiro do Ivan Lins, era o diretor da editora, viu a tendência que eu tinha para música e me arrastou para a produção. Ele me apresentou os caras da rádio Excelsior, onde eu fiz o primeiro piloto. Na época eu viajei pela Continental para o Midem, em Cannes, na França, e depois fui para Londres descobrir a história do punk. Voltei com uma mala de discos, eu, e o Pena Schmidt, que era produtor da gravadora, e tivemos a idéia de fazer um programa para tocar esses discos de punk/new wave.

Você já conhecia a onda punk ou só teve contato quando chegou em Londres?

Eu vi uma matéria do Ezequiel Neves sobre o Sex Pistols no “Jornal da Tarde”, em 1977, fiquei interessado e comprei o single do “God save the queen”. Depois, viajei para Londres e o programa acabou rolando. O apelido foi por causa do programa. Em Londres, ouvíamos a BBC e tinha um DJ chamado Kid Jensen. Conhecemos o manager do Clash, que se chamava Cosmo Vinyl. Aí juntamos as duas coisas e virou Kid Vinil. O programa se chamava Kid Vinil e o personagem foi criado a partir dali.

Foi esse programa que catapultou o punk em São Paulo?

O vídeo “Botinada”, do Gastão (Moreira), aborda isso, o programa incentivou toda a história do punk. Como eu tinha aquele material, o rádio era a única forma de as pessoas ouvirem alguma coisa. As pessoas ouviam e gravavam fitinhas. Disco era material difícil de encontrar, poucas lojas recebiam, então era aquela coisa de viajar e trazer. Como eu trabalhava numa gravadora, tinha mais facilidade.

Quando você percebeu que tinha realmente um movimento punk em São Paulo?

Com o programa eu comecei a receber muita carta. Comecei a conhecer o pessoal da Carolina (point dos punks da época), o Clemente, os Inocentes, Restos de Nada, as primeiras bandas. Começamos a produzir shows em garagem, em qualquer lugar. Começamos a dar som, cada um levava uma fitinha e fazia o som na periferia.

Vocês tinham noção que estava acontecendo uma coisa parecida com a de Londres?

Queríamos mostrar o som para as pessoas, é claro que a coisa em Londres era muito mais efervescente. Queira ou não, apesar do “do it yourself”, tinha toda uma indústria em cima. Tanto que o Sex Pistols foi criação de Malcolm McLaren e da Vivienne Westwood. Não tínhamos tantas possibilidades de fazer um movimento tão forte quanto o de lá, mas tentávamos criar alguma coisa.

Aí que apareceu o Verminose?

Eu fui guitarrista do AI-5, uma banda punk da qual o Ratos de Porão gravou “John Travolta”, e em seguida montei o Verminose. Como eu já tinha uma coisa de rock no meu passado, misturei várias coisas, tentava agregar outras tendências. Mas na época entrou no pacote punk, por causa da atitude, da minha convivência com os punks. Eu era muito cobrado porque era um cara que gostava de rock’n’roll e os punks eram um pouco radicais.

Você entrou no rol dos traidores do movimento?

Eu comecei a aparecer muito. Uma vez apareci na Veja, depois fui fazer um show e deu um quebra pau, acharam que eu era vendido, e daí pra frente eu levei o rótulo de traidor. Essa foi uma das razões de eu ter mudado o nome para Magazine e ter sepultado o passado punk. Aí virou new wave, uma coisa mais pop, influenciada por jovem guarda. O punk tava ficando violento e eu não tinha mais idade pra sair brigando.

Como o “Sou Boy“ virou hit de uma hora para a outra?

Tocávamos essa música na época do Verminose. A música é nossa, mas a letra é de um Office-boy. Eu era muito amigo do Tico (Terpins) e do pessoal do Joelho de Porco. Ele tinha um Office-boy no estúdio que ficava cantarolando: “eu sou boy, eu sou boy”. Um dia o Tico perguntou que música era aquela, e ele disse que era uma que ele tinha escrito na escola. Ele mandou o garoto gravar no estúdio e levou pra gente botar uma música.

Era uma época que tinha muitas músicas assim, aquela coisa da Blitz…

Bom humor, uma situação real, aí a gente musicou e começamos a tocar nos shows do Verminose. Quando a Warner assinou, a sugestão foi gravar o “Sou boy”, que era a música que mais chamava a atenção nos shows. Gravamos o compacto e os caras da Warner apostaram nela. Acreditávamos no taco deles, mas não esperávamos muita coisa. Três dias depois a música já tava tocando no rádio, sendo a mais pedida da rádio Cidade, foi uma coisa meteórica. Nem estávamos preparados, sequer tínhamos um repertório para um disco.

Vocês ainda tinham os empregos convencionais?

Eu e o guitarrista éramos da Continental, o baixista era bancário, e o baterista trabalhava em gráfica. Nós não compúnhamos tanto, muito menos com teor de sucesso como tinha aquela música. E aí veio a cobrança de fazer um LP. Entramos no estúdio a toque de caixa e cadê o repertório? Então o primeiro disco foi meio capenga, tem uma série de regravações, de coisas que agente tocava nos shows, e outras originais.

No fim das contas vendeu bem?

Mais de 50 mil cópias, e os compactos todos foram discos de ouro. O “Sou Boy” e o “Tic Tic Nervoso”. Depois do LP é que apareceu o “Tic Tic Nevoso”, uma música de dois amigos. Eu não acreditei, mas o Liminha e o Pena (produtores) decidiram transformar a música num sucesso.

Por que o Magazine não conseguiu seguir carreira?

O nosso grande problema era compor. Eu sempre fui muito intérprete e não fui bom compositor, ninguém na banda era compositor. Se tivéssemos ao menos um, teríamos sobrevivido como Titãs, Paralamas. Depois do primeiro LP gravamos a música da novela “A gata comeu”, uma regravação do Caetano Veloso, e fizemos o “Tic Tic Nervoso”. A Warner cobrando e a gente não tinha como gerar esses sucessos. Aí eu comecei a fazer alguma coisa com o André Christovam, que foi o Kid Vinil e os Heróis do Brasil, com blues…

Por que você partiu para o blues em plenos anos 80?

Eu sempre gostei de rhythm’n’blues, e o André me convenceu a fazer um projeto com ele. A idéia era legal, mas apesar de ele ser um grande músico, não tinha aquela veia de fazer sucesso pop. Botamos o Roberto de Carvalho para produzir, tentando dar um direcionamento pop, mas o disco ficou em cima do muro.

E aí você caiu dentro da rádio…

A partir dali eu comecei a me dedicar ao rádio, entrei na primeira leva da 89 FM, fiz vários programas, horário com o locutor, tocava toda essa geração 80.

Como funcionava o mercado da música nessa época, a rádio fazia o artista acontecer?

Bandas como Smiths, U2, Cure, tudo acabou acontecendo por causa do rádio, que tinha o poder de fazer um sucesso. E a gente tinha a liberdade de botar tudo na programação sem jabá. Sem as gravadoras colocando que tem que ser isso e tem que colocar tantas vezes por dia. Eu lembro de quando eu tava na Antena 01: fui um dos primeiros a tocar “Inútil”, do Ultraje a Rigor, e “Pobre paulista”, do Ira!.

A última rádio em que você trabalhou foi a Brasil 2000. O que você conseguiu e o que não conseguiu fazer?

Uma das diretoras me chamou para ser o coordenador geral da rádio, e eu achei legal, ia ter toda a liberdade. Só que a rádio não dependia só dessa pessoa que me chamou, ela pertence a uma universidade e havia outras irmãs que ficam dando palpite. Cada uma gosta de uma coisa. Uma delas gostava de world music; a outra, de pop descartável. E, outra, que foi a que me chamou, mais de alternativo. E tinha um sobrinho que ficava minando o meu trabalho, querendo o meu lugar – e acabou conseguindo. Eles queriam que a rádio fosse da família, e acabou sendo, só que a família não conhece nada de música. Tiveram a oportunidade de ter credibilidade, mas minaram o meu trabalho. No primeiro ano deu certo, no segundo, quando eu comecei a ser afastado, a coisa degringolou.

Dá para fazer uma rádio legal, tocando música boa?

Eu acredito que ainda dá. Tudo tem uma internet, eu ouço a BBC, woxy, se você quer uma banda nova vai no myspace, tem todas essas ferramentas no computador. Mas o espírito do rádio continua. Mesmo a 89 sendo uma bosta hoje em dia, eu ouço, por curiosidade; sou um ouvinte como qualquer pessoa, gosto da linguagem do rádio.

Se tivesse uma rádio pra você coordenar, você apostaria em que formato?

Hoje eu faria diferente. Na época, peguei pesado na coisa e fazer uma rádio alternativa. Muita gente até me criticou por isso. Deixei a rádio muito alternativa, fui com sede ao pote. Hoje eu faria uma coisa mais equilibrada, colocaria sucessos, clássicos do rock e as coisas mais alternativas, não seria tão lado b. É que ninguém tem colhão pra fazer ousar em rádio, todo mundo tem um pé atrás, medo de arriscar. Mas tem tanta coisa legal acontecendo lá fora e ninguém faz nada. Muito da década de 90 e dessas novas coisas de 2000 pra cá estão passando em branco, fica tudo no circuito alternativo. Eu faço discotecagens e as pessoas vão ouvir essas bandas que fazem sucesso lá fora na pista, porque no rádio não toca.

Como você transita na internet, usa todas as ferramentas?

Você tem que ir atrás de tudo, dos blogs. Eu vivo passeando o dia inteiro nessas coisas. No princípio eu era meio assim com baixar música, depois passei a baixar dos sites que disponibilizam as faixas oficialmente, como o myspace.

E na TV, como foi sua experiência?

Trabalhei na Cultura na época da 89. Em 1987, fiz o “Boca livre” e depois apresentei o “Som pop”, só de videoclipes. Na TV tem um monte de gente te controlando. No rádio não; eu entro, faço minha produção, sempre tive a liberdade de falar sobre aquilo que eu conheço. Na TV, não há essa liberdade. Apesar de que no “Lado b”, na MTV, eu tinha a liberdade por causa do produtor (Zé Antonio Algodoal), nós escolhíamos as músicas, eu pegava a lista dos clipes, ia para o estúdio e falava o que queria.

Alguma entrevista com um artista foi marcante pra você?

Durante a época do “Som pop” entrevistei o Brian Setzer, do Stray Cats. Teve uma com o Nick Cave que foi um saco, porque era cedo e ele estava de mau humor. Uma maravilhosa foi com o Ian Gillan (Deep Purple), um cara antenadíssimo. Uma das maiores surpresas foi quando eu perguntei o que ele tava ouvindo, e ele respondeu que era o novo do Pixies. As entrevistas que eu fiz com o Joey Ramone foram boas. Na primeira vez que os Ramones vieram ao Brasil eu os acompanhei até em quarto de hotel. Da outra vez fiz um programa que durou a madrugada inteira com ele na 89.

Como você começou a atuar como DJ?

Eu comecei fazendo baile punk na periferia. Normalmente o lugar era muito precário, e eu levava fitinha, deixava rolando e ia beber com os amigos. Mas como atividade séria mesmo foi em lugares como a Paulicéia Desvairada, do Nelson Motta e do Julio Barroso.

Você deve ter uma coleção de discos com muitas raridades…

Eu tenho uns dez mil vinis de várias épocas. Tem muita coisa rara, principalmente da época dos bootlegs. Tenho uma coleção grande de Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan.

O que tá faltando na sua coleção?

Hoje, eu não fico mais procurando, muito daquilo que eu queria eu já tenho. Eu entro nos leilões de disco na internet, me pergunto o que me falta, e desencano porque já tenho quase tudo. Mas ainda compro muito compacto pelo correio.

Você já comprou o mesmo disco duas vezes porque esqueceu que já tinha comprado?

Já, mas eu procuro tomar esse cuidado. Tem um disco do Wishbone Ash com duas edições. Às vezes tenho duas cópias porque a capa é diferente. O disco Alice Cooper, “Love it to death”, eu tinha uma cópia alemã que não abria, no fim eu consegui outro com a capa dupla que abria, e não me desfiz do primeiro. Também tenho várias edições em vinil e em CD.

Como foi o trabalho como diretor artístico de gravadora?

Foi legal porque a Trama me deu a liberdade de trazer o catálogo da Matador, que eu achava muito legal, Pavement, Yo La Tego. Foi bom lançar Morphine e essas bandas todas. E tem a história do Belle & Sebastian, eles me deram a liberdade de negociar com os caras na Inglaterra. Entre todos os discos eles venderam mais de 100 mil cópias. Pena que a Trama não é mais aquela coisa de antes.

E a volta do Magazine, em 2002?

Fizemos o disco pela Trama porque o Marcelo (João Marcelo Bôscoli) cedeu umas horas de estúdio que estavam sobrando. Não era prioridade, e mais uma vez, mesmo tendo o Aírton (Mugnaini Jr.) como compositor, não tínhamos aquela veia comercial.

E o trabalho em jornais e revistas?

Não, eu to fazendo essa coisa de DJ mesmo, e preparando um almanaque do rock, vamos ver se eu consigo terminar para lançar nesse ano.

Como você vê a chegada da Rolling Stone no Brasil, e essa disputa com a Bizz, que voltou há pouco tempo?

A Bizz é legal, mas cometeu um grande erro que é usar o mesmo nome. Eu teria uma estratégia diferente. Alguma coisa ali parece que está errada porque o sucesso que eles esperavam com a volta não aconteceu. É legal também ter a Rolling Stone, mas às vezes ela peca pelo editorial. Achei estranho colocar a Ivete Sangalo na capa. Tudo bem que lá fora eles põem personalidades, mas confunde um pouco o leitor. As revistas têm que vender, e pra vender tem que fazer concessões, mas achei que foi concessão demais. Se uma NME sobrevive… tá certo que é diferente… e tem uma porrada de revistas que sobrevivem na Europa, arriscando no novo, por que não aqui? Falta uma certa ousadia de ambas as partes.

E essa tua banda nova, o Kid Vinil Xperience?

É uma extensão do Magazine, tocamos muito cover de punk, new wave, mais por diversão mesmo.

Participa de festas do tipo anos 80?

Já participei de várias, participamos do DVD que saiu pala Multishow. Muita gente criticou, mas é uma coisa tão pessoal, foi uma geração de rock legal, não tem o que questionar, é a minha história. E o revival aconteceu sem forçar a barra. O rock brasileiro acabou não indo pra lado nenhum, a garotada de hoje tá perdidaça. Então eles abriram esse vácuo: na falta de uma novidade… revival. Os ingleses não dão tempo pra ninguém, a garotada com 18 anos já ta lançando banda, tá no hype.

Como você vê esse hype de bandas que aparecem, e depois outra, e outra…

As bandas duram um disco, dois. O Strokes nem disco tinha quando estourou. O que eu acho legal é que todas elas têm um elemento interessante do rock, por menos criativas que sejam. É uma molecada que tem um background, falam que conhecem coisas boas para fazer a música deles. É o que falta para os grupos brasileiros: referência. Eles são pobres nas referências e por isso são pobres musicalmente. Os ingleses, não, eles têm uma gama de coisas legais, sabem escolher aquilo que vão ouvir.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. André Mansur em julho 27, 2009 às 21:10
    #1

    Ótima entrevista, Bragatto!

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