Fazendo História

Metallica
Buscando uma nova saída para o thrash metal

Texto analisando o lançamento de “St.Anger”, o penúltimo álbum do Metallica, que apontava a banda tentando voltar ao peso e sujeira de outros tempos. O que parece que só foi conseguido agora, com “Death Magnetic”. Publicado na Rock Pressa número 54, de outubro de 2003. Foto: Divulgação.

metallica-2003Quando o ator Sean Pean conheceu o Metallica em meados da década de 80, sentenciou: “esse grupo nunca vai chegar a lugar algum, pois o nome é óbvio demais”. Estava redondamente enganado. Mas quem, no auge do thrash metal, poderia imaginar que o Metallica lideraria as paradas de todo o mundo com o “black album”, e depois, sempre com muito sucesso, traria problemas para os fãs com a fase “Load/Reload”? Pelo menos para aqueles que faziam juras de amor à banda, em uma época em que os cabelos longos e maltratados, as calças pretas desbotadas e rasgadas, e os tênis de couro com cano longo eram o must de uma geração, isso parecia realmente impossível.

Agora, com mais de vinte anos de existência, convivendo com todas as benesses e agruras de um sucesso em escala gigantesca, e depois de seis anos sem lançar nada de inédito, o Metallica volta à carga com o esperado “St. Anger”, álbum sobre o qual pairava uma grande expectativa de “volta às raízes”, redenção ao thrash do início de carreira ou mesmo de ser o “disco do Metallica mais pesado dos últimos tempos”. Acertou quem acreditou na última opção, e passaram longe os ingênuos que apostaram nas demais. Bem, mais ou menos, pois não se pode negar que toda a atitude, a atmosfera underground e a produção suja, no melhor dos sentidos, estão em “St. Anger”, que tem a competente produção de Bob Rock, o mesmo do “black album”, que também gravou todos os baixos.

“St. Anger” passa uma borracha nos últimos doze anos do Metallica e inaugura uma nova fase, que curiosamente remete ao disco “…And Justice For All”, o quarto do grupo, de 1988. Nele o grupo levou o thrash metal ao limite técnico e perfeccionista, e concluiu que algo precisaria mudar. Isso era ponto pacífico, o que veio depois, nem tanto. Agora o grupo curiosamente revisita aquilo que, na mesma época, ficou conhecido como “metal de vanguarda”, termo designado para identificar grupos que faziam um som pesado, mas fugindo dos dogmas e clichês do heavy metal. Helmet, Prong e Clutch representavam a tríade perfeita dessa turma, que fazia músicas quase sem solos de guitarra, mas com muitos riffs, ultrapesados e repetidos durante toda a música, usando uma bateria com afinação tribal e/ou industrial. Pois bem, grosso modo, “St. Anger” funde o jeitão das músicas longas e perfeccionistas de “…And Justice For All”, os riffs poderosos e a bateria “de lata” do tal “metal de vanguarda”.

O resultado é um álbum longo, indigesto, mas, inegavelmente, sujo e pesado, que tem tudo para agradar os fãs de metal mais inteligentes, embora, segundo consta, eles não sejam tantos assim. A falta de solos é compensada com riffs dos mais distorcidos e, em alguns (“Some Kind Of Monster” e “Sweet Amber”), a duplinha Kirk Hammett/James Hetfield revive seus dias mais inspirados. Outras lembranças do passado estão em “My World”, com riffs que são puro thrash, e em “The Unnamed Feeling”, que lembra trechos de “For Whom The Bell Tolls”. O indigesto serve para deixar claro que não é ouvindo o disco logo de cara que se vai compreendê-lo, já que novas percepções tendem a aparecer a cada audição. Entre as longas onze faixas, que somadas ultrapassam 75 minutos, não há nenhum hit por vocação como “Enter Sandman”, responsável por levar o Metallica ao topo das paradas, mas a banda já está em primeiro lugar, com a faixa-título, em mais de 15 países, incluindo o cobiçado topo da Billboard. Há, sim, muita visceralidade, minúcias preciosas escondidas sob cada evolução de guitarra ou batida do baixinho Lars Ulrich, mais furioso do que nunca, como a abertura, com “Frantic”, já denuncia.

Outro aspecto de “St. Anger” é que ele revela uma incessante busca desses três músicos, enquanto artistas, para achar uma saída dentro da música pesada, de acordo com suas vocações, sem cair na armadilha da repetição, como acontece comumente no mercado fonográfico, seja por acomodação ou pela aceitação do óbvio. O esgotamento do thrash metal aparece também em outras bandas, cada qual com sua perspectiva. Mesmo desfrutando de certo sucesso, elas acabaram (Megadeth), vivem uma encruzilhada criativa ou de identidade (Slayer, Sepultura, Machine Head) ou não conseguem lançar um álbum há certo tempo, como o Pantera e o próprio Metallica, até chegar a vez de “St. Anger”. O fã mais atento de metal há de se lembrar, por outro lado, que Destruction, Testament, Exodus e Anthrax, entre outras tantas, seguem firme e forte. Mas, a rigor, não passam de revivalistas que pouco acrescentam ao gênero, mesmo que, reconhecidamente, tenham méritos por manter um bom séqüito de fãs mundo afora, sobretudo no mercado europeu.

A primeira tiragem de “St. Anger” traz como bônus um DVD que flagra a banda num ensaio, tocando todas as músicas que estão no CD. A rigor, nem chega a ser um ensaio propriamente dito, já que está tudo arrumadinho no estúdio e há edições que escondem possíveis erros. Mas já é uma pequena amostra de como Robert Trujillo (ex-Ozzy e Suicidal), o novo baixista, se comporta. Há ainda um encarte com uma senha personalizada, para só os que compraram o disco possam acessar outras músicas no site oficial. O primeiro clipe, para a faixa-título, foi gravado dentro de uma penitenciária, e a MTV americana produziu um especial (“Icon MTV”) no qual vários artistas tocam músicas do Metallica. Entre eles, gente no naipe de Limp Bizkit e Avril Lavigne. O que salva o programa é o extraordinário pout pouri que o próprio Metallica toca no final, que inclui “Hit The Lights”, “Enter Sandman”, “Blackened”, “Creeping Death” e “Battery”.

“St. Anger”, por fim, recoloca o Metallica na mídia em todo mundo, novamente como uma grande banda de metal, não de rock, como na fase “Load/Reload”. E ainda prova que além ser motivo de batalhas judiciais, torturar prisioneiros da invasão norte americana ao Iraque e ter levado James Hetfield a uma clínica de recuperação para alcoólatras, a música do Metallica ainda serve para fazer muitas cabeças baterem mundo afora. Com ou sem solos de guitarra.

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