Fazendo História

Dick Dale
O Homem Que Mudou a História do Rock’n’roll

Em 1997 o rei da surf music tocou no Brasil, mas o show do Rio foi cancelado por falta de público e não consegui entrevistá-lo. Corri muito atrás até obter o número da casa dele, no interior da Califórnia, para onde liguei numa manhã que o figura havia pré-agendado, via e-mail. Falando sempre na terceira pessoa, Dick Dale revelou coisas que difíceis de acreditar. Mas mito é mito e ponto final. Publicada na edição número 9 da Rock Press, de setembro de 1997. Foto: Divulgação.

dickdaleKing of the surf guitar, pai do heavy metal, rei do barulho, mais alto que o Mortörhead… São apenas alguns apelidos que Dick Dale conquistou ao longo de seus 40 anos de carreira. No final dos anos 50, Dale obrigou a indústria a desenvolver equipamentos especiais para criar o estilo único que o caracteriza. Chegou a se afastar dos estúdios por um longo período, alegando incompetência dos engenheiros de som.

Canhoto, ele toca sem inverter as cordas de sua guitarra, e costuma destruir impiedosamente cordas e palhetas, sem parar de tocar, a cada show… Nos últimos seis anos, voltou a fazer tours por todo o mundo, desbancando bandas mais novas com toda a sua potência ao vivo.

De volta à sua casa, na pequena Twenty Nine Palms, depois de uma rápida e tumultuada tour pelo Brasil – no Rio o show chegou a ser cancelado – Dick Dale fala, por telefone, de sua contribuição à história do rock, de como Jimi Hendrix aprendeu a tocar com ele, e como Quentin Tarantino criou “Pulp Fiction”, entre outras curiosidades. Com vocês, a história:

Fale sobre a tour brasileira…

Tudo que posso dizer é que o Brasil é o número um, tem a melhor comida que já comi em toda a minha vida. Em todos os lugares em que toquei, todo mundo gostou do show e todos se tornaram fãs de Dick Dale. Em Belo Horizonte, quando eu estava fazendo a passagem de som, acabei escrevendo uma música, e resolvi tocá-la no meio do show. O público levantou os braços e acompanhou, pois sentiu com o coração. Batizei a música de “Belo Horizonte”, e ela vai estar no próximo álbum.

Quando você começou a tocar, nos anos 60, tinha consciência de que estava criando um estilo?

Sempre fui interpretado de formas diferentes pelas pessoas no mundo da música. Quando faço algo, usando coisas da natureza, ou com o sentimento vindo da minha alma, a minha música passa a fazer parte disso. Se vejo em algum lugar uma parte bonita da natureza, minha música vai refletir isso; se eu ficar com raiva por causa de alguma coisa do Sistema, minha música vai refletir minha frustração por esse tipo de coisa. Não dou um músico, sou uma pessoa que toca instrumentos. Satriani, Eddie Van Halen, esses, sim, são músicos. Dick Dale é uma coisa que vem da selva, que toca o que sente.

Você está falando de sentimentos, mas e sobre as suas influências musicais?

A minha influência vem de pessoas que gostam do que vêem. Você não pode entrevistar Dick Dale, se não for vê-lo tocando. Quando você o vê tocando, aí vê o que acontece entre Dick Dale e seus fãs. Eu não planejo nada, simplesmente vou para o palco e toco o que sinto já na primeira música, olho para o público e vou em frente. Nunca toco uma música de uma mesma forma, porque não lembro como a toquei na noite anterior. Dick Dale é o rei do barulho porque destruiu mais de cinqüenta amplificadores e alto-falantes. Dick Dale mudou a história do rock’n’roll. Mas Dick Dale é realmente o rei do barulho, pois tem tocado com muitas bandas novas, e a única que tem limite quanto ao volume de som é a de Dick Dale! Na Warped Tour (festival itinerante que acontece nos Estados Unidos, com predominância de bandas punk), por exemplo, a maioria das bandas atingiu, no máximo, 95 decibéis, enquanto Dick Dale atingia 130. Por isso é que chamam Dick Dale de “louder than Motörhead” na Austrália.

Como você definiria surf music?

Definir surf music, ou definir Dick Dale music?

Qual é a diferença, na sua opinião?

O pessoal mais da antiga se refere à surf music para designar bandas como The Surfaris, Jean and Dean e Beach Boys, que faziam músicas de surf, letras sobre surf. É uma diferença muito grande. Dick Dale foi o princípio de tudo, não há ninguém antes dele. Ao invés de dizer surf music, é melhor dizer surf sound, que é aquilo que Dick Dale toca em uma guitarra especial chamada Stratocaster. Essa guitarra tem o corpo feito com uma madeira dura e seca. Dick Dale queria que seu som fosse bastante tribal, parecido com o de uma bateria. Ele queria os graves e agudos todos misturados, porque sempre tocava notas altas, médias ou baixas, nunca as três juntas. Leo Fender fez um amplificador especial para Dick Dale poder tocar tudo ao mesmo tempo, mais forte e muito alto, pois queria extrair o som de aviões decolando, o som de um grito, o som de uma grande onda vindo por sobre Dick Dale enquanto surfava. E foi por isso que as pessoas que surfavam com ele deram-lhe o nome de “King Of The Surf Guitar”. Tem muitas coisas nesse som que levaram as pessoas a identificá-lo com a música de Dick Dale, mas muitas pessoas também chamavam de surf music. Sempre falo em Dick Dale na terceira pessoa, porque se alguém está entrevistando Dick Dale, é porque está querendo saber um pouco da história, e Dick Dale é a própria história.

O que você acha dessa nova geração de surf bands?

As pessoas vivem perguntando para Dick Dale qual é a melhor, qual é a boa. Qualquer um que toque do fundo da alma e do coração, mesmo que tocando o instrumento pela primeira vez em sua vida, é bom. Músicos que ficam no palco fazendo poses e tocando escalas pirotécnicas são uma merda. Eu entro no palco pra botar pra fuder! Quando eu toco, não faço pose, toco o que sinto.

Acha que essas bandas copiam seu estilo?

Você pode criar ou destruir com seu talento. Pode ser um repórter ou um fotógrafo. Se você cresce, admiro o que você faz, e resolvo copiar você, é um compromisso muito grande. Por isso, se alguém disser que vai tocar algumas músicas como Dick Dale, talvez consiga, mas, e daí? Se eu puder, digo: toque com sua alma, e não com o seu ego.

Por que você parou de gravar álbuns por um tempo, e por que decidiu voltar?

Parei de gravar porque não queria continuar brigando com engenheiros, eles não conseguiam captar o meu som. Quando ouvi um dos meus primeiros álbuns, “Let’s Go Trippin’”, eu o joguei contra a parede, porque era muito ruim. Agora parece que eles já evoluíram um pouco… Em segundo lugar, o meu filho, Jimi, nasceu há cinco anos e, por isso, resolvi trabalhar mais para passar algo para ele.

Qual foi a sua reação quando Quentin Tarantino resolveu colocar “Miserlou” na trilha de “Pulp Fiction”?

Ele não decidiu colocar “Miserlou” na trilha. Primeiro as pessoas fazem um filme, para depois colocar a música. Quentin Tarantino não faz isso, ele acha uma música que empolga muito e começa a fazer o filme a partir dela. Quentin Tarantino procurou Dick Dale, e disse: “Dick Dale, sua música ‘Miserlou’ tem que ser um clássico do cinema, junto com ‘The Good The Bad and The Ugly’. Eu gostaria de ter a sua permissão para pegar ‘Miserlou’ e fazer um filme”. Eu disse sim, porque Quentin Tarantino é como Dick Dale. Ele questiona o Sistema. Ele agradeceu, e dentro de um quarto de hotel ouviu “Miserlou” diversas vezes e criou o filme “Pulp Fiction”, com a potência e o poder de “Miserlou”. É por isso que “Miserlou” é a faixa que abre o filme e o álbum. E é por isso que “Pulp Fiction” se transformou em um filme premiado em todos os festivais de cinema, e que rendeu 350 milhões de dólares. Se Quentin Tarantino não tivesse pedido a Dick Dale para usar a sua música para fazer o filme, Dick Dale não ficaria conhecido por todo o mundo por causa de Quentin Tarantino.

Você regravou “Third Stone From The Sun”, de Jimi Hendrix, no seu último álbum. Ele foi uma influência na sua música ou você é que foi uma influência na música dele?

Eu fui uma influência na música dele, porque vim antes de Jimi Hendrix. Conheci Jimi Hendrix quando ele tocava baixo na banda de Little Richards, num bar em Pasadena, para uma 50 pessoas. E Jimi costumava ir aos meus shows, sempre perguntando como fazia isso, como fazia aquilo… Mas dediquei essa música para ele porque essa mesma música ele dedicou para mim, quando soube que eu estava morrendo de câncer. (Na época, Dick Dale havia sido desenganado pelos médicos, que lhe deram menos de três meses de vida).

Por que você só decidiu ter um filho aos 55 anos de idade?

No começo, resolvi que não teria filhos, mas um dia minha esposa disse que seria interessante termos um. Argumentei que não seria uma boa idéia, que ela teria que deixar de fazer várias coisas e ficaria preocupada com outras. E ela disse que seria muito triste eu deixar esse mundo sem passar o que eu tenho em mente, na alma, meus sentimentos, para alguém. E eu disse: “Obrigado”. E então tivemos o pequeno Jimi que, com 5 anos de idade já toca bateria como se fosse gente grande. E agora está aprendendo a tocar guitarra, da mesma forma que eu aprendi.

Está mais feliz agora, com ele?

Bem, são duas formas de vida, eu era muito feliz antes de tê-lo, mas estou muito, muito feliz agora, porque ele me deu uma nova lição de vida.

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