Rock é Rock Mesmo

O que sobra em Montreux falta ao Tim Festival

Por que cargas d’água o rock, precursor da coisa toda, não tem vaga no ecletismo acadêmico de um antropólogo?

Meus amigos, o que é a dor. E o que é a perda. E o que são as mudanças, para lá e para cá. Aos poucos – isso é certo – as coisas vão se ajeitando. E tudo passa, tudo sempre passará. Ou, por outra, o “pra sempre” sempre acaba. O fato é que é o tempo a nos jogar para um lado e para o outro. O que há um ano era uma coisa, hoje é outra. E o que hoje é de um jeito, como será daqui a um ano? Dúvidas que fustigam os homens antes e depois da invenção do rock e da juventude.

Não sei se me faço entender ou se complico, mas o fato é que há tanta coisa no menu que eu não sei o que comer. Ontem, por exemplo, assistia a um DVD do Korn, quando, em meio às anotações que faço para depois escrever uma resenha, salientei que precisava preencher uma coluna falando sobre particularidades do Tim Festival. Sim, a maior festa dos modernos de que se tem notícia por estas plagas. Anotei a nem tão súbita idéia pensando em torná-la palpável nas proximidades do grande evento, que costuma acontecer em outubro, como bem manda o bom jornalismo e seus ganchos, mas decidi virar as costas para as regras e rasgar eu próprio um dos meus diplomas – se tantos já fizeram isso, por que não eu, Paula Toller?

Disse que assistia a um DVD do Korn e me lembrei do TIM Festival, mas logo ressalto que nada tem a ver uma coisa com outra. Poderia ter, sim. Digo isso não pelo show do Korn em si, mas por causa do local onde ele aconteceu. O show, um dos últimos com a formação clássica do Korn, antes de um Fulano virar crente e outro Beltrano ir viver de fazer e servir comida, aconteceu na trigésima oitava edição do Montreux Jazz Festival, na Suíça (não no Canadá como andei lendo por aí), também conhecido como Festival de Montreux. (Por incrível que pareça, escrevo essas linhas e ouço o quarto disco do Garbage, “Bleed Like Me”, de 2005, pela primeira vez. E estou gostando).

Mesmo sendo um festival de Jazz, Montreux se aprimorou em, além do jazz, digamos, de raiz, dar um panorama do rock, do pop, e da música mundial, programando atrações que vão do clássico Deep Purple à world music de Youssou N’Dour, de Ella Fitzgerald a Alice Cooper, de Johnny Cash ao Korn. A série de DVDs que vem sendo lançada pelo festival é um belo retrato da variedade sonora desse planeta - gostemos mais de uns, desconheçamos outros. Não quero aqui fazer a apologia do eclético, tão malfadado em tempos de globalização, mas vou usar Montreux para chegar ao Tim Festival. Isso porque o Free Jazz, o ancestral do Tim Festival, em tempos de liberdade tabagista, foi criado justamente com Montreux como referência, fato assumido sem nenhum problema pelos idealizadores do festival. Assim, tinha espaço no evento nomes ligados ao classic rock, ao blues, ao jazz. Jeff Beck, o recém falecido Jeff Healey, BB King e Buddie Guy, só para citar os que me vêm da memória, tocavam na edição em que um Sonic Youth ou um Sigur Rós da vida também comparecia. (Agressivo esse disco do Garbage, hein? Cheio de guitarras…)

Em um determinado momento, depois da entrada de um antropólogo para a curadoria, a coisa desandou e fez o TIM Festival virar uma tremenda festa de modernos sem pé nem cabeça. Raipado e com centimetragem garantida na grande mídia, fez desse estudioso da humanidade uma grande piada do ponto e vista o conteúdo e do formato quadrado. Podem ver se não é assim que se monta a programação do festival. Um palco sagrado para a curadoria original, mais dois para modernidades e bizarrices ecumênicas de lugares esquisitos. Dentre esses dois, as subdivisões são claras. Há sempre um “medalhão de segundo escalão” dos anos 80 (Television, Paul Weller, Patti Smith); um artista ligado ao rap e adjacências (Beastie Boys, MIA, Public Enemy); bam bam bans da música eletrônica (Kraftwerk, Daft Punk, Fatboy Slim); novíssimas bandinhas indies (Strokes, White Stripes, Arctic Monkeys) e DJs desconhecidos a dar com o pau, que só funcionam em seus guetos, tanto que acabam liberando as catracas para garantir o público já na alta madrugada.

Falava eu, em bom tom, do ecletismo do Festival de Montreux, e, em tom péssimo, do Tim Festival, cujo formato é também variado. Faço a diferença, ao perguntar se, na ótica antropológica, não há espaço para um Alice Cooper, um Carlos Santana, um Yes, um Eric Clapton, um Joe Satriani, ou, quem sabe, para um Korn, cujo show lá em Montreux, transformado em DVD, me levou a materializar o que há tempos venho matutando. Por que cargas d’água o rock, precursor dessa coisa toda, não tem vaga no ecletismo acadêmico de um antropólogo? (Shirley Manson suave e rascante nesse disco do Garbage).

Não que eu não tenha me esbaldado em show legais como os do Wilco, Sonic Youth, Strokes, White Stripes e Primal Scream, para citar exceções que justificam o uso do chavão “separar o joio do trigo”. Só que um ou dois shows por edição, para um festival badalado como esse, é muito pouco, não é não? E vejam que, no ano passado, findo precocemente o rock, com o ótimo show do Killers, tive que sair batido para descolar um Napalm Death no Circo Voador. Em 2006, foi preciso ver o G3 no Citibank Hall e correr para encontrar o Beastie Boys, a única atração relevante da última noite – e olha que o show foi assim, assim.

Bem, meus amigos, dizem que em time que está ganhando não se mexe. E, como sucesso de mídia, o Tim Festival é imbatível. O que quer dizer que as coisas devem ficar como estão. E eu – claro – não poderia ficar calado. Mas, com o tempo, aos poucos – isso é certo – as coisas vão se ajeitando. Sempre foi assim, antes e depois da invenção do rock e da juventude.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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