Fazendo História

Capital Inicial
Uma nova banda nascida nos anos 80

Em entrevista feita por telefone, à época do lançamento do disco “Gigante”, em 2004, Dinho admitiu a “má influência” de Bozzo Barreti, que toda a banda não sabia tocar ou compor direito, e de como, no fim das contas, o rock é que reconduziu o Capital ao sucesso, depois de tanto tempo. Publicada na Dynamite número 74, de julho de 2004. Foto: Divulgação.

capital-inicialDe todas as bandas que surgiram no “boom” do rock dos anos 80, e dentre aquelas que acabaram e voltaram à ativa nos últimos anos, o Capital inicial pode se orgulhar de ser a única que hoje desfruta de um sucesso maior do que o daquela época. Para muitos dos novos fãs, inclusive, a grupo sequer pertence à geração de Renato Russo, Cazuza e cia. Outra marca é que, mesmo tendo gravado um disco acústico em 98, Dinho Ouro Preto (vocais), Yves Passarell (guitarra), Flávio Lemos (baixo) e Fê Lemos (bateria) se mantém fiéis ao rock que conquistou espaço no mercado brasileiro há mais de vinte anos.

O Capital acaba de lançar “Gigante”, o primeiro disco em que o guitarrista Yves Passarell participou efetivamente dos arranjos, despejando generosas doses de guitarra e fazendo deste o disco mais pesado da banda desde o seu retorno. Yves, para quem não se lembra, fez parte do Viper, banda seminal para o heavy metal nacional, de onde saiu o vocalista André Matos, que passou pelo Angra e hoje está no Shaman.

Em entrevista exclusiva, um sincero Dinho fala sobre esse novo disco, totalmente voltado para o rock, da vitoriosa parceria com Alvin L., como é ser novo aos 40, e de toda a sorte que o Capital teve nesta segunda fase. Confira:

Como Rolou a gravação do “Gigante” e por que esse nome?

Foi gravado quase ao vivo, em três semanas. Foi só o quarteto, não tem nem teclado nem percussão, todas as guitarras foram feitas pelo Yves e tem poucos overdubs. Antes de entramos no estúdio passamos a maioria das composições, que foram feitas por mim, o Yves e o Alvin, para o Fê e para o Flávio, e durante dez dias eles pegaram. Só uma música que era do Flávio (“Sorte”), ele é que nos passou. Tem uma que é do Pit (Passarell, irmão de Yves) e do Yves, e outra que é só do Pit. Este disco traz muitas coisas em comum com o “Atrás dos Olhos”, o disco do nosso retorno, de 98. A idéia do nome é que eu queria criar um símbolo, como o porco do Pink Floyd, o Eddie, do Iron Maiden. Na contra capa tem o “Gigante”, que vai fazer parte o cenário da turnê.

O som mudou por ter o Yves na banda, até por ele ter um berço heavy metal?

Este disco tem uma pegada mais nervosa, embora o “Atrás dos Olhos” também tivesse. O Yves é mais preciso como guitarrista.

Ficou mais pesado também…

Nessa nova fase do Capital tem o “Rosas e Vinho Tinto”, que é a pegada do Loro; tem esse que é a pegada do Yves; e o anterior, sou eu. Porque naquele disco não havia guitarrista. A saída do Loro foi a coisa mais demorada do mundo, nós achávamos que o cara tava numa crise e que iria passar. O resultado é que as composições que tinham sido feitas por mim e pelo Alvin, que sempre são no violão, acabaram ficando desse jeito. O Yves colocou algumas guitarras em cima das bases que estavam prontas, mas elas essencialmente ficaram do modo como foram compostas, por dois caras que não são guitarristas. Com a entrada do Yves ficou claro que há uma direção. O fato de ele ter essa bagagem metal, talvez os músicos de metal sejam melhores, mais virtuosos. Quem tem uma origem punk não tem esse tipo de diálogo, mais harmônico. E ao longo dos anos talvez nós tenhamos aprendido a tocar, e para nós é melhor se relacionar com o cara que fale essa linguagem. A entrada do Yves foi a melhor coisa que aconteceu. E não é só no disco, no palco também, é outra atitude diante da platéia. Acabamos fazendo um disco que é o mais pesado de todos, fora o primeiro, que foi gravado num contexto onde você não botava as guitarras pesadas.

Como rolou de fazer, de novo, uma versão como primeiro single?

É de uma banda meio new wave bem do começo dos anos 80, o Les Rita Mitsouko. Era a época do auge da Siouxsie, Echo, e o single deles explodiu na Europa. Essa é a segunda música dos caras. Eu tinha ficado com a pulga atrás da orelha para fazer essa versão há uma pá de tempo. A idéia era mostrar para a garotada brasileira versões de músicas que não são de bandas americanas, nem inglesas nem australianas, mas latinas. Eu tentei fazer uma tradução literal e não consegui. Aí optei por uma versão fonética, e o que era sobre drogas acabou ficando sobre sexo. A gravadora queria que o single saísse enquanto o disco ainda tava sendo fabricado. Combinamos que as duas primeiras músicas fossem de rock, não queríamos balada. Escolhemos seis singles e mandamos para eles. Eles votaram e essa foi a escolhida.

Não há “la la la” que um presidente de gravadora não resista…

Mas não foi ele, eles juntam o staff inteiro para resolver isso, acabou esse negócio de diretor artístico, ninguém mais põe a bunda na reta. Nós não nos metemos, porque partimos do princípio que nós não somos os melhores juízes, e que as 12 músicas que estão lá são boas. O segredo é nunca colocar, entre elas, uma música na qual você não sente firmeza, senão acaba sendo a música de trabalho uma que você não gosta, você cai numa cilada como o Los Hermanos.

Fale sobre a parceria com o Alvin L., que é uma figura fundamental no novo Capital:

Eu o conheci num bar em São Paulo chamado Napalm. Era um lugar antológico, o João Gordo era o porteiro, só para você ter uma idéia, e o Alvin tinha uma banda chamada Os Rapazes de Vida Fácil, que devia ser a pior banda do planeta…

Da música “Adriana na Piscina”…

Exatamente. Nós tínhamos muitos amigos em comum, e acabamos nos aproximando. Vimos vários projetos dele virem e sumirem, até que em determinado momento ele se deu conta que o negócio dele era ficar atrás das cortinas, e desde então nós não paramos mais, quase todos os discos do Capital foram feitos, principalmente esses da volta, por nós.

A música “Maria Antonieta” foi para homenagear alguém em especial?

Ela foi baseada na Paris Hilton, quando ela veio aqui falou que queria ir embora de países pobres. Mas é Paris Hilton combinado um pouco com essas revistas brasileiras onde você vê os ricos tirando onda. Eu acho aquilo ofensivo e você vê muitos jovens conservadores que querem ficar na casa dos pais, a maioria de direita. Isso é meio “emputecedor”, merecia uma música.

O que você acha do Capital, que, diferentemente de outras bandas dos anos 80, tá fazendo mais sucesso quando voltou do que antes?

A banda chegou a parar, todos nós chegamos a procurar outro emprego, eu já tinha dado minha carreira musical por encerrada. 97 foi o ano em que parou tudo, todos tinham dado tudo por encerrado. Nos anos em que eu fiquei sozinho, eu tive que aprender a me virar, a compor, eu e o Alvin sozinhos. Eu tive uma experiência com um projeto até meio atípico, uma mistura de rock com música eletrônica, com o Suba, um produtor que morreu há uns dois anos. Uma das coisas que quando gravamos juntos nós combinamos de fazer era que ele me ajudasse a me livrar dos meus maneirismos dos anos 80.

Você acha que isso ainda está presente nas outras bandas?

Eu tava mais me referindo a mim, porque eu mudei muito o meu jeito de cantar, abaixei o tom de todas as músicas. Eu queria ser o Renato (Russo, da Legião Urbana), cantava num tom mais alto que o meu. Em termos de composição nós largamos aquelas músicas abstratas sobre sentimentos onde ninguém sabe bem sobre o que você tá falando, e passamos a falar sobre coisas mais claras, sabendo exatamente onde queríamos chegar antes de começar a escrever, indo mais direto ao ponto. Mas eu também fico me perguntando: que caralho deu nessa gente depois de 20 anos de carreira?

Tem gente que nem sabe que o Capital nasceu nos anos 80…

Acontece o tempo todo, a garotada nos chamando de banda nova, o que para nós ao mesmo tempo dá orgulho de poder ser confundido com uma banda nova, mas uma certa dose de frustração, de você achar que tudo que você fez ao longo dos anos foi em vão.

O álbum acústico foi uma imposição da gravadora ou vocês estavam nessa onda?

Aquilo foi combinado quando nós assinamos com a Abril, e a nossa preocupação maior era que a nossa volta não fosse percebida como nostalgia, de as pessoas irem nos ver para lembrarem como eram legais os anos 80. Achávamos que era legal, logo de cara, apresentarmos material novo.

Isso responde um pouco a pergunta anterior.

Exatamente, se eu fosse, aliás, fazer uma comparação com as outras bandas da geração dos anos 80, esse sim eu apontaria como o calcanhar de Aquiles. Nós tivemos uma obsessão de lançar coisa nova, tanto é que o show novo só tem três músicas dos anos 80, “Independência”, “Fátima” e “Veraneio Vascaína”. Ficávamos olhando outros exemplos e a única banda que eu via numa situação parecida com a nossa era o Aerosmith, eles refizeram a carreira deles. Era isso que nós precisávamos fazer. Aí quando reunimos a banda a preocupação inicial era logo fazer um disco de carreira, depois queríamos mostrar para as pessoas o que tinha sido feito nos anos 80 e logo na seqüência passar a diante. Não sabíamos se iria ser um ao vivo ou um acústico, e a gravadora e a MTV quiseram o acústico. Agora, um negócio que eu acho fundamental dizer é que o Capital, de vinte e poucos acústicos, foi a única que teve uma só noite de gravação, não tem nenhum overdub. Ninguém esperava que vendesse mais de 100 mil cópias, nem a gravadora, nem a MTV, nem nós.

Por que?

Porque o Capital era uma banda média e as expectativas eram modestas. Hoje a MTV usa como exemplo, a gravadora tá falando que sabia, e nós repetimos a história de que ninguém esperava por essa merda. Talvez onde eu esteja querendo chegar é que tá, o Capital se disciplinou, aprendeu a tocar melhor, a escrever melhor, mas nós também tivemos uma dose incomensurável de sorte, de um projeto que se esperava muito pouco e que tomou uma proporção gigantesca, que fez com que as pessoas olhassem melhor os outros discos também. Porque aí começou a vender mais os outros discos, esse está tendo mais atenção.

Por que vocês fizeram um acústico, se já tinha um disco legal como esse para fazer?

Não tínhamos ainda esse disco. E verdade seja dita, talvez o nosso melhor momento seja agora, porque agora as pessoas vão prestar atenção nele, agora é que todos os jornalistas tão ligando e falando bem do disco. E ao mesmo tempo estamos fazendo de tudo para nos afastar o mais rápido possível do acústico. Nós não ficamos presos à fórmulas, não tentamos ser mais popular, mais romântico ou adulto. Rock’n’roll brasileiro é só o que sabemos fazer.

Sobre as letras políticas de antigamente, você acha que elas não cabem hoje?

Acho que não faltam causas ao Brasil, mas as certezas políticas se diluíram. Nós, por exemplo, todos votamos no PT, fomos nos encontrar como o Lula, fizemos a campanha da Marta, viramos situação e agora estamos encabulados como esse episódio do jornalista americano. Não é que não faltem causas, tem pobreza, miséria, mas eu também acho que é difícil você não soar panfletário, e ao mesmo tempo é difícil você não soar repetitivo. Aquelas letras foram feitas numa época de profundo maniqueísmo, onde era muito claro o que era o mal, éramos nós contra eles. Mas eu acredito que músicas como “Vendeta”, “Maria Antonieta” ou “Sexo & Drogas”, que são carregadas de cinismo, têm o seu conteúdo político também.

Até que ponto você acredita que a entrada do tecladista Bozo Barreti prejudicou o caminho que o Capital iria seguir?

Foi o maior erro da minha carreira. Eu nunca tinha pensado em me tornar músico profissional, comecei a cantar com o Capital com 19 anos. Não tinha preparo nenhum, não sabia tocar instrumento, não sabia escrever, não sabia porra nenhuma. Nós tivemos três anos para preparar o primeiro disco, e quando chegou o segundo eu me dei conta que nós não iríamos conseguir, não éramos músicos a altura daquele trabalho. Levamos três meses para fazer “Leve Desespero”. Se você multiplicar por 12 músicas, você vai levar três anos para preparar um disco. Eu disse: vai ter que entrar alguém nessa banda que saiba tocar. Chamamos o Bozzo, que era um músico de estúdio, tinha participado da gravação do primeiro disco. Ele tinha uma formação da época do Arrigo Barnabé, era virtualmente um músico clássico, não tinha nenhuma das referências que nós tínhamos. De fato com ele nós conseguimos produzir os discos seguintes, só que com a mão muito pesada de um tecladista se sobrepondo a três outros músicos que não sabiam tocar. E isso comprometeu todo o resto, foi uma grande cagada.

Ele ficou um tempão na banda…

Quatro anos. O ponto alto da participação dele é o pior disco do Capital, que é o “Você Não Precisa Entender”. A partir dali nós percebemos que aquilo tinha dado errado. Passamos a puxar o Bozo para trás, tentar botar as guitarras mais na frente. Dali saiu mais um disco, a saída dele desequilibrou a banda e nós percebemos que o Capital tinha virado uma banda pop, e a banda acabou.

Então vocês perceberam que a banda ficou pop e não era mais legal…

É, também não somos idiotas. O maior problema dos artistas é a auto-indulgência, raramente o cara poder fazer o julgamento certo dele mesmo. Só que nós tivemos cinco anos para ruminar esse problema.

Como é tocar para a garotada nova aos 40 anos?

Para mim um exemplo de envelhecer com dignidade são esses blueseiros, um BB King, Chuck Berry, eles tocando o mesmo som que eles tocavam há 40 anos. Se Tom Jobim fosse vivo estaria fazendo bossa nova, o Caetano continua tocando mpb. No entanto, com o rock’n’roll, no Brasil, acontece uma coisa curiosa, em determinado momento todos os roqueiros brasileiros começam a achar inadequado o que eles fazem, precisam se tornar mais “adultos”, mais sérios, e, em geral, mpb. E o rock é só o que eu ouço, é só o que eu tenho em casa, é só o que eu sei fazer e não vejo motivo nenhum para eu reconsiderar. O que acontece na verdade é o inverso, nós mantemos os princípios de simplicidade, que falam ao coração dos garotos, não é uma tentativa deliberada, do tipo “o que faremos para falar pra juventude?”. Da mesma forma que se tivesse um moleque de 18 anos que tocasse violino e gostasse só de música erudita, em geral a platéia para quem ele tocaria seria de gente mais velha.

Há previsão de lançamento dos dois primeiros discos? Vocês correm atrás disso?

Eles lançaram uma caixa com 20 mil cópias, e não fizeram de novo. Nós corremos atrás para que eles lançassem esse pacote, na época tinha um presidente lá que era meio hostil conosco, o Marcelo Castelo Branco. Ele saiu e esse cara que entrou agora é mais gente boa, vamos tentar convencê-lo a lançar esses discos sim.

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