Rock é Rock Mesmo

O tamanho do rock

Queremos a volta dos shows de rock em locais que tenham o tamanho do rock; só o rock pode salvar a Lapa, e cabe ao Teatro Odisséia voltar às raízes.

Meus amigos, tamanho não é documento. Ou, por outra, pode até ser. Mas qual o tamanho certo? Qual o tamanho do rock? Confesso que este texto está postado como se fosse do dia 24, quinta, mas na verdade o escrevo depois do final de semana. E, se é assim, posso falar de eventos que aconteceram depois disso. Desculpem-me a cara de pau, mas é assim mesmo. Há um tempão, assim que comecei a escrever em revistas de rock, a editora de uma delas me disse que o público consumidor desse tipo de publicação, aqui no Rio, não passava de mil pessoas. Para ela, que decidiu ser uma feliz bancária de carreira, era esse o tamanho do rock.

Fui dormir tarde ontem, assistindo/ouvindo a espetacular caixa que comemora os 25 anos do RPM, o maior fenômeno do disco brasileiro em todos os tempos. Um único disco deles, o segundo, gravado ao vivo, vendeu cerca de 2,5 milhões de cópias, levando a banda a fazer 200 shows em um ano e meio, e a ver uma música tocada no rádio 85 vezes num único dia. Lá pelos idos de 1984/85/86, era esse o tamanho do rock. Um tempo que ainda não havia bunda music ou sambrega, muito menos mulher com nome de fruta mostrando o traseiro. Uma verdadeira maravilha só não percebida por um Pedro Bial pré-animador de auditório. Mas isso é papo para quem viu DVD do RPM – haja letrinha.

Na sexta, ou melhor, no sábado, debutei no Cinemathèque Jam Club, uma casa aqui no Rio que já apresentou shows legais em seu um ano e pouco de existência, mas que, por um ou outro motivo eu nunca tinha ido. Queria voltar a ver Wander Wildner tocando ao vivo de novo, ainda mais lançando disco. Ao chegar no lugar, descobri que um outro show já estava acontecendo, e que o do punk brega teria uma “hiper-atrasadinha”, como fez questão de avisar a simpática recepcionista. Teríamos todos que aguardar a saída do público dessa outra banda, cover de Chico Buarque, descobri depois, para então chegarmos, enfim, a Wander Wildner.

Ocorre que o local não é uma casa de shows. Trata-se de um bar classemediano instalado numa ex-casa de dois andares, cujo andar de cima é o local onde acontecem os shows. Um lugar pequeno, mal estruturado, praticamente sem palco e, por diminuto, estava lotado de fãs do punk brega. Os amigos sabem que eu não resido em nenhuma mansão, mas o local onde o show aconteceu deve ser o tamanho da minha casa, subtraindo-se as paredes e áreas molhadas. Digo isso para vocês terem uma idéia de onde tocou Wander Wildner. No sábado, esse era o tamanho do rock, lá no tal Cinemathèque.

Ora, meus amigos, Wander Wildner não é nenhum popstar, mas representa muito bem o mercado médio que o rock tem construído a duras penas nesse Brasil varonil. Sua carreira solo começou lá pelos idos de 1996, quando ele próprio organizou o Festival Fora da Lei, no Circo Voador, e se auto-lançou. De lá pra cá se transformou num legítimo andarilho do rock, ou de sua música, identificada como algo que lhe é bem próprio, peculiar mesmo. Wander já tocou em tudo o que é buraco, e, além do Circo, aqui no Rio já fez shows com boa presença de público no Cine íris (em várias festas Loud!), no Teatro Odisséia, no finado Ballroom e o escambau. Se era esse o tamanho do rock, por que diabos colocaram o novo show de Wander num sobradinho na Voluntários da Pátria?

Citei o Teatro Odisséia não ao acaso, ou por ter sido esse o primeiro nome que me veio à cabeça. Mas porque, 1) As duas casas, Cinemathèque e Odisséia, pertencem ao mesmo dono, e 2) Nunca mais teve show de rock no Odisséia, que esboçava ser a Meca do gênero na cidade nesses anos 00, assim como o Circo foi os 80, e o Garage, nos 90. Encravada na Lapa, no meio da muvuca multicultural, a casa deixou o rock do lado para dar espaço a gêneros, mais digamos, ecumênicos. Assim, o Odisséia se iguala à maioria de casas da região, com música brasileira de gosto duvidoso que explora a diversificação cultural para atrair turistas desavisados. Perde a chance de ousar com o rock, e ainda faturar com o transeunte curioso, o tal “Lapa people”, que circula por ali, e acaba entrando só para ver qual é.

Sabemos todos que rock independente não tem dado camisa pra ninguém, mas isso só muda se há o investimento no novo, no diferente. E o diferente, numa Lapa entregue a culturas pseudo-intelectuais e aos ecléticos contemporâneos, é o rock. E repito: só o rock pode salvar a Lapa desses sujeitos. Ok, que isso não seja possível diariamente, ou a cada final de semana, mas há que e descolar uma quinta aqui, um domingo acolá, pra gente ver se aumenta o tamanho do rock. Ademais, bem que esse público que lota os shows de gosto duvidoso podem ser úteis como “trem pagador” para o rock, ao menos até que ele volte a se estabelecer, não com tanta força como nos tempos do RPM, mas com um pouco mais de tamanho do que um acanhado sobrado em Botafogo.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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