Fazendo História

Hasta la vista… baby!
O que vem depois dos Ramones

Em março de 1996, fui até o Hotel Intercontinental, em São Conrado, no Rio, fazer a única entrevista concedida pelo Ramones a um veículo brasileiro na turnê de despedida do grupo. Feita por um neófito no jornalismo, para um veículo que acabava de estrear, essa entrevista expõe perguntas ingênuas e sinceras de quem era, ainda, mais fã e menos profissional. Matéria de capa da edição número 2 do Jornal Rock Press, de junho de 1996.

A maior banda punk de todos os tempos vai acabar. Isso mesmo, depois de mais de 20 anos de carreira, 16 álbuns lançados, fora coletâneas e participações, os Ramones, precursores de gerações de bandas, fizeram sua última tour no Brasil e Argentina.

Os inconsoláveis fãs não entendem o porquê, afinal de contas, entre os altos e baixos da carreira da banda, os três acordes distorcidos sempre deram a tônica ao som dos Ramones. E falar de diferenças musicais em uma banda que nunca mudou a sua forma de tocar não chega a convencer o mais ingênuo ser vivo.

Joey Ramone tem várias explicações, mas nenhum chega a convencer nem a si mesmo. Fazer um programa de rádio, promover a cena underground de rock de Nova York, continuar com sua outra banda, o Resistance (projeto com ex-membros do Television e da banda de Richard Hell)… Nenhuma das alternativas é suficientemente convincente, pois todos os projetos já existiam paralelamente ao Ramones. Talvez a sua dependência de heroína é que não o deixe continuar com essa maratona.

Johnny Ramone não tem futuro certo, e, provavelmente, fará algum trabalho ao lado de Dee Dee Ramone, outro desempregado, que, apesar de ter saído há seis anos, ainda compunha para a banda (do último álbum seis músicas são suas), o que lhe rendia alguns direitos autorais.

Já Marky não ficou parado e formou com o vocalista Skinny Bones (seu parceiro em algumas músicas dos Ramones) o Marky Ramone And The Intruders, já com um álbum pronto que deverá ser lançado lá fora em junho ou julho. “São 14 músicas, é um álbum de punk rock muito bom, pois é como Ramones, rápido e energético”, conta Marky, que promete voltar com sua banda ao Brasil em setembro. Ele vai apresentar suas novas músicas e poder mostrar outras de autoria da dupla, já gravadas pelo Ramones, mas nunca tocadas ao vivo. É o caso de “The Job That Ate My Brain” e “Anxiety”, do álbum “Mondo Bizarro”, e de “Have a Nice Day”, do álbum “Adios Amigos”.

Mas só CJ, o mais novo e mais jovem dos Ramones, é que tem um caminho mais sólido a seguir. Sua outra banda, Los Gusanos, acabou de gravar o segundo álbum, e deverá sair em tour assim que os Ramones se separarem. Apesar de ainda não terem gravadora no Brasil, sua tour deverá passar por aqui (o que não será novidade, já que os Los Gusanos tocaram em São Paulo em fevereiro de 95).

CJ vive a típica encruzilhada dos 30 anos. Pertence a uma legendária banda da qual era fã, mas que não tem mais aquela energia do início da carreira. Energia que CJ tem de sobra e quer aproveitar com sua nova banda, consciente de que os Ramones têm mesmo é que acabar. Só que essa situação o incomoda a ponto dele ficar emocionado ao falar sobre o assunto, afinal não é fácil admitir, como integrante, nem de aceitar, como fã, o fim da maior banda punk de todos os tempos. Entenda a separação e conheça um pouco mas o Los Gusanos, nessa entrevista exclusiva que só mesmo a Rock Press poderia ter descolado pra você.

Como foi tomada a decisão de encerrar a carreira da banda?

Eu acho que foi quando nós terminamos o último álbum. Nós concluímos que tínhamos feito realmente um bom trabalho. E você decide terminar com uma banda quando faz um bom álbum, e não lança um álbum do tipo padrão Ramones. Então pensamos: ainda estamos tocando bem o vivo e acabamos de lançar um bom álbum, é hora de terminar com a banda.

Você concordou ou foi contra essa decisão?

Eu concordei, atualmente acho que a banda deveria ter se separado já no final do ano passado.

Você está cansado das tours?

Não, não é cansaço, mas é que eu não acho necessário para o Ramones continuar existindo, eu não vejo a razão. É claro que entendo que os fãs vão sentir saudades, e algumas pessoas acham que deveríamos aproveitar mais o sucesso, mas eu não vejo por que. A banda existiu durante 21 anos, e alguns meses não vão fazer diferença.

A banda toda pensa dessa forma?

Realmente não sei, todos mudam de idéia, desde o começo até o fim de uma separação. Há a idéia de tocarmos ainda no próximo Lollapalooza, como a atração principal. Não acho esse festival ideal para os Ramones tocarem, ele é feito para bandas que estão buscando o mainstream, e os Ramones realmente não precisam disso. A única razão para tocarmos lá é o dinheiro. Não é como aqui, na América o Sul, onde nós sabemos que vão ser os últimos shows que vocês terão. Eu não gostaria de ir ao Lollapalooza, mas se toda a banda quiser, não serei eu o responsável pela sua ausência.

Vocês chegaram a pensar em consultar os fãs sobre essa decisão?

Todos iriam dizer que não deveríamos nos separar! Mas as mesmas pessoas que dizem hoje que nós não devemos nos separar são aquelas que, há dois anos, quando fracassamos com um novo álbum - desculpem-me, não muito bom – diziam que deveríamos ter acabado há muito tempo. Quando você toma uma decisão, algumas pessoas estarão sempre discordando. Mas eu acho que a banda vai terminar.

É verdade que vocês convidaram Iggy pop pra abrir o último show da banda?

Não, eu ainda não sei nada sobre isso. É possível, já que todos na banda são fãs dele.

Ozzy Osbourne sempre anuncia sua última tour, mas não consegue parar. Vocês acham que conseguirão?

Se os Ramones resolverem voltar para fazer uma tour depois de terem terminado, terão que fazê-la com Dee Dee, porque uma vez que eu comece a fazer tours com o Los Gusanos, terei esquecido os Ramones. Não é que eu não goste os Ramones ou da música dos Ramones. Todas as vezes que vejo uma banda que já terminou, voltando para uma tour, para mim soa como algo estúpido. O Led Zeppelin, por exemplo. Eles se separaram quando o baterista morreu, eles foram heróis do rock’n’roll, e, de repente, eles voltam e começam a fazer shows, e soam como merda. É ridículo!

Nós vimos o show deles (Page & Plant) no começo do ano e adoramos…

É terrível, soam como merda!

E a volta do Buzzcocks?

É estúpido também. Parece que o Sex Pistols também estão pensando em voltar. Eles são legendários, quebraram todas a regras, eram terríveis ao vivo. E agora voltarão de uma forma certinha, jamais será a mesma coisa. São velhos e gordos agora. O que eu não entendo é que John Lydon está cuspindo dinheiro, então, por que fazer isso? Para se tornar popular de novo? Eu realmente não entendo.

O fato dessa tour ser a última tem atraído maior público?

Provavelmente, muita gente tem vindo nos ver por ser esse o último show, é a última chance para todo mundo.

Quando vocês estiveram no Rio da última vez, tocaram em um palco muito pequeno (Circo Voador), e desta vez vão tocar na maior casa da América Latina (Metropolitan). Qual você acha que será a diferença?

Eu prefiro os lugares menores, porque pra mim, punk rock e rock’n’roll não pertencem às grandes arenas. Quando você toca em um pequeno clube, você tem os fãs bem perto e pode vê-los enlouquecendo, pode sentir o público, isso me deixa mais excitado para tocar. Mas quando é um grande show, e há um grande espaço entre a banda e o público, é muito ruim. Não é o que o punk rock e o rock’n’roll devem ser, pois são dois tipos de música que devem pertencer ao público, extravasar a sua rebeldia. Mas como pode haver rebeldia quando se tem milhões de dólares, quando você sai em uma grande limusine… não é rock’n’roll para mim. Não estou dizendo que se ganhasse muito dinheiro eu não seria feliz. Se ganhasse muito dinheiro eu seria feliz, sim, mas porque poderia comprar minha casa, poderia abrir o meu próprio negócio e colocar todos os meus amigos para trabalhar lá. Não por ter uma grande mansão ou um carrão do ano. Muitas pessoas hoje em dia pensam que isso é rock’n’roll: ter muito dinheiro e sair por aí gastando. Isso é uma idiotice!

Você entrou para a banda há pouco tempo, no álbum “Loco Live”, e a banda já vai acabar. Deu tempo para aproveitar bastante?

É claro que eu aproveitei cada minuto! Mas “Loco Live” é um álbum terrível, a produção é muito pobre. Acho que é o pior álbum dos Ramones de todos os tempos. Ele e o “End Of The Century” são os dois álbuns do Ramones de que eu não gosto.

E o “Mondo Bizarro”?

É um bom álbum, mas acho a produção muito limpa, deveria ter mais raiva, mais distorção.

Como foi a história de você ter abandonado a Marinha para tocar com os Ramones?

Eu tinha 21 anos e estava na Marinha, era uma coisa muito legal, porque as pessoas lá não faziam nada além de festas, tomar drogas, e eu estava sempre viajando. Eu tinha uma banda heavy tipo Iron Maiden.

E o seu ídolo era Steve Harris…

Não, era Geezer Butler, do Black Sabbath. Gosto dele também, mas prefiro o Geezer. Não deixei a Marinha para entrar para os Ramones, eu já havia saído, mas não de uma forma legal, eu simplesmente disse “fodam-se” e saí. Fiquei como desertor por um ano, e soube que os Ramones estavam precisando de um baixista. Eu só queria conhecer a banda, tocar umas duas músicas, agradecer e ir embora. Depois de uma semana, eles me chamaram de volta para tocar mais um pouco. E depois voltei várias vezes em dois meses, e comecei a pensar que talvez me transformasse num Ramone. Então, voltei à Marinha para pedir a minha liberação e aí, fui preso. Fiquei preso durante um mês e pensei que os Ramones tinham arranjado outra pessoa para a vaga, mas eles me disseram para eu não me preocupar que quando eu saísse, teria o lugar. O resto é história…

O que significam os dinossauros na capa do último álbum?

Eu não sei, eu odeio essa capa é uma coisa muito estúpida. Foi idéia do nosso empresário. Falei várias vezes que seria uma capa ridícula, muito estúpida mesmo. A insinuação seria de que os Ramones já são dinossauros, mas todos já sabem disso! Mostrar os Ramones como dinossauros de merda? É muito ridículo. Acho que ele deve ter visto “Jurassic Park” demais.

Os álbuns de vocês sempre repetiram a mesma fórmula e sempre atingiram boas vendagens. A que você atribui isso?

Os Ramones aproveitam algo em que a banda é boa, e simplesmente continuam fazendo isso. Acho que as pessoas gostam do fato dos Ramones nunca mudarem, porque a maioria das bandas começa fazendo rock e depois seguem o estilo que estiver fazendo sucesso. Os Rolling Stones, por exemplo, são uma banda de rock, mas quando a onda disco se tornou popular, eles começaram a lançar álbuns com uma batida disco. E, naturalmente, eles vão perder fãs, pessoas que vão achar isso uma merda. Com os Ramones isso não acontece.

Como vocês conseguiram atingir públicos tão diferentes, como punks, surfistas, heavies, etc?

Acho que os Ramones foram o início para muitas bandas, e influenciaram o começo de todos esses estilos. Thrash, heavy metal, punk rock, todos começaram com os Ramones. Acho que é por isso que os Ramones têm tantos fãs diferentes entre si.

O que você acha do revival punk, do sucesso de bandas como Green Day e Offspring?

É bom, estou satisfeito de ver o punk rock no topo das paradas, porque é o meu tipo favorito de música. Se bem que essas bandas não fazem realmente punk rock. As músicas que eles fazem são muito boas e eu gosto muito, os álbuns são bons, os garotos são muito legais, mas eu não considero isso punk rock. Muitas pessoas podem me chamar de velho, dizer que eu não sei sobre o que estou falando, mas, pra mim, é como o Black Crowes, que faz boa música, mas tudo já foi feito antes. Eles não ousam, e sabem exatamente o que estão fazendo e onde querem chegar. Me parece que eles se esforçam muito para fazer punk rock. Se essas bandas tivessem surgido sem um visual punk, e estivessem apenas tocando suas músicas, eu provavelmente gostaria mais deles. O verdadeiro punk americano nunca precisou disso. Ramones, Dead Kennedys, Black Flag, você nunca os viu com cabelos pintados ou calças coloridas. Esse é o punk rock americano.

Você acha que o punk começou mesmo nos Estados Unidos?

É claro, pois os Ramones começaram antes de qualquer outra banda inglesa. Mas se você estiver mesmo interessado na raiz, tem que pensar em Iggy Pop, MC5, esses, sim, foram os originais. Mesmo o Doors, de alguma forma já trazia algo punk, algo totalmente contra o sistema. Eles empurravam as pessoas para a revolta, para cada um viver a sua vida de sua própria maneira.

Você influenciaram e continuam influenciando muitas bandas. Com o fim dos Ramones, quem fará esse papel?

Pearl Jam! Parece que existem muitas novas bandas influenciadas por grupos como Metallica, Soundgarden, Red Hot Chilli Peppers, Jane’s Addiction… Acho que a maioria delas tem um grande impacto nas novas bandas de hoje.

Fale um pouco sobre o Los Gusanos, com o fim dos Ramones:

Estou esperando a separação dos Ramones para iniciarmos uma tour. Acabamos de gravar um álbum, e esperamos passar por aqui no final do próximo ano, talvez antes, não tenho certeza. É muito tempo, mas nós não temos uma gravadora aqui no Brasil. Eu não sei se existe alguma interessada, já que poucas pessoas conhecem o Los Gusanos. Já fizemos contatos com algumas pequenas gravadoras, mas é difícil assinar com uma gravadora independente no Brasil, porque elas não têm boa distribuição.

Fale um pouco sobre esse novo álbum:

Nós gravamos e um estúdio de um amigo meu, em Long Island, onde todos moramos. Conseguimos fazê-lo com uma produção bem barata, acho que todo o álbum não custou mais de 12 mil dólares para ser gravado. A maioria das bandas gasta talvez 100, 150 mil dólares para gravar um álbum. Gostei muito do resultado final. O único porém é que os vocais poderiam ter ficado mais altos. Eu não gosto de me ouvir cantar, e acho que esta é a explicação, não me sinto muito confortável enquanto vocalista. É muito estranho você se ouvir cantando. Mas eu espero que o público brasileiro, que agita muito os shows do Ramones, curta bastante esse nosso trabalho. Até a vista, pessoal!

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