Fazendo História

Independência à moda Skank

Embora trabalhe de forma independente, o Skank aproveita os esquemas viciados das gravadoras para se manter como um sucesso nacional. Nessa entrevista, o tecladista Henrique Portugal praticamente defendeu a prática do jabá. Publicado na Outracoisa número 17, de outubro de 2006.

skankDizer que o cara é independente quando ele toca numa banda que lança discos por uma grande gravadora não é uma coisa muito fácil. Ainda mais quando ela é uma das que mais vende discos no País. Mas se levarmos em conta que o Skank veio, sim, do meio independente, e que o tecladista Henrique Portugal mantém uma página na internet só para novos artistas, a coisa pode mudar de figura. Do berço underground ele aprendeu a lidar com o esquemão e hoje o Skank trabalha com certa – de novo - independência em relação à gravadora: tem seu próprio estúdio, controla o lançamento de coletâneas indesejáveis e trabalha praticamente por conta própria. Mesmo porque os homens de gravata sabem da galinha das vendas de ouro que têm nas mãos. Henrique fala de tudo isso, e ainda de como chegou a ser o tecladista oculto do Sepultura, já que foi vizinho de um tal Max Cavalera. Ele só escorrega quando o assunto é jabá. Aí aproveita a “estrutura” que a gravadora oferece ao Skank para faturar alto no mainstream. Coisas do mercado musical brasileiro.

Como foi criado e como funciona o “Frente”?

É um site e um programa de rádio, na OI FM. Eu estava fazendo um chat no UOL, com o DJ Anderson Noise, e conversávamos sobre esse lance dos independentes. Eu disse que acharia bacana fazer um programa de bandas independentes brasileiras, os caras compraram a idéia e a partir daí a gente começou a formatar. A música está mudando, com essa coisa da mudança do mercado fonográfico, por causa da Internet. As gravadoras ainda estão se adaptando, mas o mercado independente já tá a alguns passos na frente.

O programa é ao vivo?

Gravo o programa, porque a rádio vai para seis ou sete capitais, e lá no UOL fica disponível o tempo inteiro, no horário em que a pessoa entrar. Recebo material do Brasil inteiro, a maioria via e-mail.

Quem paga os custos?

O site foi projetado pela UOL. Recebo o material e faço toda a seleção, texto; gravo a locução, recebo as músicas e mando pra lá. Monto o áudio do programa, e uma pessoa no UOL faz a parte da página. Em relação à rádio eu também mando a locução e as músicas e eles montam o programa. Tudo por e-mail. Como eu viajo muito, tenho uma plaquinha, um mini pro tools, e aí eu faço isso em casa, no aeroporto, no hotel…

O que você tem recebido de material que te surpreendeu?

A cena de Belém tem umas coisas muito legais, não é só a moda. De lá, tem o Madame Saatan. Gosto dessa de bandas com mulheres cantando. No Sul, tem o Superguidis, que é muito bacana; de Belo Horizonte tem uma banda legal chamada Monno, e uma menina, a Erika Machado, que o John, do Pato Fu, acabou de fazer o disco.

Você pretende produzir essas bandas?

Vontade não falta, mas como o programa e o Skank já me dão muito trabalho, eu não sei o que eu vou fazer. Existe uma idéia de fortalecer a música independente em Belo Horizonte, para tenta montar um festival.

Você já produziu algumas bandas…

Eu e o Haroldo (Ferretti, baterista do Skank) já fizemos música para um disco do Lenine, a produção do Acústicos e Valvulados… É uma coisa que eu gosto, que eu acho que posso ajudar, mas tem a questão do tempo. A gente tá lançando um disco do Skank agora, então normalmente o processo de lançamento demora uns quatro meses. E olha que nós já ficamos o primeiro semestre gravando. Fazer uma faixa ou outra é tranqüilo, o problema é fazer um disco inteiro.

Como você equilibra esses trabalhos todos com a agenda do Skank?

Já fizemos uma média de cem shows por ano, mas temos feito 80, 90, que já é muita coisa. Mas tá super legal, eu tô adorando essa coisa de voltar a fazer as coisas porque a gente começou independente. Sempre que ouço os trabalhos tento falar algumas coisas, de forma delicada, dizer por que não tá legal, para não levar para uma gravadora antes de dar uma melhorada, gravar melhor, prestar atenção numa letra. O mercado independente é muito criativo, nos surpreende muito. Tem muita banda legal, profissional, super organizada, com assessoria de imprensa e tudo, e fora de gravadora. E nem querem mais gravadora, só uma distribuição. A gente vê pela Céu: gravou o disco dela, um tanto de gravadora foi atrás, e ela disse não.

É preciso achar o meio termo entre as gravadoras e o meio independente…

Isso é uma coisa que me seduz muito, é preciso entender disso, porque às vezes, quando a banda cresce muito, a gente fica meio longe dessas coisas.

Tem uma história de que você tocava com o Sepultura…

Eu gravei três discos com o Sepultura, o “Schizophrenia”, o “Beneath The Remains” e o “Arise”.

É verdade que como tecladista você não podia ter o crédito, já que pegava mal para uma banda de metal ter um tecladista?

Nada, todos os discos têm o crédito: Henrique Portugal: keyboards. O Sepultura, assim como o Clube da Esquina, é de Santa Tereza (bairro de Belo Horizonte). Eu conhecia a galera porque os caras andavam de skate e eu sempre gostei de skate também. Aí o Max bateu campainha lá em casa e falou: “Pô cara, a gente tá precisando fazer uns teclados no disco, você não quer participar?” E começou a relação. Na época eu tinha uma outra banda chamada Pouso Alto. Éramos eu, Samuel e mais dois integrantes; chegamos a participar de uma compilação pelo Plug (selo dos anos 80 associado a BMG). O mercado independente tem essa característica, de um chamar o outro para ajudar.

O Skank é uma banda que veio do meio independente e conquistou um espaço enorme, mas hoje isso é difícil de acontecer porque o mercado mudou. Como você avalia isso, já que, de certa forma, você tá no mainstream e no independente ao mesmo tempo?

A gente tá no meio termo, saindo de um processo e indo para outro. As gravadoras estão se adaptando ao novo formato de comercialização. O meio físico ainda vai existir, mas não do jeito que existe hoje. Eu acho que a gente tá num caminho, mas ainda não atravessamos a ponte. Uma coisa que acontece muito lá fora são as bandas que eram pequenas e foram lançadas por uma grande gravadora. Você olha atrás do CD e tem uns três selinhos: o pequeno, que descobriu o artista, a distribuidora, e a grande gravadora, que incorporou. Aí no final tem uma Warner lá. Isso ainda não acontece muito no Brasil, mas vai acontecer. Eu acho que a grande virtude dessa história são os festivais independentes se organizando, o caminho é por aí.

Há muita pressão na hora de gravar um novo disco do Skank?

Como viemos do independente, temos nosso estúdio e gravamos com a anuência da gravadora. Não sentimos tanta pressão, porque sempre trabalhamos assim, acreditando muito no que a gente faz. A gente vê que hoje você tem certas limitações que são inerentes ao processo. Mas eu acho que é um aprendizado, tanto para nós quanto para as gravadoras. Por exemplo, o “Carrossel” (novo disco do Skank) tá começando muito bem, com “Uma Canção é Pra Isso”. A música tá bem executada, e existe essa preocupação de não gravar mais um disco, mas gravar “o disco”. Tanto que ficamos sete meses no estúdio.

É verdade que o contrato com a Sony tem uma cláusula que restringe o lançamento de coletâneas, discos ao vivo, essas coisas?

Existe uma cláusula que fala que todo lançamento tem que ser feito com anuência do Skank. A gente sempre tomou esse cuidado para controlar a nossa carreira.

Você considera o Skank uma banda independente até hoje, mesmo com todo esse sucesso?

Não é independente porque essa estrutura de divulgação de gravadora realmente é muito boa. A gente fez o lançamento e falou para o Brasil inteiro, banda independente não tem isso. Mas somos independentes em termos de condução de carreira, porque a gravadora acredita no nosso trabalho.

Como vocês encaram a questão do jabá, que está sendo tão debatida, com leis sendo feitas para acabar com isso?

O jabá é uma palavra difícil, né? Por exemplo, o cara é dono de um recurso que é a rádio, e aí você chega lá e fala: “Olha, eu gostaria de tocar a minha música na rádio”. Tem que ter uma troca, isso é uma coisa normal em qualquer área. Você vai comprar um carro e custa “tanto”. Mas é uma coisa exclusiva das gravadoras, não chega nos artistas, a gente nem fica sabendo como é negociado isso. Porque às vezes eles fazem pacotes de vários artistas, chegam lá e já fazem uma coisa grande. Eu acho que isso é uma coisa difícil de deixar de existir.

Como o jabá essa pá de bandas que você coloca no seu site não chega na rádio…

Mas a partir do momento em que o segmento começa a se fortalecer, a coisa começa a mudar.

As rádios deveriam permitir o acesso também para as bandas mais novas, não?

Acho que a organização do mercado independente é que vai fazer isso, lei não vai adiantar. Acho que a organização vai fazer a força. Por exemplo: a MTV já tem lá um espaço para bandas novas, não tinha antes. A rede OI FM, que eu tenho o programa lá, é bacana. A Trama Virtual conseguiu um programa na televisão, no Multishow. As coisas tão caminhando. Eu acho que o melhor caminho é pelo próprio mercado, não é pela lei.

O jabá das grandes gravadoras impede que o artista pequeno tenha espaço?

Eu bato na tecla da organização do mercado independente. E outra coisa, uma estrutura trabalhando a seu favor, quando você fecha um contrato de distribuição com uma grande gravadora, é legal. Você só chega lá se o seu trabalho for uma coisa rentável, não adianta ser só ideológico, tem que chegar no final. O contrato com uma gravadora não é uma cadeia, é uma parceria, ela tem interesse em ser remunerada pela venda do seu trabalho, e você tá ganhando pelo fato de ser divulgado por uma estrutura grande.

É que a rádio é uma concessão pública, deveria ser para todos…

Aí entra não só rádio, mas cartório…

É que a gente tá falando de música…

É uma história maior…

Ok, para não dizer que eu não falei sobre o disco novo, como você define esse “Carrossel”?

O disco tem muita coisa interessante, tá mais aberto, mais solto, mais radiofônico, com músicas mais palatáveis, tocáveis em rádio. É um disco que tem opções, algumas coisas folk, muitos violões. É um disco que a gente tá muito satisfeito com ele. Recentemente os nossos trabalhos ficaram muito elaborados, esse a gente voltou um pouquinho, tem umas canções que são mais simples, diretas.

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