Rock é Rock Mesmo

Pior que antes

Se o novo rock feito no Rio de Janeiro é aquilo que se viu ontem, no Teatro Odisséia, a coisa está muito ruim. Muito pior que antes.

Meus amigos, o que é a natureza. Quando soube, certa vez, lá pelos idos de 1988, que o segundo disco do Garotos Podres se chamava “Pior Que Antes”, conclui que a própria banda fazia um severo e bem humorado reconhecimento da sua condição de “não saber tocar direito”. O que nem chegava a ser uma coisa ruim para quatro punks que tinham muito mais mensagem e atitude do que habilidade musical para formar uma banda disposta a contar, via punk rock, a dura realidade do trabalhador brasileiro. Falo do assalariado de verdade, não o classemediano, se é que vocês me entendem. Falo de macacão, não de terno e gravata.

Acontece que, tempos depois, num show de lançamento do tal disco no Circo Voador, o inquieto Mau, vocalista do grupo, vestindo um sujo macacão e com o rosto suado, anunciou aos brados o título do vinil com o argumento de que “ele se chama pior que antes porque tudo está pior que antes”. Achei interessante a abrangência da explicação, ainda mais se comparada àquela que eu, de início, havia capturado. Tanto que guardei a passagem na memória, até que a história aflora, vejam vocês, cerca de 20 anos depois, para me fazer desenrolar outros quinhentos.

Estive ontem à noite no Teatro Odisséia, e fui, aos 45 do segundo tempo, escalado para ser um dos 19 jurados na final de uma seletiva de bandas que definiria um abastado para se apresentar no Festival Mada, em Natal, em setembro. Sempre achei esse tipo de evento algo meio bobo, já que o vencedor, se ganha o direito de tocar no Festival, tem que arcar com os custos de passagens e outras logísticas, sem falar que não recebe cachê. Mas as bandas adoram, montam torcidas, carregam amigos e se consideram honradas em participar. As que vencem, parecem que conquistaram o Festival da Canção de1968 ou um dos festivais da Globo nos anos 80.

Sempre encarei minha participação nesse tipo de função – a de jurado – com a responsabilidade de enviar, para Natal, uma banda que representasse bem o que acontece aqui no Rio, de modo que o natalense comum visse o show dessa banda sem causar vergonha a quem mora aqui embaixo. Aconteceu assim em outras edições do Mada em que essas seletivas existiram aqui no Rio. Me lembro com orgulho, por exemplo, de ver sair vencedor grupos como o Cabaret e o Manacá, para ficar com dois exemplos clássicos de joio separado do trigo, que me vêm à cabeça agora. Mais orgulho ainda por saber que, em geral, salvo raras exceções, as bandas que participam dessas seletivas são muito ruins, daí ser uma grande sorte quando aquelas boas acabam classificadas, em meio a jurados de origens distintas.

Pois o que já era ruim nesse ano ficou ainda pior. Pior que antes. Admito que sempre tive um certo rigor ao dar lá minhas notas, mas dessa vez o bicho pegou mesmo. Não sei se estamos, no Rio, vivendo uma entressafra de bandas legais, como acreditam alguns, ou se o evento em si, afeito a mazelas, é que só está atraindo a “reculhamba” mesmo, como diz o anedotário popular. As bandas que ontem estiveram no Odisséia começam a ser ruins já pelo nome. Não, não gosto de fazer esse tipo de comentário, porque, sabemos todos, nome é algo relativo e com o qual, dependendo da exposição, a gente acaba se acostumando e – até – achando lindo. E é só por isso que hoje temos aí Paralamas do Sucesso e Kid Abelha, só para ficarmos com dois. Ainda assim, insisto. Como pode uma banda se chamar Eiza? E Tapete Red? NV, se bobear, é a abreviação de “nada a ver”, e Contra-capa é mais óbvio que João da Silva. Crombie e Tuttu Madre podem até ser interessantes, mas, caro leitor, sejamos francos, você colocaria um desses nomes numa banda que você gostaria de gostar? Pois foram estes os que apareceram para mim anotados numa caligrafia ginasiana na cédula de votação.

A coisa estava tão ruim, tão equilibrada, tão nivelada por baixo, que, devo dizer, as duas melhores só eram melhores porque tinham mais intimidade com o palco. A NV, que saiu vencedora, é acintosamente uma banda cover que, de vez em quando, faz uma música própria só para o público dar uma descansada e beber um chope. Mas, como cover, tem uma notória rodagem que, de cara, desbancou as demais, todas mais cruas que refeição de japonês. O Eiza também mostra ter boa rodagem, mas carece de (ainda) mais entrosamento e de um vocalista que cante na hora certa, se é que vocês me entendem. O Contra-capa joga pedra na Geni há uns três anos, mas não consegue adquirir a tal rodagem. Dá a impressão que só tocam, ano após ano, nesses eventos siameses que só mudam o nome – Seletivas para o Mada, Festival Laboratório Pop, B de Banda e afins. E o tal Tuttu Madre não passa de uma clássica “banda cover com músicas próprias”. Nem o Coldplay se parece tanto com o Coldplay. Dureza, meus amigos, dureza.

Não quero aqui fazer a apologia do Garotos Podres, nem fazer dessa amostra do rock feito no Rio uma terra arrasada. Tanto que, no esforço de tentar achar uma relação de uma coisa com a outra, até que há uma simbólica esperança. Sim, porque o Garotos Podres acabou entrando nessa graças ao fato de eu ter baixado o tal disco, “Pior Que Antes”, até agora inédito em CD oficial, há poucos dias. E, se você olhar bem - forçando a barra, tá legal – as carecas do NV até que se parecem com as do GP. Nada a Ver? Vai saber…

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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