Imagem é Tudo

Ramones

It’s Alive 1974-1996
The Ultimate Double Live DVD
(Warner)

ramonesitsaliveO título do DVD remete ao clássico álbum dos Ramones gravado em Londres na passagem de ano de 1977 para 1978, mas o buraco é muito mais embaixo. Trata-se de um apanhado de toda a carreira do seminal grupo, desde o início, tocando num entreveiro chamado CBGB’s, em Nova York, até a apoteose no Estádio do River Plate, em Buenos Aires, em 1996, quando a banda fez a turnê de despedida, que, inclusive, passou pelo Brasil. Depois, soubemos todos, as questões de saúde de Joey e Johnny acabaram colocando um fim na banda que inventou o punk rock.

Pode até parecer uma coleção de fragmentos, mas as 33(!) apresentações (ou aparições na TV) que preenchem as cinco horas desse DVD duplo traduzem com precisão a história do Ramones, e valem mais do que muito documentário por aí. Mesmo porque dificilmente alguém contando algo - ainda que fossem os integrantes ou gente muito próxima – jamais passaria fielmente uma história de tamanha importância. É inacreditável, por exemplo, a cena em que aparecem, numa espelunca vazia, com um som sofrível, quatro caras que mal sabem tocar discutindo, bem no meio do show, qual música iniciar. O batera – para se ter uma idéia - se recusa a iniciar uma música sem qualquer cerimônia, e o vocalista, um vara-pau magricelo mais branco que o reflexo da lua, não sabe o que fazer e se escora em sua própria cintura. São os Ramones tocando o CBGB’s no único registro feito em 1974, ano em que a banda foi criada. Estão lá, imberbes, as clássicas “Now I Sniff Some Glue” e “I Don’t Wanna Go The Basement”. Dois anos depois, um cabo se solta no palco e não há quem ajude o quarteto a não pagar mico, e, em 1977, todos erram feio no início de “Gimme Gimme Shock Treatment” (outro clássico que nascia), e ninguém está nem aí. Cenas que parecem ser as de uma banda de conhecidos nossos aqui na cidade, mas eram, já, os Ramones.

Há, sim, entretanto, entrevistas com os integrantes da banda, nos extras que estão, curiosamente, no primeiro disquinho. É lá que o espontâneo Dee Dee fala que todos eles eram amigos e sempre gostaram de rock. “Estávamos de saco cheio daquilo que escutávamos e decidimos criar a música que queríamos ouvir”, diz o baixista, numa demonstração prática e claríssima da máxima “faça você mesmo” do punk rock, que, aliás, nasceu desse tipo básico de raciocínio. Já Joey conta que o único lugar para se tocar na cidade era o Max’s Kansas City, mas para isso era preciso ter uma gravadora. Como eles não tinham, propuseram se apresentar numa espelunca barata chamada CBGB’s. O dono topou e o resto é história.

Ainda nos extras, há videoclipes raros que hoje soam ridículos, mas que tentaram fazer o Ramones vender um pouco mais, e aparições em programas de TV. Num deles, um apresentador alemão tenta descobrir alguns “porquês” da banda, mas fracassa ante à falta de explicação do “one, two, three, four”. E ainda imagens pré-históricas do grupo na Argentina, muito antes do sucesso retumbante conseguido nos últimos tempos, registrado no último show do segundo DVD, uma apresentação gigante para uma massa em movimento incontrolável, num estádio de futebol.

Contra os fragmentos, há as apresentações maiores, como a tal do “It’s Alive”, gravado no afamado “The Rainbow”, em Londres, que traz parte do CD de mesmo nome, até hoje considerado o melhor “ao vivo” do Ramones entre os fãs – sem esquecer que Ramones deve é ser ouvido/visto ao vivo mesmo. Metade das 28 músicas do CD está neste DVD, e, no auge do punk inglês, o bicho pega no meio de uma platéia agitadíssima. Tocadas pela formação original (Joey, Johnny, Dee Dee e Tommy Ramone), “Commando” e “Blitzkrieg Bop” têm um apelo extraordinário. De dois shows gravados no CBGB’s, um de 1977 (quase três anos depois da estréia), traz oito músicas, numa época em que existia até um palco e público para ver os quatro jaquetas de couro. Uma diferença abissal em termos de popularidade, mas exígua no que diz respeito a saber tocar, muito embora isso, de fato, seria comprovado que não teria a menor importância na trajetória dos Ramones.

No segundo disco, realça a fase em que o Ramones virou banda mainstream, mostrando o flerte com o heavy metal que cresceu nas paradas graças ao advento do thrash de Metallica e adjacências. O que não quer dizer que não tenha lançado bons álbuns e músicas que sempre emblematizaram a juventude. Só mesmo Joey Ramone para dizer que não quer crescer, em “I Don’t Wanna Grow Up”, aos 43 anos de idade, em 1995. Bem antes disso, os vinte e poucos minutos gravados à luz do dia no famoso US Festival, em San Bernardino, Califórnia, em 1982 (em meio a ressaca punk), parecem fechar um ciclo depois do qual a banda viraria mais uma coisa de apresentação/exibição, do que parte de um movimento como o punk. Em “Beat On The Brat” Joey expõe o taco de beisebol, e “The KKK Took My Baby Away” faz a platéia agitar muito.

Outros trechos significativos são o show do Provinssirock, na Finlândia, em 1988, no qual Joey reclama de ter sido atingido por algo vindo da platéia e pede que “acabem com a raça de quem fez isso”, e as sete músicas gravadas no Rolling Stone Club, em Milão, registradas por uma sucursal da MTV que se enrola toda com os títulos das músicas. É o Ramones, em plena era o grunge e do içamento do metal ao topo das paradas, mostrando um vigor impressionante, com músicas como o hit mundial “Pet Sematary” e “I Believe In Miracles”.

A prova de longevidade da banda, contrariando a cartilha punk, que prevê o fim antes do futuro, está na participação no tradicional “Top Of The Pops”, programa da TV britânica que só exibe os grupos que alcançam boa posição nas paradas. Pois este DVD mostra que o Ramones esteve lá em 1978, 1980 e 1995. Outro atestado está no triste fim da banda, que só encerrou as atividades por conta da morte precoce de seus integrantes mais ativos. Primeiro foi Joey Ramone, vítima de câncer linfático, em 2001, e depois, Johnny Ramone, também de câncer, em 2004. Dee Dee Ramone, por sua vez, foi encontrado morto em 2002. Vê-los vivinhos da Silva nesse DVD, portanto, é mais que uma bênção. Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

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