No Mundo do Rock

Sou famoso… Mas quero ser normal

Num mundo onde a busca da fama pela fama é a tônica, pessoas que se destacam na mídia através do trabalho tentam levar uma vida ordinária. Matéria feita em outubro de 2006 para a Revista Outracoisa. Vetada pelo Editor da revista, permaneceu inédita até hoje. Fotos: Divulgação.

Você liga a TV e estão lá os reality shows, onde se faz de tudo para ter, como prêmio, um pouco de fama. Talvez só aqueles quinze minutos um dia profetizados por Andy Warhol, mas intensamente famosos. Pessoas comuns querem renunciar à vida pacata para ser reconhecidas na rua, dar autógrafos, freqüentar eventos e aparecer na mídia o máximo que puderem. Aparecer, sempre.

Rogério Ceni nunca pensou em ser famoso, mas gosta do carinho dos fãs

Rogério Ceni nunca pensou em ser famoso, mas gosta do carinho dos fãs

Conviver com fama, entretanto, pode não ser lá uma coisa das mais simples e prazerosas. E nem sempre é uma escolha de quem abraça determinada profissão. Porque tem muita gente por aí que acabou ganhando reconhecimento público por conta daquilo que decidiu fazer para pagar as contas, e nesse caso levar uma vida de celebridade pode não ser a coisa mais agradável do mundo. Um deles é o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo e da seleção brasileira: “Nunca escolhi ou pensei em ser famoso”, conta ele, “a fama é conseqüência da minha profissão”. Você pode nem se interessar por futebol, mas sabe que goleiro joga com as mãos e tem como função precípua evitar gols. Só mesmo o trabalho poderia fazer de Rogério um goleador, na verdade o maior goleiro artilheiro em todos os tempos. “O que acho bacana é o carinho que recebo por parte dos torcedores, lido muito bem com isso, mas não levo uma vida normal. Tenho que abrir mão de coisas simples, como fazer compras ou ir ao cinema”, lamenta.

D2: tem gente que me reconhece e nem ouviu minha música, isso assusta

D2: tem gente que me reconhece e nem ouviu minha música, isso assusta

Fama certamente Marcelo D2 nunca procurou. De vendedor de camisetas no Centro do Rio a rapper em festas na Lapa, o hoje badalado músico aparece em tudo o que é programa de TV, grava comerciais, é tema de reportagem em toda a mídia, mas volta e meia é visto em shows e rock ou rodas de samba pela cidade. “Continuo vivendo a mesma vida que tinha antes”, conta ele, “quando meu som virou um negócio mais popular, passou a ter gente que me reconhece e nem ouviu minha música, e isso dá um certo susto”. O ovo de Colombo de D2 foi a mistura de samba e hip hop, que abriu um novo filão para a música popular brasileira. E olha que ele chegou a fazer um disco inteirinho falando só de maconha, na época do Planet Hemp. Por causa disso chegou até a passar umas noites no xilindró, em Brasília, mas isso hoje é passado. Para Pitty o caminho talvez tenha sido mais curto, mas os resultados da exposição também a puseram no rol dos famosos, muito embora a cantora passe boa parte do ano atrelada às turnês de sua banda. Para ela, a diferença está nos objetivos, “não é simplesmente ‘ser famoso’. É complicado levar uma vida normal, por causa das pessoas ao redor. É como se quem faz arte ou aparece na televisão não fosse normal, não fosse na padaria, supermercado”. Para a cantora, “celebridade é quem cria algo de relevante”.

SUJEITOS OCULTOS NA REDE

A bela Cleo Pires usa o orkut como uma pessoa normal

A bela Cleo Pires usa o orkut como uma pessoa normal

Cleo Pires, a garota da hora, tem criado muita coisa. Depois de um papel de grande repercussão na novela das oito da Rede Globo (a Lurdinha, de “América”), ela conquistou o Brasil e enfim provou do sabor desfrutado por seus pais, Glória Pires e Fábio Júnior. Num instante começou a ser convidada para estrelar comerciais e já tem mais de 700 perfis falsos no orkut, além de 60 comunidades. O detalhe é que, em meio a toda essa balbúrdia virtual, a própria Cleo mantém um perfil de verdade, num sinal de que também quer ter seu cantinho no mundo moderno – nada mais normal. “Lido super bem com a fama, levo a vida normalmente. Gosto de ter o trabalho reconhecido, sem bem-falada, querida, conhecer muita gente ‘figura’”, conta. A jovem atriz garante que consegue fazer tudo que quer, e não condena a busca da fama pela fama dos nossos tempos. “Cada um sabe o que quer, ninguém tem que julgar a busca pessoal dos outros”. Em comum com Pitty, Cleo tem o apreço pelo Faith No More, grupo americano que fez muito sucesso pelo Brasil nos anos 90, e do qual saiu o vocalista Mike Patton, hoje envolvido num sem número de projetos bizarros – entre eles o Fantomas, que tocou no Brasil ano passado. Patton e o Faith No More são referências confessas de Pitty, e o nome dele tá lá no perfil de Cleo no orkut – o verdadeiro. “Conheci o Faith No More através de amigos, só depois ouvi as outras bandas do Mike Patton. Ele tem uma voz incrível, é hilário, além de ser lindo, né?”, declara, em meio a risos de quem é realmente fã.

Pitty não gosta de ser incomodada quando está nos shows de suas bandas preferidas

Pitty não gosta de ser incomodada quando está nos shows de suas bandas preferidas

Pitty também tem um perfil no orkut, embora pouco atualize, por falta de tempo. Mas usa bastante e-mail e chega a participar de listas de discussão na web, em geral quando o tema é música. Dificuldade para ela, só mesmo quando fãs fazem marcação cerrada. Às vezes ela mal consegue assistir ao show de suas bandas preferidas. “É difícil ficar no público em algum show. Que dá, dá, mas é necessária uma certa dose extra de paciência, porque ao invés de assistir ao show, você fica o tempo todo dando atenção a alguém e acaba não curtindo direito a parada”, lamenta. “Pra gente convém procurar lugares discretos, ou então parar entre uma garfada e outra do jantar para tirar uma foto”. Típico malandro carioca, Marcelo D2 já enxerga vantagem. “Não preciso mais pular o muro do lugar pra ver o show, posso entrar na lista VIP”, ri. O rapper diz que faz tudo o que tem que fazer tranqüilamente, a não ser ir ao shopping num sábado. “Mas também nunca fui a fim de fazer isso”, brinca. Ele não participa do mundo virtual porque, de outra geração, não curte essas modernidades. Mas condena a busca da fama pela fama: “Acho uma bosta. As pessoas ficam mais preocupadas em ser famosas do que fazer algo importante, e aí muita gente talentosa deixa de ser reconhecida”. Rogério Ceni não vai tão longe, mas não vê, na fama, um meio para ser feliz. “A felicidade não está na fama e sim nas suas atitudes, na proximidade com a família, amigos e pessoas com as quais você se relaciona no dia-a-dia”, defende o goleiro, que se chateia por ter que passar metade no ano longe das filhas, por causa da concentração para os jogos. Ele usa o MSN, mas somente para falar com os familiares quando está escalado para jogos no exterior. Cleo também, mas podem tirar o cavalinho da chuva que a bela moça só adiciona os amigos mais chegados.

FREUD E NELSON RUBENS EXPLICAM

A psicanalista Vilma Rangel não tem nenhum famoso deitado em seu divã, mas também, se tivesse, não contaria. É praxe para a categoria a discrição com clientes famosos. Consultada por nossa reportagem, entretanto, não deixou de colocar a colher no angu. “Embora seja desejado por muitos, o lugar da fama tira do lugar da reserva e privacidade que é, na maior parte das vezes, um lugar de conforto e descanso da relação com o outro. É talvez este lugar de descanso da relação (geralmente tensa) com as outras pessoas que os famosos procuram”, teoriza. Sobre a renúncia da condição de famoso, ela vê o desejo de um retorno à normalidade: “Uma pessoa famosa pode já ter se satisfeito com a ‘potência’ que a fama lhe trouxe e querer retomar uma privacidade que só a ‘não fama’ oferece”.

Para o especialista Nelson Rubens, depois que alguém vira celebridade jamais volta a ser uma pessoa normal

Para o especialista Nelson Rubens, depois que alguém vira celebridade jamais volta a ser uma pessoa normal

Mas que psicologia que nada. Uma matéria sobre famosos não poderia terminar sem a opinião do grande especialista. Ok, ok, ok… Para Nelson Rubens “depois que alguém vira celebridade jamais volta a ser uma pessoa normal. Se voltar vai parar no divã de um analista”. Ele saiu direto dos estúdios do TV Fama, programa de fofocas que apresenta diariamente na Rede TV, para falar com a reportagem da Outracoisa. “O brasileiro precisa entender que celebridade é o Ronaldinho Gaúcho, o Galvão Bueno não, é só um famoso locutor esportivo”, alfineta. Questionado por este escriba, disse que o goleiro Rogério Ceni quer “é ficar perpetuado no poder do São Paulo, ser presidente do clube”, confirmando os boatos de que o atleta pretende virar dirigente quando a carreira acabar. Nelson acha que aquele que conquistou a fama pelo trabalho busca a eternidade, e que os 15 minutos de Andy Warhol é para as tais celebridades. Para Pitty, disse que a cantora deve controlar a própria carreira. “O artista sabe pedir para o fã dar um tempo, vai administrando a carreira dele, a relação, escolhe o dia em que ele tá de bom humor. Quando não dá, bota um bonezinho na cabeça, um óculos escuro e vai dar outro ritmo. Agora, quando tá alegre, abre a janela do carro e dá tchauzinho”, sentencia.

Nelson vê no perfil real no orkut de Cleo Pires uma tentativa de ter uma vida comum como tem a juventude contemporânea. “É uma menina como outra qualquer que mora na Tijuca, na Penha… Ela é famosa, mas quer ter esse sabor de ter um orkut, as pessoas se comunicando com ela”. Como também é famoso, o jornalista tem que se rebolar para ter sempre uma fofoca na ponta da língua. “Todo mundo chega pra mim e pede para eu contar uma fofoca, como que se eu tirasse histórias da cartola, que nem mágico. Eles querem saber se o cara é ou não é, quem tá comendo quem…” Enquanto comenta isso tudo, não deixa de soltar uma ou outra fofoca de outros famosos, e já prepara um tal Estatuto da Celebridade, que, entre outras garantias, deve ter as de não enfrentar fila, jamais ficar esperando mesa em restaurante e não ter cartão de visita ou usar crachá. É, vendo por esse lado ser famoso até que pode ser legal.

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