Fazendo História

Barulho contra a fome

Resenha do show de estréia de Derrick Green no Sepultura, no Anhembi, em São Paulo, no dia 15 de agosto de 1998. Publicada na Rock Press número 16, de outubro de 1998.

Ainda havia sol na cidade de São Paulo quando os guerreiros se aglomeravam em volta do portão principal do Anhembi. Vestidos como sempre e ansiosos como nunca, tinham em mente um único motivo: a volta do Sepultura. A banda brasileira sobrevivente de uma geração de ouro do heavy metal mundial e que assumiu a vanguarda do estilo. E mais ainda, um grupo e um estilo praticamente execrados pelo mercado e pela mídia brasileira, mas que, tal qual Carmen Miranda, soube representar o país no exterior.

Mesmo com as idas e vindas da família Cavalera, a essa altura pouco importava a apresentação de Derrick Green, o novo vocalista, ou ainda a campanha (mais de marketing do que humanitária) contra a fome. Para esses guerreiros, havia um grito entalado na garganta que precisava sair: SE-PUL-TU-RA!

As bandas convidadas para a abertura encontraram a legião do barulho sedenta e impaciente. Assim, Tolerância Zero, Squaws e Pavilhão 9 não tiveram muita chance de mostrar por que estavam ali, e tiveram que deixar o palco sem conseguir do público a energia de outras apresentações.

No palco também a lista de convidados era grande. Pra começar, Zé do Caixão, outro descartado no Brasil e aclamado no exterior. Com duas “caixonetes” estonteantes, Zé apresentou a banda à sua maneira, engasgando, profetizando, agradando.

Se por um lado Max descobriu dentro dele uma certa espiritualidade, via Bob Marley, o Sepultura trouxe um negro gigante, com longos dreadlocks para substituí-lo. Começam o set com “Roots Bloody Roots”, e repetem basicamente os eufóricos shows que fizeram por aqui no final de 96, à exceção de quatro músicas novas, entre elas o single hardcore “Choke”. Só que tudo muito mais rápido. Igor é o próprio Cão. Velocíssimo, acelera impiedosamente o andamento das músicas e obriga todos a acompanhá-lo. Andreas não fica atrás e exibe uma técnica mais avançada e um certo toque industrial/metálico a cada acorde, com fúria, com raiva. Paulo… Bem, Paulo faz o que sabe. Os olhos da mídia se voltam para Derrick, mas para os guerreiros isso pouco importa. Eles têm razão. O set só tem sucessos, Max não é o que se pode chamar exatamente de cantor, e no meio do mosh e do pogo o que importava era o Sepultura. A prova de Derrick fica adiada para o álbum “Against”.

E existiam outros convidados, esses mais ilustres e mais aguardados. Jason Newsted, o obscuro baixista do Flotsam & Jetsam, banda do segundo escalão thrash da By Area californiana era o mais esperado. Nos últimos 15 anos ele se transformara em um dos músicos do Metallica, ícone do estilo seguido pelos anfitriões. Desta vez com guitarra em punho, Jason tocou quatro músicas, a melhor delas o clássico medley do Misfits, “Last Caress/Green Hell”, que também cantou. Em uma outra, “Lookaway”, quem cantou foi o americano bastante afamado no Brasil, e esperado por uma grande legião de “guerreiras”. Mesmo gritando e grunhindo por todo o tempo, Mike Patton estava calmo, não pulou nem bateu cabeça, e cantou o tempo todo com a tradicional postura: pernas abertas, uma atrás da outra, as duas mãos ao microfone, praticamente engolido.

Nem tão ilustre assim, mas importante por ser um antigo desafeto de Max, Jairo Guedes cumpriu tabela em “Troops Of Doom”, nome que a banda usara no exterior para fazer dois shows de aquecimento. Para o encerramento a inédita fusão (ao vivo) dos reis do esporro com os donos da terra. A tribo dos índios Xavantes não se inibiu e o ritual foi cumprido: primeiro a pintura, depois a dança e o respeito dos guerreiros, a essa altura extasiados e, até certo ponto, cansados. “Itsári” foi épica.

O desfecho foi esperado e ao mesmo tempo a senha para a queima das últimas energias da tribo, não Xavante, mas metálica. “Polícia”, cantada somente pelo guerreiro Andreas, deixou os campos destruídos, e “Against” foi o presságio do muito que ainda está por vir. E de que os guerreiros ainda não perderam sua vocação.

CARTA SUICIDA ESFRIA SHOW

Tudo corria bem no Anhembi, quando, já quase no final do show, a banda esperava a entrada de Carlinhos Brown, para participar da música “Ratamahatta”. Só que Carlinhos exigiu a presença de um tal de Rafael no palco. Motivo: ele acabara de receber das mãos dos pais do Rafael, uma carta na qual o garoto, de 12 anos, prometia cometer suicídio após o show. A tal carta chegou às mãos de Andreas, que acabou só lendo o nome completo do jovem suicida. O público, incomodado, gritou palavras de ordem e xingamento à produção e ao tal de Rafael.

O impasse durou cerca de 20 minutos, e além de mostrar indecisão por parte da banda (veja como Max fez falta), confirmou o comportamento ridículo e nefasto de uma figura que nada tem a ver com público e a cena rock brasileira, fato já ocorrido dois dias antes na entrega do prêmio de melhor videoclipe para os Racionais.

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