Fazendo História

Joe Satriani
O homem que faz a guitarra falar

Lançamento de “Crystal Planet” marca a volta de Joe Satriani ao estilo técnico e pesado que o consagrou. Entrevista feita por telefone, minutos antes do início do jogo Brasil e Holanda, pelas semifinais da Copa de 98. Perguntado sobre o assunto, Satriani disse que não estava nem aí para o futebol, mas compreendia a ansiedade do entrevistador, tanto para falar com ele, quanto para acabar logo a entrevista e assistir ao jogo. Publicado na edição número 11 da Revista Roadie Crew, de setembro/outubro de 1998. Foto: Marcos Bragatto (utilizada como “chamada de capa” da mesma edição).

joesartianirio96O guitarrista solo mais bem sucedido da música instrumental está de volta com um álbum de fazer inveja aos clássicos de sua melhor fase. “Crystal Planet” marca a retomada de Joe Satriani ao peso e a velocidade, levando-se em conta que o álbum anterior flertava com o blues. E é também o primeiro álbum lançado pela Epic, major que no Brasil é representada pela Sony. Joe Satriani entrou para o mercado fonográfico pelos idos de 84, quando bancou um mini LP com seis músicas, assinando contrato em seguida com a Relativity. Na gravadora, independente, lançou ao todo seis álbuns, “Not Of This Earth”, “Surfing With The Alien”, “Flying In a Blue Dream”, “The Extremist”, “Time Machine” e “Joe Satriani”.

Virtuoso já aos 14 anos, Satriani ficou famoso por dar aulas a alunos que mais tarde conseguiriam reconhecimento dentro do mercado musical, como Steve Vai, Kirk Hammett (Metallica) e Larry La Londe (Primus). Depois que se lançou no mercado, Joe Satriani abriu espaço para um sem número de guitarristas que também desfrutam hoje de um lugar ao sol na música instrumental, sobretudo depois do sucesso de “Surfing With The Alien”, de 86: Tony McAlpine, Vinnie Moore, Marty Friedman (hoje no Megadeth) e o próprio Steve Vai. Como se não bastasse, participou como convidado no trabalho solo de Mick Jagger, em 88, e concluiu a tour de 94 com Deep Purple, depois do abandono de Ritchie Blackmore. Em 96 montou o G3, supergrupo instrumental que inicialmente reunia ele próprio, Steve Vai e Eric Johnson, mas que contou ainda com músicos do quilate do prodígio Kenny Wayne Shepherd, Robert Fripp, Michael Schenker e Uli Jon Roth, entre outros.

Foi no G3 que Satriani conheceu o produtor Mike Fraser, e retomou sua trilha pesada com “Crystal Planet”, que também apresenta seu sucessor, Z.Z. Satriani, seu filho de 16 anos, que compôs e tocou em algumas faixas. Confira os principais trechos da entrevista exclusiva que Satriani concedeu a Roadie Crew, por telefone, direto de Los Angeles, Califórnia:

Seu último trabalho, “Joe Satriani” foi basicamente um álbum de blues. “Crystal Planet” é uma espécie de retorno à música pesada?

Eu tentei fazer de Cristal Planet um álbum que fosse por várias direções diferentes, eu queria músicas como “Rasberry Jam Delta-V” e “Crystal Planet”; eu quis ir para dentro do futuro da música de Joe Satriani, como em “With Jupiter In Mind” e “Up In The Sky”; eu quis revisitar algumas idéias rítmicas, da época dos álbuns “Flying In a Blue Dream” e “The Extremist”. Ficou um pouco mais equilibrado do que cada álbum anterior.

Você acha que soa como se fosse um “Best of” de toda a sua carreira?

Todas as composições soam muito novas e têm evoluções que outras pessoas nunca usaram. Eu estou muito animado com essas coisas novas no álbum, mas não sinto com se fosse o melhor de minha carreira.

“Psycho Monkey” foi a sua primeira música feita para dançar?

Não, não creio. No meu primeiro álbum há uma música chamada “The Snake”, que eu acho que já tinha esse perfil.

“Crystal Planet” é o primeiro álbum, á exceção do último, que não foi produzido por você e por John Cuniberti. Porque você decidiu trocar a forma de produzir seus álbuns?

Trabalhei com John Cunibert por mais ou menos 20 anos, e nos envolvemos em vários projetos juntos. “Crystal Planet” foi mixado no estúdio dele, em San Francisco, e na verdade, enquanto eu estava trabalhando no álbum, eu o via todos os dias, e, de certa forma, nós continuamos trabalhando juntos. Mike Fraser é um engenheiro e produtor fantástico. Esse é o segundo álbum que fiz com ele, pois fizemos o G3 juntos também.

Como foi a sua experiência a tocar no G3? Há a possibilidade de vocês tocarem no Brasil?

Eu adoraria tocar com o G3 no Brasil, e tenho certeza que o Steve gostaria também, pois sempre conversamos sobre os shows que fizemos. Quanto a Eric, eu não sei, só perguntando para ele.

Você pensa em tocar com outros guitarristas?

Eu acabei de fazer a tour na Europa com o G3, junto com Uli Jon Roth e Michael Schenker, e acho que já está bom. Uli Jon Roth é um fantástico guitarrista… Michael Schenker não estava muito bem, e por isso essa tour não foi tão divertida. Na maioria do tempo eu estou muito ocupado com o meu trabalho próprio, com Jeff Campitelli e Stuart Hamm.

De volta à Crystal Planet, você concorda que “A Train Of Angels” é a nova “Summer Song”?

É engraçado, você nunca sabe quais músicas vão ser tiradas de um álbum para virarem singles. Algumas músicas tiveram enorme sucesso aqui nos Estados Unidos quando foram lançados como primeiro single, e em aproximadamente uma semana, “Train Of Angels”, será lançado como segundo single, e esperam que ele se torne um grande hit, mas você nunca sabe.

“Up In The Sky” me faz lembrar os tempos de “Surfing With The Alien”, seria uma espécie de revival?

Eu não acho que haja tantas musicas em “Crystal Planet” que sejam um revival quanto se encontra na música pop americana. “Up In The Sky” e “Secret Player” são músicas conectadas, porque são melódicas e estão amarradas por minha reação à essa música.

Qual é a diferença de se estar em uma gravadora pequena como a Relativity e uma gigante como a Epic?

A Epic tem uma distribuição muito grande em todo o mundo, e também tem uma equipe de divulgação e assessoria de imprensa maior, está apta para colocar as músicas no rádio e na imprensa em todo o mundo, e isso tudo é muito bom. No geral, a Epic faz todo o mundo saber que o seu álbum existe. Nós estamos em uma época difícil em todo o mundo para se fazer música instrumental com guitarra, e eu estou muito feliz que a Epic possa divulgar meu trabalho para tantas pessoas.

Você não sofreu algum tipo de pressão para vender mais discos?

Não, porque a Epic tem em seu cast muitos artistas que vendem milhões de cópias, e eu não sou o artista mais importante na Epic, então na verdade a pressão é menor. Quando eu estava na Relativity, eu era o artista que mais vendia na gravadora, e eles esperavam muito de min. É na verdade o contrário.

Em 94 você fez uma tour com o Deep Purple. Como foi a sua experiência com a banda, e porque você não se juntou a eles?

Joe Satriani não é uma parte do Deep Purple, isso é uma coisa que nunca vai acontecer, não são os mesmos estilos. Eu tive um momento maravilhoso tocando com a banda, os caras são ótimos, tocam músicas fantásticas, foi, enfim, uma grande tour. Eu fiquei feliz de poder ajudá-los quando eles precisaram de um guitarrista para finalizar uma tour, e partir para uma nova fase dentro da carreira deles. Mas depois eu tive que voltar para a minha vida real, o que significa Joe Satriani e guitarras.

Você deu aulas para guitarristas hoje famosos como Kirk Hammett e Steve Vai. Você aprendia com eles também?

Não, porque na época em que eu dava aulas pra eles, eu estava aprendendo outras coisas, e mostrando para eles o que eu ia aprendendo…

Com quem você aprendia?

Eu aprendi muito com um professor de uma escolar superior, aprendi muito em livros, com um amigo pianista… Fui aprendendo de diversas formas, mais principalmente estudando em livros e ouvindo discos.

Você pode se considerar um autodidata…

Não, ninguém é realmente um autodidata. Na verdade, autodidata significa que, ao invés de ir a uma aula toda semana, você lê coisas em livros, ouve discos, e adquire influências de outras pessoas. Ninguém se ensina sozinho, nós todos dependemos uns dos outros.

Além de “Crystal Planet”, qual você acha que é o seu melhor álbum?

Cara, essa é uma pergunta bastante difícil. Eu realmente não sei… Às vezes eu acho que é o “Joe Satriani”, às vezes acho que é “The Extremist”, mas nunca tenho certeza…

Você parece gostar muito do “Joe Satriani”…

É um álbum muito especial, porque é muito único, e não se parece com nenhum outro. É um álbum que tem muita alma. E para as pessoas darem conta disso, elas tem que prestar muita atenção nos detalhes. Por um lado é muito pesado, mas por outro é muito soft também. Não teve uma boa vendagem como os outros, mas eu acho que com o passar do tempo, as pessoas vão reconhecer que “Joe Satriani” é um álbum muito especial.

Você se considera parte da cena de heavy metal?

E não sei. Eu adoro boa música feita por pessoas de diferentes estilos, e com certeza existe bons músicos dentro do heavy metal. E eu sei que ser parte desses músicos é bom, mas eu tento estar à parte, separado de um único estilo. Eu tento fazer “Joe Satriani music”, e coloco sempre novos elementos, de ambient music, heavy metal, blues, eletrônico, rock… todas essas coisas, mas sempre buscando a minha própria música.

Muitos surfistas no Brasil gostam de sua música, você acha que sua ela pode ser identificada com a surf music?

Isso é muito legal, mas eu acho… Mão sei se vocês já ouviram falar de uma banda chamada The Mermen, que é uma grande banda de surf music, mas com um grande guitarrista. Não me importo que chamem de surf rock, mas faço o possível para desenvolver o meu próprio estilo.

Desde de que raspou a cabeça, você ficou parecido com o surfista da capa do álbum “Surfing With The Alien”. Foi essa a sua intenção?

Não, eu comecei a perder aos poucos os meus cabelos, e percebi que poderia ter um visual cool com a cabeça raspada… É mera coincidência!

Você já pensou em cantar de novo, como fez no álbum “Flying In a Blue Dream”?

Eu também penso sobre isso, mas é difícil fazer um álbum agradável, com bons vocais, no meio de uma música planejada para ser instrumental. É uma coisa muito difícil. Sou sempre muito cuidadoso para que todas as coisas funcionem direito, e acho que “Flying In a Blue Dream” foi o único álbum onde as coisas realmente funcionaram com vocais.

Como você costuma escolher os músicos que o acompanham?

E procuro por elementos de estilo e de qualidade enquanto músicos. Um bom exemplo é alguém como Jeff Campitelli, que esteve em todos os álbuns. Ele toca bateria em pelo menos uma música de cada álbum, a exceção do “The Extremist”, e ele tem um estilo muito identificado que as pessoas ouvem em todos as diferentes música. E ele tem muito groove, muita alma. E esses elementos eu gosto de incluir, porque intimamente, às vezes eu acho alguns álbuns muito técnicos, sem “feeling”. E o Stuart Hamm é um desses caras que faz o melhor.

A banda da tour vai ser a mesma do álbum? Como está o set list?

Sim, eu não toco com o Jeff e o Stuart desde o ano passado, e quero tocar com eles, inclusive no ano que vem, quando deveremos passar pelo Brasil. Nós tocamos de sete a nove músicas do novo álbum, e tem sido muito excitante ver a reação do público. Estou muito contente com isso.

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