Fazendo História

Raimundos
Dez anos de hardcore e zoação

A idéia era fazer uma matéria grande sobre o aniversário de 10 anos do Raimundos, mas depois de muito correr atrás, acabamos encontrando o então vocalista Rodolfo saindo do estúdio, que nos entregou um faixa-a-faixa do quarto disco da banda, “Só No Forévis”. Hoje, mais que um verdadeiro dossiê Raimundos, a matéria, com oito páginas e repleta de boxes (aqui postados em seqüência) soa como um retrato daquele início do final dos anos 90. A entrevista com Fred foi feita pelo amigo Carlos Pamplona. Publicada na Rock Press número 18, de abril de 1999. Foto: Divulgação/Warner.

raimundosA década ainda não acabou, mas não é precipitada a constatação de que o rock brasileiro já tem seu maior representante nos anos 90: Raimundos. Gostando ou não do estilo e de suas influências, não há como negar que esses quatro candangos conseguiram a maior projeção dentro do cenário pop rock brasileiro, em um período nem sempre favorável para os artistas do gênero.

Começando como uma banda cover, a adição de letras típicas do folclore popular nordestino, e a opção pelo hardcore pesado, sem concessões, revelaram um estilo próprio e original dentro do mercado brasileiro, copiado (e na maioria das vezes distorcido) por dez entre dez bandas nos últimos anos.

Parece que foi ontem, mas já se passaram dez anos desde que o Raimundos começou suas atividades, início esse simbolizado por um show em uma festa de reveillon. E nesses dez anos muita coisa mudou na vida dos integrantes da banda. A bandinha cover das festinhas se transformou num sucesso de público e crítica, mesmo com todas inconveniências das letras, o peso do som, e a manutenção do jeito “peão” de ser.

A Rock Press correu atrás (você não imagina como) e foi flagrar a banda saindo do estúdio, onde arrancou do vocalista Rodolfo, em primeiríssima mão, e com exclusividade, todos os detalhes do próximo álbum, “Só No Forévis”. Falamos também com o baterista Fred, que deu uma geral na trajetória de uma década de hardcore e zoação.

Já fazia algum tempo que a Rock Press pretendia fazer uma grande matéria com o Raimundos, e aproveitamos essa oportunidade para desvendar toda a história da banda, com detalhes, análises, e outras coisas que você, como de costume, só encontra aqui. Go ahead!

ANOS 90: O ROCK NACIONAL APRENDE A LIÇÃO

A virada da década não havia sido muito generosa com o rock nacional. Passado o boom dos anos 80, boa parte das bandas já tinham se desfeito, e as consagradas ou repetiam fórmulas, ou partiam para caminhos que não agradavam aos fãs de sempre, e nem cativavam outros novos. As gravadoras, por sua vez, destinavam cada vez menos investimentos para o rock, e apostavam em outras fatias de mercado (desaguando na pobreza musical desse fim de década), dando às bandas mais antigas um tratamento de mpb, e fechando os olhos para o rock Brasil dos anos 90.

Estava claro que, nos anos 90, se alguma banda ou movimento quisesse se estabelecer no mercado, teria que ser por conta própria, tudo no esquema “do it yourself” que o punk rock consagrou pelo mundo afora.

O sucesso internacional conquistado pelo Sepultura repercutia no Brasil com uma febre de bandas cantando em um inglês macarrônico, na esteira do thrash metal que se espalhava pelo mundo. Em paralelo, a cena de Seattle era descoberta, e, além das camisas xadrez de flanela, espalhava a mensagem (imediatamente absorvida) de que qualquer lugar poderia ter sua própria cena de bandas novas, totalmente independente, e ganhar o mundo, fazendo ícones do mercado pop como Soundgarden, Pearl Jam, e, o maior de todos, Nirvana, do suicida Kurt Cobain.

O Brasil não ficou de fora, aprendeu a lição e os festivais independentes se proliferaram: Junta Tribo em Campinas, BHRIF em Belo Horizonte, BIG em Curitiba, Abril Pro Rock em Recife, Superdemo e Expo Alternative no Rio, e tantos outros. Como no Terceiro Mundo tudo funciona diferente, a grande mídia e as gravadoras pouco (ou nada) se importaram, e poucas bandas se destacaram e conseguiram atingir um sucesso no mercado comparado ao das bandas da década passada. O Raimundos foi uma delas.

Fundamental para esse início de década foi a chegada da MTV no Brasil, em 1990, que cobriu toda essa cena, catapultando essas bandas para público local, e, em conseqüência, para o primeiro contato com as gravadoras, fato outrora atribuído às rádios locais.

DE BRASÍLIA PARA O BRASIL

Estamos em Brasília, no ano de 1992. Quatro candangos acostumados a tocar covers de Ramones resolvem se assumir seriamente como Raimundos, uma mistura da banda predileta com música nordestina, referenciada pelo forrozeiro Zenilton, o preferido dos meninos. Mas esse foi só o ano do recomeço. A primeira vez que a banda se apresentou usando o nome Raimundos foi na passagem de 88 para 89, em uma festa na casa do amigo Gabriel Thomaz, guitarrista e vocalista do Little Quail (vide box).

Rodolfo e Digão se conheciam desde 87, um tocava guitarra e o outro bateria, já fazendo covers do Ramones. Rodolfo convidou Canisso para assumir o baixo, mais pelo visual do cara, já que ele tocava guitarra. Onde houvesse uma festa, lá estava o Raimundos, e a casa, invariavelmente lotada.

Em 90, porém, cada um parte para resolver sua prioridades pessoais, deixando, meio que desanimados, o projeto da banda de lado. Nessa época Digão trocou a bateria pela guitarra, enquanto Rodolfo começou a cantar na banda Royal Straight Flesh. Só em 92 o baterista Fred, que acompanhava os shows do Raimundos como espectador, sugeriu a volta da banda com formação que se mantêm até hoje: Rodolfo, vocais, Digão, guitarra, Canisso, baixo, e Fred, bateria.

Em 92, os Raimundos haviam decidido voltar para uma apresentação em um bar em Goiânia, e outros shows foram rolando, até que a primeira demo foi gravada no ano seguinte, intitulada “Raimundos Demo-Tape”, com quatro músicas: “Nêga Jurema”, “Marujo”, “Palhas do Coqueiro” e “Sanidade”.

E foi em 93 que se deslocaram para São Paulo e começou a distribuir sua demo para amigos, bandas, imprensa e afins. Um telefonema de Fred para a organização do Festival Junta Tribo garantiu, em cima da hora, a presença da banda na primeira edição do evento, tanto que o nome Raimundos não constava no cartaz e nem na programação distribuída à imprensa. Não que tenha sido essa apresentação a projetar o grupo, mas ela aumentou o bochicho que corria no meio. Uma banda de Brasília que misturava Ramones com forró, e com letras escrachadas, cheias de palavrões.

Tal qual a avalanche de bandas que ia surgindo, uma nova geração de gravadoras, também independentes, precisavam dar conta de registrar esses novos valores, deixados à margem pela grande mídia. Uma delas, surgiu quando o jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda convenceu os Titãs a investirem em um selo para descobrir novas bandas. Ligado na cena, e ouvindo dúzias de fitas demo por dia, como repórter musical, Miranda tinha conhecimento do que estava rolando no novo underground brazuca, e sugeriu que o recém criado Banguela lançasse seu debut álbum com o Raimundos, cuja demo recebera de um colega de Brasília.

Os desafios eram muitos. Uma forma de trabalho diferente, com um selo independente, apesar de o esperto Miranda garantir a distribuição pela Warner, major que tem o Titãs no cast. Uma banda nova, de fora do eixo Rio/São Paulo, tocando um hardcore pesado, cantando em português, sim, mas com letras diferentes das demais, chupadas do folclore popular do Nordeste e carregadas de palavrões, com um bom gosto questionável. Quem iria tocar? Quem divulgaria esse novo trabalho?

A resposta veio com a nova geração de adolescentes ligada no rock brasileiro. Os anos noventa haviam renovado o público de rock, e essa garotada queria mesmo é chutar o pau da barraca. E o Raimundos foi a trilha sonora que eles precisavam.

Embalados pelo rótulo forrócore, que por si só já chamava a atenção, o primeiro álbum da banda, intitulado simplesmente “Raimundos”, chegou às lojas em maio de 94. A essa altura, a banda já havia tocado no M2000 Summer Concerts, em Santos, no início do ano, ao lado de atrações internacionais, para um público de mais de 50 mil pessoas, além de ter tocado como banda de abertura para nomes consagrados como Camisa de Vênus, Ratos de Porão, e, é claro, Titãs. O Raimundos estava, digamos, na marca do pênalti.

Escolhida como música de trabalho, “Nêga Jurema” ganhou uma versão em clip ainda independente, produzido na Universidade de Brasília, o que detonou uma execução maciça na MTV, mesmo antes do álbum ter sido lançado. O clip ao vivo de “Puteiro em João Pessoa”, música que abria o álbum com o indefectível clamor (“eu quero é rock!”) foi outra porrada na cara das FMs, que tiveram que tocar as músicas da banda, mesmo contendo versos como “ela pegou no meu p* pôs na boca e ficou de quatro”. Afora o péssimo gosto e a gratuidade da baixaria do grupo, “Puteiro Em João Pessoa” pegou também pelo lado hardcore, altamente convidativo para o pogo e a abertura de roda, a essa altura já não um monopólio dos punks, mas dominado por todo o tipo de playboys. O variado público do Raimundos começava a se formar.

A consagração da banda no entanto veio com a balada “Selim”, uma típica canção de corno, de autoria de outro amigo da banda, Titi, que narra a história de um adolescente que quer ser o banco da bicicleta de sua amada, só para estar mais perto dela. E isso numa letra sem nenhum palavrão, mas com citações à vagina, ânus, etc. Em agosto de 94, na participação da banda no Monsters of Rock brasileiro, no Pacaembu, “Selim” foi cantada em uníssono pelo público de heavy metal, que aguardava os shows de Suicidal Tendencies, Black Sabbath, Slayer e Kiss. “Selim” levou o álbum à marca das 120 mil cópias e deu ao Raimundos o status de banda grande no mercado brasileiro.

“Raimundos”, o álbum, na verdade não tem em suas músicas nada de forró, mas uma mistura de hardcore com rock pesado, riffs à vezes metálicos e muito gás. O forró, além de uma clara jogada de marketing, está na temática das letras, muitas delas tiradas do folclore popular nordestino. E é aí que a coisa pega. Uma coletânea de mau gosto e grosseria percorre o álbum do início ao fim, sem duplo sentido, direto mesmo. “Pimenta malagueta quando entra na b* vai enganchar no pulmão” (“Minha Cunhada”), “Dessa vez vou ter mais sorte, vou soltar um peido bem forte” (“MM’s”) e “Pra socar minha p* dia e noite, noite e dia” (“Cintura Fina”) são só alguns exemplos. Ainda assim, a grande mídia não só recebeu bem esse primeiro trabalho da banda, como teve participação decisiva ao impulsionar a carreira do grupo. Estava liberada a baixaria no rock brasileiro dos anos 90 (vide box).

Com o CD na mão, os Raimundos caíram na estrada, fechando o ano de 94 com uma vendagem superior a 100 mil cópias (ultrapassaria as 200 mil). Além da grande exposição na mídia, a banda faz shows de abertura para vários artistas internacionais, entre eles Ramones (o baixista CJ chegou a tocar com eles) e Sepultura, em três datas da “Acid Chaos Tour”.

LAVADO, NOVO E REPETINDO A DOSE

O sucesso da estréia garante a gravação um contrato de três álbuns com a Warner e sela, sem maiores explicações, o fim do selo Banguela (vide box). A gravação do segundo álbum, já em 95, teve a produção do inglês Mark Dearnley, conhecido por trabalhos com Black Sabbath e AC/DC. Nada mal para uma banda que há pouco tempo só tocava covers.

“Lavô Tá Novo” é lançado em novembro de 95, porém a música de trabalho, “Eu Quero Ver o Oco” já rolava direto nas rádios em todo o país, e seu belo clip, produzido na Califórnia, não parava de passar na MTV. Com muito mais peso, menos baixaria e mais produção e um “quê” de metal trazido pelo novo produtor, “Lavô Tá Novo” começa a colocar por terra o rótulo forrócore, a essa altura limitante para uma banda de grande porte. É um trabalho com músicas diferentes entre si, vão desde o hardcore cruzado com metal (“Eu Quero Ver o Oco”) até coisas mais lentas (“O Pão da Minha Prima”). As letras dão um certo tempo, em termos das habituais baixarias do álbum anterior, mas ainda há coisas lamentáveis como “Tora Tora” e “Esporrei Na Manivela”. Os destaques são “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”, uma bem humorada brincadeira com as bandas que cantam em inglês sem conhecer o idioma, e “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)”, de autoria de Zenilton, essa, sim, com letra inteligente e de duplo sentido.

A escalação do Raimundos para a noite mais rock do Hollywood Rock, nos dois últimos finais de semana de janeiro de 96 foi a prova de fogo para o grupo. Ainda no início da tour do segundo álbum, foi a primeira vez que a banda pôde mostrar o novo trabalho, para um público grande e exigente, que tinha olhos mesmo era para a atração principal da noite, nada menos que a dupla Page & Plant, ou se preferirem, o Led Zeppelin. Sem se intimidar, a banda levou a Praça da Apoteose a baixo, com os primeiros acordes de “Eu Quero Ver o Oco”, a essa altura já um hit nacional, fato ocorrido também na semana anterior, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. O show foi decisivo para a carreira do grupo, que com um set curto, típico de festivais, entrou e saiu com o jogo ganho, com o público cantando todas músicas no pé da letra.

Nesse ano, os Raimundos tiveram seus álbuns lançados em Portugal e na Espanha, onde o grupo faz uma rápida tour com poucos shows e muitas entrevistas, para divulgação. Decorridos seis meses do seu lançamento, “Lavô Tá Novo” entupia a programação das rádios em todo país, e atingia a marca de 180 mil cópias vendidas (passaria das 400).

Em agosto, o Raimundos voltou a ser escalado para o Monsters Of Rock, desta vez ao lado de Mercyful Fate, King Diamond, Helloween, Biohazard, Motörhead, Skid Row e Iron Maiden. A banda causou polêmica, pois tocou depois do Helloween, tendo inclusive maior tempo de show. A nação metálica nacional se voltou contra o grupo, que, alheio a isso e aos eternos problemas de equipamentos e passagens de som, típicos em festivais desse porte, voltou a sacudir o público com sua saraivada de sucessos de FM.

No final do ano, na esteira do reconhecido sucesso do grupo, foi lançada a caixa “Cesta Básica”, com tiragem limitada, incluindo um CD com covers e versões alternativas para algumas músicas, uma fita de vídeo com todos os clipes lançados até então, e imagens caseiras registradas nas tours pela esposa do baixista Canisso, e uma revista em quadrinhos feita pelo cartunista Angeli. Inicialmente com tiragem de 8 mil cópias, uma vez que se destinava (até pelo custo) só para colecionadores, o sucesso foi tanto que a gravadora prensou nova tiragem, dessa vez com 100 mil cópias, além de colocar o CD, em separado, no mercado.

São ao todo dez músicas, sendo três covers (Ramones, Sex Pistols e Filhos de Menguele), quatro versões ao vivo, duas faixas inéditas e, de novo, “Puteiro em João Pessoa”, que ganhou finalmente um clip. Com a banda metida em infindáveis tours, e com dificuldade para trabalhar em cima de material novo, “Cesta Básica” serviu mesmo para dar um certo fôlego, marcando presença nas FMs. Sem falar, é claro, na estratégia de se lançar um produto altamente vendável na época de fim de ano, onde reina a febre dos presentes.

LAPADAS E MUDANÇAS

Em 97, os Raimundos começaram a preparar o terceiro álbum, mas os compromissos agendados e o inesperado sucesso de “Cesta Básica” atrasaram os trabalhos. Além de shows que não param de rolar, inclusive com a banda passando até mais de duas vezes com a tour em determinados lugares, o Raimundos participa da gravação dos álbuns de Rita Lee e do Camisa de Vênus.

É só no segundo semestre que “Lapadas do Povo” começou a ser efetivamente trabalhado, de novo com a produção de Mark Dearnley, mas desta vez todo gravado no exterior. A banda tece comentários de que “Lapadas” seria o seu trabalho mais pesado, e com menos escrachos e palavrões. Daí a manutenção de Mark na produção.

“Lapadas do Povo” já da o ar da graça em “Andar Na Pedra”, com um riff típico de metal, ultrapesado, de fazer inveja aos bons tempos do Suicidal Tendencies, com direito a um grande solo de Digão, outrora limitado a palhetadas distorcidas. Hardcores rapidíssimos marcam presença com “Véio, Manco e Gordo”, “CC de Com Força” e “Crumis Ódamis”. Não há realmente espaço para as tradicionais baixarias (“Ui, Ui, Ui” é a exceção), mas a presença da temática nordestina continua firme, como se vê em “Poquito Más (Healthy Food)” e em “Nariz de Doze”. A novidade é a cover de “Oliver’s Army”, de Elvis Costello e a versão para “Ramona”, que aqui virou “Pequena Raimunda”. Com “Lapadas do Povo”, basicamente um álbum crossover, o Raimundos se confirma no mercado como uma banda madura, entrosada e cometendo um dos trabalhos mais bem produzidos do ano.

A tour do novo álbum começou mal. Após um dos primeiros shows, em Santos, em novembro, um tumulto causado pela falta de organização do clube local (poucos acessos, portas trancadas) deixou mais de 100 feridos e resultou na morte de sete fãs. O detalhe é que os músicos só ficaram sabendo do ocorrido quando estavam no hotel, e o pior é que toda a grande mídia, com é de costume, deu ênfase ao fato, prejudicando, de certa forma, a imagem da banda. O quarteto se sensibilizou com o episódio e suspendeu temporariamente a recém iniciada tour.

O ano de 98 começou com a notícia da renovação do contrato com a Warner para mais cinco álbuns, estabilizando mais ainda a carreira do Raimundos. A essa altura do campeonato, os quatro candangos freqüentam não só os estúdios das rádios rock e da MTV, mas todos os maiores e mais populares programas de TV: Jô Soares Onze e Meia, Ratinho Show, Programa Livre, H, Raul Gil, Xuxa Hits, e por aí afora. A popularidade e a aceitação da banda crescem tanto que, de repente aparece na TV um comercial da Rider (grife de chinelos), com Raimundos ao fundo. Era a música “Nana Neném”, uma espécie de canção de ninar hardcore, que foi lançada em single, em agosto passado, junto com “Reggae do Manêro”, inédita até então. O ano terminou com a participação do Raimundos em dois shows da tour do Iron Maiden e Helloween, em São Paulo e em Curitiba, onde, como de costume, a banda foi bem aceita, embora sendo um público de metal.

A VOLTA AO COMEÇO, UMA DÉCADA DEPOIS

Entre fevereiro e março de 99, os Raimundos se enfiaram no Estúdio AR, no Rio de Janeiro, para a gravação do quarto álbum, “Só No Forévis”. A idéia da banda era meio que voltar um pouco ao trabalho do começo, fazer um som parecido com o do primeiro álbum. Para tanto, voltaram a recrutar Carlos Eduardo Miranda para a produção, mas dessa vez em parceria com Tom Capone e Mauro Manzoli.

“Só No Forévis” terá doze músicas, sendo duas covers, uma do Little Quail e outra do Filhos de Menguele, a antiga banda do guitarrista Digão. Isso sem falar em algumas faixa bônus, já gravadas, mas não reveladas pela banda (veja a lista a seguir), e nem pela gravadora até o fechamento dessa edição. Outro detalhe ainda não divulgado é como vai ser a capa do álbum, mas já se sabe que vai ser com uma foto (não uma ilustração), e o trabalho está a cargo de Luís Stein.

Como se ainda fosse pouco, a lista de participações especiais vai desde Bi Ribeiro, dos Paralamas do Sucesso, do Los Djangos, até o vocalista Alexandre, do Nativus, e Gustavo Black Alien, do Planet Hemp.

Confira agora, como serão as músicas de “Só No Forévis”, uma por uma, na relação que o vocalista Rodolfo preparou, de memória, com exclusividade para a Rock Press:

“Mata o Véio” lembra… pô, me dá vontade de andar de skate quando eu ouço essa música. Parece comercial do Hollywood, música de extreme games. Ela fala um pouco da televisão brasileira;

“Alegria” é uma música do Filhos de Menguele. A gente resolveu gravar essa música porque ela tem a letra mais do c* que eu já vi, é do Telo, aquele bicho doido que já compõe com a gente há 500 anos;

“Língua Presa” eu fiz a letra com o Telo também. É um hardcore ligado, só que cantado por caras que têm a língua presa. Nessa música apareceu o pessoal do Los Djangos, e eles fizeram uma vinhetinha de introdução;

“Aquela” é do Little Quail, que a gente resolveu regravar porque é uma música linda, e uma música linda dessas tem que ser revivida;

“Me Lambe” é um skazinho maneiro, que até o Bi tocou um baixo nela, e ficou demais, cara. É uma letra meio sacaninha;

“Carrão de Dois” é um hardcorezinho meio melódico, mas não é nessa linha do hardcore da Califórnia não, é um melódico brasileiro. É uma música besta que fala de um carro movido à bafo no vidro;

“Fome do cão” é a única música que tem uns forró no disco, a gente mesmo gravou uma zabumba, triângulo. Essa música é irada, quem fez a letra junto comigo foram os caras do Rumbora, lá de Brasília (nova banda do baterista Bacalhau, ex-Little Quail). Essa é uma das músicas mais maneiras do disco;

“Deixa Eu Falar” é o tipo uma música que fala de poder falar o que quiser. Essa música é meio uma jam, quem cantou fui eu, o Gustavo Black Alien e o Alexandre, do Nativus. Foi legal, que eu não dei letra pra ninguém, cada um chegou e fez a sua parte. Ficou demais, cada parte ficou a cara do cara que fez. A parte do Gustavo é boa demais, ele é um dos melhores rappers que tem no Brasil, e já tem vários discípulos;

“Boca de Lata” a gente gravou meio rap. Quem fez a música foi o Nuts e o Zé Gonzales. Eu roubei o povo do D2, roubei todo mundo;

“A Mais Pedida” ficou linda, e quem cantou nela foi a Érika, do Penélope Charmosa. Ficou linda a bichinha;

“Pom Pem” é uma música besta que fala de uma menina da cidade que foi pro mato e adorou. É a música mais doida do disco, com partes bem malucas;

“Mulher de Fase” é a música mais bonita que a gente já fez. O nome dela era “Linda”, depois a gente mudou. A gente gravou até uns violinos. Eu vou ver se eu faço uma versão só com voz e violino pra mandar pra minha mãe. A bichinha sempre pede: “Meu filho, faça uma música que dê pra eu cantar”. E essa dá, vai fazer a véia chorar. Com violino então, até o meu pai vai chorar.

FRED: DE FÃ A INTEGRANTE DO GRUPO

Depois da mini tour que o Raimundos fez com o Helloween e o Iron Maiden no final do ano passado, o baterista Fred atendeu a Rock Press para um bate papo em uma livraria em Ipanema, zona sul do Rio. Fred falou sobre as mudanças no som e na temática da banda, sobre o mercado internacional e contou algumas curiosidades desses dez anos de carreira. Com vocês, o mais carioca dos Raimundos:

Houve uma mudança de som e nas letras do “Lavô Tá Novo” para o “Lapadas”. Por que isto ocorreu?

Mudança eu não sei se rolou, eu acho que teve uma busca maior em termos de qualidade. Sempre teve aquele negócio que “ah, a banda é muito legal, só que tem um som nacional”, e a gente não acreditava nisso. A gente achava que uma banda nacional poderia também fazer um som no mesmo nível, e talvez não tenha interpretado direito, soando de uma forma diferente. Além disso, foi um disco muito corrido, a gente só teve uma semana para fazer o “Lapadas do Povo”. O primeiro disco é mais baseado nos hardcores. O “Lavô Tá Novo” tinha um rock mais pesado, arrastado. O “Lapadas” tem hardcore e rock mais pesado. O forró a gente queria não deixar de lado, mas escolher uma outra forma de fazer isso.

O “Lavô” foi o que vendeu mais, certo?

Foi, mas não tem explicação. Quando o pessoal da gravadora escutou a primeira música, “Tora Tora”, a feição das pessoas era, tipo “o que é que nós vamos fazer com esse CD?” Eles não sabiam por onde começar a trabalhar. Eles nunca tinham trabalhado um disco daquele. E foi o que mais vendeu. O número de vezes que as músicas tocavam nas rádios era impressionante. E o “Lapadas” perdeu um pouco disso, tocou bem menos em rádio. Mas isso é bom.

Por que? Você acha que dá um tempo na mídia?

Dá. Teve uma vez que eu fiz uma entrevista para o Jornal da Tarde e saiu uma manchete enorme “O sucesso do Raimundos é prejudicial ao rock brasileiro.” E embaixo, em letras menores, no sub-título, “segundo o baterista da banda Fred…” O editor foi sensacionalista nisso. O que eu quis dizer pra ele foi o seguinte: se o Raimundos viesse com o “Lavô tá Novo” e o “Lapadas do Povo” fosse a mesma coisa, poderia acontecer como tá acontecendo com muitas bandas. Tem uma hora que, se não surgir nada da novo, cansa. E se a gente usar a mesma fórmula, vai virar uma comédia, uma piada contada duas vezes. O “Lapadas” foi muito importante nesse ponto.

Qual a relação que você vê entre a diminuição dos elementos de forró no “Lapadas” e o aumento de espaço lá fora?

Lá fora falam muito ainda de forró, apesar deles não conseguirem identificar direito. Mas quando você explica, o forró nada mais é que um repente. E o rap também é um repente. O “Lapadas” tem músicas que a gente não entende como não estouraram. Eu gosto de escutar música na rádio. Esse papo de “eu não gosto de sucesso” é mentira.

Mas tem vezes que cansa ficar tocando em rádio 24 horas por dia. Não acha que tem risco de saturar o público?

Se for uma coisa de livre e espontânea vontade da rádio, não me incomoda. Agora, se eu souber que tem uma carga de grana por trás por esta música está estourando… Música tocando na rádio é sinal de mais show.

Voltando à diminuição do forró no “Lapadas”, não acha que isto pode ter jogado a banda num lugar comum, tipo, só mais uma banda de rock?

Tem isso. Antes de sair de Brasília eu vivia falando pro resto da banda “vamos parar de falar nesse negócio de forrócore porque isso vai vir pro resto da vida”, e não deu outra. A gente tinha um texto que dizia que, apesar de toda a mistura, o Raimundos não passava de uma boa banda de rock. O “Lapadas” sobreviveu como uma boa banda de rock. Eu gosto muito do primeiro e do segundo, mas considero o Lapadas o disco mais importante da gente até agora. Demos um ponto. O maior medo que a gente tem é chegar no décimo disco e aí ter que repensar toda a carreira. Isso a gente tá fazendo agora no terceiro.

O “Lapadas” ter saído diferente foi espontâneo ou programado?

Tinha uma idéia de fazer alguma coisa mais pesadona. E de tanto a gente falar, acho que o público acreditou que ele era muito mais pesado do que ele é mesmo. A gente acreditou nisso também.

E como está a aceitação dos discos no exterior?

Como artista estrangeiro que canta em outra língua, tem sido legal. Porque lá funciona bem diferente. Aqui existem os selos das gravadoras, que funcionam mais ou menos como uma gravadora mesmo. Lá, não. Lá a gente é do Bruto, que é da Draw, que é da Wishwesh, que é da Warner Bros. Um sub selo de um sub selo do selo da major. E isso funciona maravilhosamente bem.

Os álbuns foram lançados na América Latina?

Não, porque a gente não tem ido com o acordo de gravadora com gravadora como foi o “Lavo”. Ele foi um acordo da Warner do Brasil com a Warner da Espanha. Depois que o “Lavo” foi lançado, as coisas começaram a acontecer e rolou um interesse desse selo Bruto em nos contratar.

Enquanto o “Lavô” pode ter sido encarado como um disco de rock em outra língua, mas com o diferencial de ter elementos de música brasileira, é possível que o “Lapadas” seja encarado como apenas mais um disco de rock cantado em língua estrangeira. Você acha que isso atrapalha ou ajuda?

Isso que você tá falando a gente escutou também lá. Eu não posso te responder direito porque a gente não entendeu direito como é o mercado de lá. Mas o “Lapadas” já vendeu mais que o “Lavo”. A verdade é que nosso grande interesse ainda é ter o nosso mercado aqui. Se rolar lá fora, tudo bem, mas eu quero é que role aqui.

Bem, o Raimundos está fazendo 10 anos de carreira e eu gostaria de aproveitar o momento para saber algumas curiosidades sobre a banda. Qual foi o primeiro show do Raimundos que você viu?

Eu estava no primeiro show do Raimundos! Foi no reveillon na casa do Gabriel, do Little Quail. Eu tocava em duas bandas nessa época: Zona e Rock e os Billies. O meu pai sempre gostou muito dessa onda de ser baterista. E na época, eu falei pra ele que se existia uma banda em Brasília que iria fazer sucesso era o Raimundos. Aí ele falou: “Por que você não entra no Raimundos?” E eu respondi: “Pô, eu nem conheço os caras!”

E qual foi o primeiro show que você tocou com eles?

Foi no Jogo de Cena no Teatro Garagem, em agosto de 92. Porque eu já fazia parte do Raimundos acústico, era eu no tambor, zabumba, banco… o que tivesse na hora. O Rodolfo no triângulo e na voz, o Celsão, que era do Filhos de Menguele, no baixo e o Digão no violão. Depois pintou esse negócio de voltar o Raimundos. Mas o Digão estava naquela de não querer tocar bateria porque tinha problemas de audição. A banda usava uma bateria eletrônica, e no show em Goiânia, a bateria eletrônica deu errado. Foi quando o Rodolfo e o Canisso falaram: “Vamos chamar o Fred. Desde que a gente parou que ele enche o saco pra gente voltar”. Aí eles me chamaram.

Qual foi o melhor e o pior show dos Raimundos?

Um show que eu não gostaria de ter feito foi o de Santos. O show foi maravilhoso, um dos melhores shows da gente. De repente, você chega no hotel e recebe uma notícia daquelas. Acabou o show numa boa mas as pessoas não conseguiram chegar em casa ilesas. Esse foi o melhor e foi o pior. Um show que a gente não vai esquecer nunca.

Qual foi a coisa mais esquisita que aconteceu com vocês na estrada?

Teve uma vez que rolou uma tarde de autógrafos em Goiânia. Eram cinco mil pessoas dentro do shopping. Nesse dia, fui só eu e o Rodolfo. Foi o maior esquema: todo mundo de rádio, cada um num carro, muita segurança. Quando a gente tava chegando eu peguei o rádio e falei pro Rodolfo ir primeiro, porque vai todo mundo pra cima dele e eu vou direto pra loja. Quando o Rodolfo entrou, eu comecei a sair, mas eles sacaram que tava um em cada carro e foi todo mundo pra cima de mim. Os seguranças ficaram com medo que pessoas quebrassem a loja e mandaram que tirassem a gente o mais rápido possível. E pra gente sair armaram todo um cordão e fizeram um coque no meu cabelo. Nessa, romperam o cordão e arrancaram o coque, o cabelo… Quando a gente tava chegando perto do carro, o segurança destravou a porta, e as outras destravaram também. Parecia “A Volta dos Mortos-Vivos”! Pessoas entrando por todos os lugares do carro.

Como você imagina o Raimundos daqui a 10 anos?

Eu imagino o Raimundos daqui a 10 anos, como um trabalho. Eu vou estar com os cabelos completamente brancos. Daqui a 10 anos o Canisso vai estar com 43, eu com 36, Digão com 38 e o Rodolfo com 36. Caramba, Rolling Stones total! Cara, se eu chegar aos 50 que nem os caras dos Stones tá beleza. Eu consigo imaginar a gente tocando daqui a 10 anos.

RODOLFO: UM PEÃO NO ROCK

Empolgado com a gravação de “Só No Forévis”, Rodolfo atendeu à Rock Press com uma simplicidade às vezes difícil de se encontrar em bandas do mesmo porte que o Raimundos. Além de falar sobre o gravação em si, ele revelou também seu projetos para o mercado fonográfico brasileiro, e para revitalizar a cena rock de Brasília. Com vocês, um legítimo peão do rock:

Como foi a gravação do disco novo?

Foi o bicho cara, foi a gravação mas maneira do mundo. De todos os discos da gente, foi o mais alto astral, clima bom, as músicas saíram fácil, foi gravado até num tempo bem rápido, um mês e meio.

Por que vocês resolveram dessa vez fazer o álbum todo no Brasil?

Porque lá fora foi a maior merda do mudo, eu não gosto dessas paradas de sair fora, não…

Você acha que o “Lapadas” ficou ruim?

Não é que ficou ruim, mas é aquele negócio, você dá uma festa, compra comida pra c*, a melhor cerveja da terra, e não estão os teus brothers ali. Não tem ninguém, você dá uma festa pra você. A gente gravou, não teve nem participação de ninguém, tava todo mundo isolado, todas as músicas foram feitas lá… Eu não gosto de sair do Brasil, não, eu gosto daqui e fiquei triste lá.

Mas fazendo uma comparação, a produção lá de fora é tão boa quanto a nacional?

O resultado em termos de música foi muito bom, eu gosto do “Lapadas” pra c*, é um disco porrada pra cacete, eu acho que a gente conseguiu o som que a gente queria naquele disco. Mas esse foi muito mais astral, as músicas estão muito mais legais, mais peão…a produção aqui fechou o time, esses caras são os caras.

E como é que está em termos de letras, as sacanagens estão de volta?

É uma questão de momento, eu nunca forcei essas paradas, não, elas sempre saíram numa boa. Esse tem umas sacanagenzinhas, mas eu não penso muito nisso, não. O fato de eu estar mais em casa, fez com que saísse mais esse tipo de coisa.

E o som, como é que está?

Continua a mesma porrada, mas tem umas músicas mais bonitas. Tipo assim, não tão hardcore, aquela gritaria. Tem uns hardcores mais cantados. Rápido pra c*, mas cantado. Tem mais melodia nesse disco. O “Lapadas” é muito falado, as músicas são muito rápidas. Nesse cada música tem mais melodia, e tem umas músicas gritadas também. Esse disco tá variado pra c*. Saca aquela viagem do “Lavô Tá Novo”? Cada música é de um jeito naquele disco, e esse tá assim, mais ou menos do mesmo jeito, bem variadão. Mas tá peão do mesmo jeito, a mesma coisa.

Como é ser “peão do mesmo jeito”?

Cara, peão, é porque a gente é peão. O Raimundos chamou a atenção quando apareceu porque era peão. Na definição da mídia tinha aquele negócio do forró, de duplo sentido, sacanagem, não sei lá o que. Isso é pra gente é “peãozisse”. Tipo assim, pra você ver o que eu estou te falando, o “Lapadas” é um disco que não é muito peão, é legal pra c*, mas não é peão. Esse tá mais peão, tá peão demais até.

Pode ser considerado um retorno às origens?

Total, só que numa nova fase. Não é uma parada que vem tipo, um outro Raimundos, é o mesmo Raimundos. Lembrando o antigo, mas é novo. Nesse disco as músicas estão muito bonitinhas, umas músicas maneiras da porra.

As músicas foram todas feitas no estúdio, ou vocês já tinham alguma coisa pronta?

No “Lapadas” a gente sofreu, muita música foi feita lá. Agora, quando a gente começou a ensaiar, já tinha umas quatro feitas, o Digão já tinha vários riffs gravados, neguinho já cheio de idéia. Entramos no estúdio e já estava tudo pronto… Só faltavam três letras que saíram assim, sem fazer a menor força. Foi maravilha, esse disco foi o maior relax. Ainda mais que foi na frente do surf (o estúdio AR fica na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, a uma quadra da praia). Era todo tia: chegava no estúdio, um surfezinho antes de gravar, um surfezinho depois. Qualquer meia hora que você dá uma caidinha e já vale teu dia.

Não rolou de fazer uma surf music, colocar uns riffs tipo Dick Dale?

Rapaz, não sei não, mas tem umas guitarras muito loucas, uma viagens…Você falou uma parada legal, o surf com certeza influenciou esse disco sim. O Digão também tá á pegando altas ondas.

Você tocou nesse disco?

Eu toquei duas guitarras só. Porque eu componho muito junto com o Digão. A gente sempre dá opinião em tudo pra todo mundo se amarrar em tudo. Não é tipo “a guitarra é a sua parte, faça ela”. A maioria das guitarras que eu iria gravar, seria a mesma coisa da guitarra do Digão, e ia embolar o som, porque seriam duas pegadas diferentes. Então ele grava tudo, e aquela que tem alguma coisa que teria que fazer ao vivo mesmo, eu fui lá e gravei, só com o som da minha guitarra, sem nenhum efeito.

A banda acaba de fazer dez anos, já vendeu muitos discos… O que você acha?

Tô velho pra c*… Eu tô amarradão, eu agradeço a Deus todo dia, de poder fazer uma parada que é o meu hobby. Me dá satisfação pra c*. O resto da batalha a gente tá aí mesmo, pra lutar, passar por cima dos problemas, e continuar.

Porque que você acha que poucas bandas nos anos 90 se deram bem?

Eu acho que tem muita banda boa que não se deu bem. Eu acho que a coisa começou legal pra c*, selos independentes… Essa é a alma da parada. Com a volta de novos selos, vai voltar a ter bandas legais. Uma gravadora quer pegar um produto que já venda, uma coisa certa, quer ter retorno, porque é uma multinacional. Tudo isso é compreensível. As bandas precisam dos selos independentes, porque eles deixam elas fazerem o que elas querem. Aí dá qualidade, não vira um lance de padrão de rádio, uma banda pra vender. Eu tô até lançando um selo, com um amigo meu lá de Brasília.

Então abre o jogo…

Chama Domingas Discos, e a gente tá lançando um disco nosso, uma bandinha em que eu tocava antes do Raimundos, o Royal Straight Flash. O disco já está pronto, eu vou lançar dois discos no mesmo mês, isso é muito f*.

E qual é o som?

É um hardcore bem doido, falando de maldades. O Evandro faz umas letras muito doidas, e eu só toco guitarra. O CD já está lá em casa, são mil cópias. É uma parada que ninguém faria. O Domingas Discos vai ser uma grande empresa. Tipo assim, se você quer lançar alguma coisa pelo Domingas, você chega lá e paga metade, a gente paga metade, ai chegam os discos cada um fica com a metade, vende sua parte e pronto. Sem contrato, sem p* nenhuma. É uma parada pelo movimento. Pra banda que não tem nada, ela chega e já sai com o CD. É uma parada pela parada, não é por grana.

Como estão as bandas lá em Brasília?

Brasília é uma cidade que gera tanta coisa boa, mas todo mundo rala de lá! Ainda tem um monte de moleques tocando lá. É que tem pouco selo, e o pessoal que tem potencial, faz as paradas e sai. Devia sair, arrebentar, voltar e pregar alguma coisa para a cidade crescer. Não tem local pra se tocar em Brasília. Na nossa época, tinha um espaço f*, chamado Teatro Garagem. Tinha show de pelo menos cinco bandas. Foi na época que saiu a gente, o Little Quail, o Maskavo, Oz, Low Dream, DFC, Os Cabelo Duro… Era banda pra c*, e rolava uma cena. Tinha uma galera no jornal que dava força, que era a mesma que trabalhava no rádio. Você fazia um show, tinha matéria no jornal, sua música de demo tocando na rádio junto com a do Metallica e a do Caetano Veloso. Por isso meu próximo plano e montar uma casa de shows lá, no mesmo estilo do Domingas, juntar mais uns doidos, um dinheiro, e comprar um imóvel. Porque tem esse defeito, a parada acontece, dura três meses, e acaba. Por isso tem que ser imóvel próprio.

LÍDER DO LITTLE QUAIL FOI ANFITRIÃO DO PRIMEIRO SHOW

“Foi uma festa de reveillon que foi feita lá em casa. Os meus pais viajaram, eu decidi fazer a festa escondido, tirei todas as coisas da sala. Era uma sala bem grande, eu morava numa casa mesmo, não era um apartamento. Nós montamos o palco, e a galera foi assistir. O Raimundos abriu o show, depois tocou Little Quail e fechando foi Os CabeloDuro”. É assim que Gabriel Thomaz, na época guitarrista e vocalista do Little Quail explica como foi o primeiro show do Raimundos, na passagem do ano de 88 para 89. “A formação era diferente, era o Digão na bateria, o Rodolfo na guitarra, tinha o Titi, que é o cara que fez “Selim”, nos vocais e o Canisso no baixo. O Fred eu acho que nem estava lá, ele tocava no Zona”, continua.

Naquela época, todas as bandas estavam em início de carreira, todos eram amigos e queriam fazer alguma coisa diferente do rock caracterizado como “dos anos 80”. “O Little Quail é exatamente da mesma época do Raimundos, todo mundo tinha banda de hardcore, mas sem aquelas regras de ser punk, e ter que fazer isso, ser punk e ter que fazer aquilo. A gente era uns moleques, zoação total, queria fazer umas coisas diferentes”, comenta Gabriel.

Com essa atitude, é de se estranhar que o Raimundos tenha começado como uma banda de covers, mas Gabriel explica: “O Raimundos no início era Ramones Cover, só que tocar Ramones não era uma coisa muito comum naquela época, as bandas tocavam U2. E aí eles começaram a pegar una forrós que o pai do Rodolfo ouvia e botar numa versão bem Ramones, com os forrós em cima. Ficou uma coisa muito engraçada, muito boa de ouvir”. Assim germinava o que mais tarde toda a mídia brasileira iria chamar de forrócore, ou “peãozisse”, com prefere o vocalista Rodolfo.

Na época, a recém formada banda quase não fazia letras, mas a intenção de fazer zona e não levar a coisa muito a sério foi crucial para as primeiras composições: “O troço do palavrão começou depois, o pessoal achava muito estranho. Tanto o Raimundos quanto o Little Quail era uma coisa muito anti-cabecismo, que dominava total na terra de onde veio Legião Urbana e Osvaldo Montenegro. A onda era essa, falar besteira, porque tirar onda de ser inteligente a gente achava uma merda, tirar onda de poeta a gente achava que era coisa de mané”, completa Gabriel.

Das bandas que tocaram nesse show, só mesmo o Raimundos conseguiu atingir o sucesso do mercado brasileiro nos anos 90. Os CabeloDuro tem uma respeitável carreira no underground, e o Little Quail, depois de gravar dois álbuns, encerrou suas atividades. “O Raimundos fez a coisa certa na hora certa, tiveram muita sorte, coisa e tal”, justifica Gabriel, que agora está à frente do Autoramas, trio que faz um trabalho voltado para a surf music. “Eu acho que é muito bom o Raimundos existir, é uma banda de hardcore que entrou nas paradas, vendeu disco de platina em todos discos que eles lançaram, e quebraram um monte de barreiras”, finaliza, com propriedade.

BANDA DECRETOU PADRÃO BAIXARIA PARA A GERAÇÃO DOS ANOS 90

No mundo pop é assim, nada se cria, tudo se copia. Qualquer grupo que chega ao topo das paradas, arregala os olhos do mercado, que sai à caça do novo ícone, dentro dos moldes do anterior. Nos anos 90, a incansável busca do novo Nirvana, ou ainda da nova Seattle, foi uma constante.

No rock brasileiro não poderia ser diferente, pois são as mesmas gravadoras, os mesmos esquemas, o mesmo sistema. Assim, os padrões “engraçadinho” (na cola dos Mamonas Assassinas), “maconheiro sangue bom” (do Planet Hemp) e a “baixaria nordestina” (pregado pelo Raimundos) se proliferam de norte a sul do país. Com o fim precoce dos Mamonas e a perseguição política ao Planet, só sobrou a baixaria do Raimundos.

O resultado foi drástico. Milhares de bandas tentando descolar uma nova forma de misturar forró com rock (mesmo em estilos mais conservadores como o heavy metal), e de escrachar com mulher de uma forma geral, atingindo níveis de mau gosto nunca antes alcançados. Até algumas bandas com carreira internacional consolidada caíram no erro de misturar (ou maquiar) as tais “influências brasileiras”, como o Angra e o Sepultura, por exemplo.

E o problema não era só o uso do palavrão, fato comum no rock em qualquer lugar do planeta. O problema é como o termo chulo é utilizado, em geral gratuitamente, revelando um péssimo gosto, do ponto de vista estético. O primeiro álbum do Raimundos é um exemplo típico, e espalhou essa semente em toda uma nova geração de fãs e, por conseguinte, de bandas.

Entupiu-se os escritórios das gravadoras e as redações das revistas especializadas com todo esse lixo. Algumas bandas chegaram ao lançar trabalhos por grandes gravadoras, mas a grande maioria, é óbvio, não conseguiu ir em frente, não só por uma questão do mau gosto em si, mas sobretudo por se tratar de um sub produto de outro grupo, a falta de criatividade plena.

BANGUELA MOSTROU O CAMINHO PARA OS SELOS INDEPENDENTES

Criado pelo jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda, em parceria com parte dos Titãs (o primeiro entrava com as bandas, e o segundo com a grana), o selo Banguela foi o primeiro no cenário nacional a conferir uma certa viabilidade para o lançamento de novas bandas a custo reduzido e com distribuição por uma major, no caso a Warner, a mesma gravadora dos Titãs.

A idéia foi tão boa que boa parte das grandes gravadoras passou a apostar nos novos selos, principalmente os regionais, dado o tamanho do nosso país. A Sony criou o Chaos, que acaba de completar cinco anos, a BMG ressuscitou o Plug, e a Polygram possui um verdadeiro cast de pequenos selos dos estilos mais variados, que já lhe rendeu artistas como Zeca Balero, Júpiter Maçã e Acabou La Tequila, entre outros.

Mais ainda, mostrou a viabilidade (ainda não consolidada) de se erguer um mercado para bandas e estilos de pequeno e médio porte, sem a necessidade de altos investimentos, e tampouco, de grandes astros. Provou que uma banda pode sobreviver no mercado sem vender milhões, mas sendo a profissão de seus integrantes.

O que a Banguela não conseguiu foi convencer a Warner (e nem as outras majors) disso. Resultado: num processo antropofágico, a Warner digeriu o sucesso do Raimundos, e deixou de lado todas as outras bandas do selo, que teve que acabar. Essa é uma questão até hoje mal esclarecida, não se sabe se existem problemas legais ou mesmo jurídicos, mas boa coisa não foi.

A versão oficial dá conta de que o contrato com a Warner foi rescindido, e o novo cast da Banguela teria passado para a Excelente Discos, de propriedade de Miranda, inicialmente distribuído pela Polygram (atual Universal), e depois pela Abril Music.

À frente do Banguela, Miranda capitaneou o maior número possível de bandas novas, mas não teve o apoio da Warner para lançar todas, como a Graforréia Xilarmônica, o Liguachula, e o sem número de bandas que participaram das três coletâneas lançadas pelo selo.

O mais importante, porém, é que a partir daí gravadoras independentes pipocaram por todo o país, ampliando o mercado e os horizontes da mídia. O Banguela cumpriu o seu papel. Que cada novo selo também faça a sua parte.

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