Rock é Rock Mesmo

Cada coisa no seu lugar

Cada veículo de informação/leitura tem o seu formato, por isso, nada de almanaquizar (ou internetizar) o que nasceu para ser biografia.

Meus amigos, viva o paradoxo, a antítese, a contradição. Antes de publicar a coluna da semana passada, foi isso que vi no texto que fala, entre outras coisas, de baixar música. Baixar ou não baixar, eis a questão. Li e vi que o texto em si se contradizia o tempo todo, sem deixar claro a posição deste que vos escreve. Tanto que uma pá de leitores queria saber se, afinal, sou contra ou a favor do desvario virtual. Tá bom, uma pá pequena, daquelas de lixo. Pois eis a resposta: não sei. E, por isso mesmo, fiz questão de não deixar o texto claro, muito pelo contrário. Publiquei-o assim mesmo. E o que está feito está feito.

Começo assim a coluna de hoje numas de tentar explicar o que nem precisaria ser explicado, mas tudo na vida precisa de um início, sobretudo colunas semanais como essa. Escrevo essas linhas e ouço Bruce Dickinson falar sem parar no antenadíssimo programa de rádio dele. E a primeira música é, vejam vocês, uma do Jet, total AC/DC. Disse “vejam vocês” porque há tempos, desde que tardiamente conheci essa banda, estou para falar dela aqui. De acordo com a sincronicidade do rock’n’roll, deveria fazer isso já, mas vou declinar ao que não acontece por acaso para voltar àquilo que queria dizer.

O almanaque. Era esse o ponto. Para mim, almanaque sempre foi uma coletânea de coisas legais, de diversas áreas. Nas revistas em quadrinhos da minha infância, os almanaques, caros, eram desejadíssimos. Para o Aurélio, almanaque é uma “publicação que, além de um calendário completo, contém matéria científica, literária, informativa e, às vezes, recreativa e humorística”. Bela definição. Pois essa onda recente de almanaque, que eu me lembre, começou com o “Almanaque dos Anos 80”, lançado há alguns anos para celebrar tudo que de legal aconteceu naquela década. Escrito (agrupado) pelos jornalistas Luiz André Alzer e Mariana Claudino, ficou bem legal, fez sucesso e desencadeou os almanaques dos anos 70 e dos anos 90, do chapa Silvio Essinger, lançado agora há pouco. Ou seja, o formato pegou.

E por que será que pegou? Não sei se os amigos já reparam, mas o formato almanaque é bem parecido com o formato internet. Informações curtas, com fontes de tamanhos variados, muitas fotos, tudo sem muita seqüência ou ordem de qualquer espécie. Recursos antes só vistos na telinha do computador ganham versão impressa nos almanaques, como as frases/textos marcados (aquela tarja de outra cor que envolve a fonte), os destaques em caixa alta, e assim por diante. Até a Folha de São Paulo e sua fome de vanguarda já usa, em seu projeto gráfico mais recente, esses recursos. Almanaque e Internet: tudo a ver.

O problema, meus amigos, é quando se tenta aplicar o tal do formato almanaque para outro tipo de livro, como, por exemplo, uma biografia. Fazer uma biografia, como o nome já diz, é contar a história de alguém, e a história de alguém deve ser contada através de uma narrativa com uma certa seqüência, não salpicando fatos sem conexão aqui e acolá. Digo isso não numa de querer preservar formatos, mas porque a quebra da narrativa, numa biografia, prejudica o entendimento do leitor e provoca o desinteresse pela própria leitura. E se tem uma coisa que eu aprendia em salas de aula e redações, foi justamente como fazer algo interessante de se ler.

Digo isso não porque sou um especialista em lingüística ou algo que o valha, mas porque acabei de ler, enfim, o livro “Barão Vermelho – Por que a gente é assim”, escrito pelo jornalista e produtor do Barão, Ezequiel Neves; pelo baterista da banda, Guto Goffi; e pelo jornalista e fã Rodrigo Pinto. Disse “enfim” não porque tenha demorado a ler, mas porque demorei para iniciar a leitura do livro, que terminei, acreditem, em ligeiras quatro horas, e sem correrias. Lê-se rápido esse livro porque ele é uma mistura de biografia com almanaque, em que pese o conhecimento de causa dos três autores, sobretudo os dois primeiros, e a pesquisa do terceiro. É bem verdade que em nenhum lugar está escrito que se trata de uma biografia, mas é isso que se espera do livro, e é isso que ele faz: conta a história do Barão Vermelho.

E, em conteúdo, conta direitinho, sim. Peca é pelo formato, que faz o leitor se deparar constantemente com a dúvida: paro aqui para ler essas letras grandonas ou continuo lendo a história da banda? É como se existissem, a todo o momento, boxes gigantes que quebram completamente a narrativa, prejudicando – repito – o entendimento e esmorecendo o ímpeto pela leitura do texto. Como diz o anedotário popular, cada coisa no seu lugar. Almanaque é almanaque e biografia é biografia. Não sei de quem partiu a idéia, mas o fato de Rodrigo Pinto ser editor de cultura do Globo on line, e de almanaque e linguagem de internet ter tudo a ver, acho que a coisa nasceu daí.

Mas vejam, meus amigos, o livro é bom, no sentido de contar a história para alguém que já conhece a banda. E conta muitas histórias legais, falando bem abertamente, inclusive, de drogas e homossexualismo, coisa rara nessas biografias de bandas de rock, sempre com muitas e ótimas fotos, de todas as fases do Barão. Mas peca, de outro lado, por deixar de lado justamente a música. Aquele que, ao acaso, ficou fora do planeta Brasil nos últimos 30 anos, e decidir ler este livro para se atualizar, encerrará a leitura sem saber exatamente que tipo de som fazia (faz) o Barão, tal a superficialidade que foram tratadas as mudanças sonoras pelas quais a banda passou ao longo da carreira. Mas atenção: isso não é uma resenha.

Antes de encerrar preciso afirmar que sou fã do almanaque, adoro biografias e sou razoavelmente familiarizado com a linguagem da internet. Conheço, e bastante, as diferentes linguagens em veículos de comunicação, seja ele uma revista, um jornal, um site, um anúncio, um reles panfleto. E sei, acreditem, que cada qual se comunica de uma forma, e para um tipo de público. Mas, meus amigos, prestem atenção: cada coisa no seu lugar.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!

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