No Mundo do Rock

Histórias bem tramadas realçam o rock moderno da Tom Bloch

Banda se reduz a um duo e lança segundo disco em selo especial da Som Livre para novos artistas. Fotos: Divulgação.

Iuri Freiberger e Pedro Veríssimo: uma dupla que se multiplica à frente da Tom Bloch

Iuri Freiberger e Pedro Veríssimo: uma dupla que se multiplica à frente da Tom Bloch

“Éramos Seis” bem que poderia ser o nome dessa banda gaúcha, formada em 1999. Pelo menos na fase atual, na qual - explica-se - quatro integrantes deixaram o barco nas mãos do vocalista Pedro Veríssimo e do baterista (e produtor) Iuri Freiberger. O nome Tom Bloch vem de outra referência literária, de um conto escrito por Mini, ex-guitarrista, e que fez fama à frente do também porto-alegrense Walverdes. E como o sobrenome não nega, Pedro é filho do escritor Luis Fernando Veríssimo e, talvez por isso mesmo, é seguramente um dos melhores letristas do rock nacional.

No disco de estréia, “Tom Bloch”, de 2002, o hit “Nessa Casa” marcou a banda, mas já estavam ali, embutidas em muitas guitarras, histórias de relacionamentos que são a especialidade do observador Pedro. Elas realçam o segundo disco, “Tom Bloch 2”, lançado agora pela Som Livre, dentro do projeto “Som Livre Apresenta”, idealizado para dar espaço para novos artistas do cenário nacional. Nessa nova empreitada Pedro e Iuri contaram com a ajuda do guitarrista Junior Tostoi (Vulgue Tostoi) e do baixista Patrick Laplan (Los Hermanos, Eskimo), para gravar o CD, na Toca do Bandido, no Rio de Janeiro, cidade para onde os dois, aliás, vieram de mala e cuia.

Nessa entrevista concedida por e-mail, Pedro Veríssimo discorre sobre essa nova fase da banda, fala sobre o contrato com uma gravadora, em tempos de música virtual, das letras que bem sabe escrever, da atual formação mutante do Tom Bloch e do novo disco em si. Confira que ele é bom de papo, ops, bom com as palavras.

Rock em Geral: Qual a origem do nome Tom Bloch?

Pedro Veríssimo: O primeiro guitarrista da Tom Bloch foi o Mini, dos Walverdes, que além de letrista excepcional escreve uns contos ótimos. Tom Bloch era um personagem recorrente nesses contos. Quando começamos a procurar um nome, pedi permissão para usar. Sempre achei interessante - e muito de acordo com o conceito da banda - ter o nome de uma pessoa para identificar a todos. Um tipo de pseudônimo coletivo. E é um nome bem sonoro.

REG: Da formação que gravou o primeiro disco, restaram dois integrantes. Conte como isso aconteceu:

Pedro: Contratamos um assassino profissional e nos livramos de todos! Ok, não foi exatamente assim… Foram decisões pessoais de cada um, caminhos diferentes na vida. Mas o fato é que a Tom Bloch sempre teve um rodízio grande de integrantes. E o começo foi como dupla mesmo - eu e o Charles di Pinto, co-produtor do primeiro disco -, depois é que acabou crescendo e mudando sempre. Claro que a maior parte da vida da banda foi como um grupo de pelo menos quatro pessoas, e voltar a esse formato original mudou bastante a forma como estávamos compondo e produzindo. Mas não deixou de ser Tom Bloch, essa mudança toda é parte do que a banda é.

REG: Como você reuniu os músicos que gravaram esse disco? Diga quem é cada um deles:

Pedro: Começou quando decidimos que o disco seria gravado no Rio. Então fomos sondar pessoas e perguntar por aí. O que sabíamos é que quem quer que fosse precisava ter personalidade. Como o som do disco seria mais esparso do que o primeiro, mais limpo e com menos camadas, as guitarras e baixos precisavam ter presença forte. O Junior Tostoi era amigo antigo da banda - mesmo que só virtual - e eu sempre gostei muito de Vulgue Tostoi. É um guitarrista sensacional. O Patrick foi indicado por alguém para o Iuri. Não conhecíamos praticamente nada dele, mas todo mundo dizia que era a “personalidade” que a gente procurava no baixo. E era mesmo, um baixista foda. Além deles, teve a participação da Alessandra Verney, que é cantora e atriz (o que era uma combinação excelente para o que a gente pretendia), em duas faixas. E também o Ray Z., tocando guitarra em uma das faixas. E ainda os sopros do Luis Fernando Rocha e do Julio Rizzo e as cordas do André Meneghello na primeira faixa do disco. Um time bem enxuto.

REG: Foi legal gravar na Toca o Bandido? Por que escolheram esse estúdio?

Pedro: Foi ótimo. Uma experiência bem diferente da gravação do primeiro disco. Gosto de dizer que o primeiro era um disco de produção e que esse é um disco de instrumentos. No primeiro a gente resolvia as deficiências técnicas com recursos de estúdio, criando camadas, colocando efeitos. No segundo, por gravar num estúdio de tanta qualidade, o importante era o som de cada músico. Não tinha muito o que disfarçar, era só mostrar mesmo. E chegamos lá meio por acaso, através da Érika Martins. Ela gravou o disco dela na Toca e uma das músicas era nossa - “Sacarina”, escrita para ela. A partir daí, começamos a conversar com a Constança (Scofield), dona do estúdio. Já sabíamos que o disco novo seria gravado fora de Porto Alegre - novos ares e tal - mas só nos decidimos pelo Rio quando fechamos com ela.

REG: Conte um pouco do caminho percorrido desde a composição dessas nove músicas até o processo de gravação:

Pedro: A saída dos outros integrantes coincidiu com o começo do processo de gravar o segundo disco. Algumas das músicas já estavam prontas, compostas pelos quatro (eu, Iuri, Sapo e Goyo). Outras a gente teve que fazer depois, em dupla. Dois processos bem diferentes, mas igualmente interessantes. Acho que não deve ser difícil perceber a diferença entre elas sem olhar para os créditos do disco, mas acho que todas têm a cara da banda. O mais complicado, no final, foi o momento de decidir o que fazer sem ter uma banda completa para tocar, gravar, ensaiar. Mas a vontade de seguir com a banda e a certeza de que ainda tínhamos o que mostrar fez tudo se acertar, de um jeito ou de outro.

REG: Vocês demoraram um pouco até assinar com a Som Livre. Está difícil conseguir um bom contrato com uma gravadora, em tempos de mp3?

Pedro: Já era difícil antes! Ainda mais para uma banda como a Tom Bloch, que nunca teve a preocupação de se encaixar num nicho de mercado. Somos difíceis de catalogar e acho que isso sempre confundiu um pouco as gravadoras. Mas vou dizer que, para bandas independentes ou mais alternativas, os tempos de mp3 são bons. Muito bons, aliás. Nunca se teve tanto acesso a novos nomes, nem tanta possibilidade de escolher o que ouvir. Até mesmo as gravadoras estão tentando se adaptar. O selo Som Livre Apresenta é uma iniciativa ótima nesse sentido. O perfil é independente, mesmo dentro de uma empresa do porte da Som Livre.

REG: Como vocês se sentem como uma das primeiras bandas de um projeto para novos artistas em uma grande gravadora?

Pedro: A iniciativa é ótima. E inteligente, eu acredito. Eles estão dando força a novos nomes, dando suporte. Não tem a expectativa de vender milhões de cópias de algum dos artistas, mas acreditam no potencial comercial de todos. E é ótimo ser tratado como artista novo, ainda mais na minha idade…

Ao vivo, a Tom Bloch enche o palco de convidados, numa interessante e mutante formação

Ao vivo, a Tom Bloch enche o palco de convidados, numa interessante e mutante formação

REG: É verdade que o contrato da Som Livre não cobre nenhum custo, e que a única “vantagem” para a Tom Bloch seria a inserção de músicas de vocês no Sistema Globo?

Pedro: Eles cobrem vários custos, sim. E a inclusão numa trilha de novela, por exemplo, é só uma possibilidade. A grande vantagem é estar em um selo que é parte de uma empresa sólida, o que permite a esse selo apostar em novos nomes com mais segurança. Não sei como é o contrato dos outros artistas, mas o nosso é um tipo de licenciamento. Quando acabar o contrato, a master volta para a banda. Enquanto isso, eles prensam, distribuem e capitalizam em cima.

REG: Você é filho do escritor Luis Fernando Veríssimo. De que forma isso te ajuda ou atrapalha para ter reconhecimento no meio artístico?

Pedro: Ajuda ao mesmo tempo em que não ajuda. Tem um exemplo que eu uso sempre: quem for assistir um show nosso só pra ver o que o filho do Veríssimo está fazendo, só vai voltar pra ver outro show ou comprar o disco se gostar do que viu. Se não gostar, o sobrenome não vai fazer diferença nenhuma. Ter um nome famoso atiça a curiosidade, mas é um efeito de curta duração.

REG: As letras da Tom Bloch são bem caprichadas, se compararmos com a média do rock nacional. A coisa tá no sangue?

Pedro: Não sei se por genética ou simplesmente por ter nascido e crescido em uma casa coberta de livros, mas gosto de palavras. Sempre presto atenção no texto. Acho que isso me deu alguma intimidade com o assunto, mas sinceramente não sei de onde sai a inspiração. Não digo só a minha, mas a inspiração como conceito. De resto, acho que quem quer escrever tem que começar é lendo. Para letras de música, a mesma coisa. A música no mundo todo está repleta de textos geniais, é só prestar atenção.

REG: Na Tom Bloch a letra é prioridade em relação à música?

Pedro: Não exatamente. É raro eu escrever alguma coisa que já não venha com melodia junto. No final, acho que tem pesos iguais. Mas também acho que o tema da letra influencia a música mais do que o contrário. Pelo menos no meu caso.

REG: A música “Situação de Dança” parece falar da dificuldade que você tem ao se apresentar ao vivo, é isso mesmo?

Pedro: É mais sobre a dificuldade de improvisar, de lidar com o inesperado. E dançar numa pista é se deixar levar, não tem coreografia. Por mais que eu não goste de me mover muito no palco - e estou bem longe de ser um animador de auditório - não é um lugar onde eu me sinta em dificuldades. É mesmo uma analogia com as situações inesperadas da vida.

REG: A expressão “capaz” é usada tipicamente no Rio Grande do Sul, mas você conseguiu encaixá-la bem em “Dúvida”. Conte como essa música foi feita:

Pedro: “Hesito, Maria. Me mato ou rasgo tua fotografia?”. Saiu desse hai-kai do Millôr (Fernandes, escritor, dramaturgo, humorista). É sobre um momento definidor: ou fica preso naquele momento/relação ou segue adiante, segue a vida. A palavra “capaz”, nessa música, foi usada no sentido “não-gaúcho” da expressão. Será que ele é capaz? Ou será que é incapaz de deixar pra trás? Mas é claro que é uma brincadeira com a expressão, principalmente pelo som. Fiz questão de cantar o mais “porto-alegrense” possível.

REG: ”Por Favor, Mente” é um tanto melancólica perto das outras músicas. É o lado “dark” da Tom Bloch?

Pedro: Essa é das primeiras músicas que escrevi na vida. Um daqueles exemplos que falei de letra já com melodia. Volta e meia eu mostrava em algum ensaio, jogava meio verde. Mas nunca teve ressonância, acho que ainda não tinha muita convicção. Quando começamos a ver o que mais gravar além das canções que já estavam prontas, me lembrei dela. Pedi para o Iuri abrir uma sessão no computador e ligar o microfone. Gravei o vocal inteiro já com a melodia e o Iuri teve que achar a harmonia depois. Eu não toco nenhum instrumento, é bom dizer. “Por Favor, Mente” é uma música sobre solidão, sobre a necessidade de ser amado intensamente naquele momento… Depois a gente vê como fica.

REG: Há muito de recursos eletrônicos nesse disco. Isso se deve à redução do número de integrantes ou algo que o grupo já tinha interesse em fazer?

Pedro: Na verdade, acho até esse disco menos eletrônico do que o primeiro. É que a bateria, por exemplo, tem um timbre intencionalmente eletrônico, mas é de verdade. Os recursos eletrônicos estão presentes, claro. Mas acho que acabam sendo mais acessórios. A gente buscou um “clima” eletrônico, se é que dá pra se dizer isso. Só que a maioria dos sons é “hand made” mesmo.

REG: Em geral as letras (a de “Entre Nós Dois” em particular) falam de relacionamentos que você parece colecionar ou mesmo observar. Essa é uma das suas especialidades?

Pedro: É um tema que está sempre no centro das minhas composições, eu acho. Mas de uma forma ampla, não são necessariamente relacionamentos amorosos. Quer dizer, acho que a maioria é… De qualquer modo, são canções sobre gente. E gente tem essa tendência meio inexplicável de querer se relacionar com gente… Vai entender.

REG: Ao vivo, a banda é a mesma que gravou o disco? Como têm sido os shows?

Pedro: Um dos efeitos mais divertidos de ser uma banda de dois é que a banda que nos acompanha muda quase que de show pra show. Dependendo da data ou do local, acabamos tocando com quem pode ou está mais perto. E isso tem sido uma experiência sensacional. Não muda nada dos arranjos, das estruturas, nada. Mas basta mudar a mão de quem toca que tudo muda. O Patrick, sempre que pode, toca. Acho que é o mais assíduo até agora. O Junior, aliás, ainda está nos devendo um show.

Duas cabeças que se fundem em uma só: Tom Bloch

Duas cabeças que se fundem em uma só: Tom Bloch

REG: Quais os planos daqui pra frente? Novas músicas a caminho?

Pedro: Sim, várias músicas a caminho. Esperamos começar a gravar em breve. E acho que vai ser um pouco como os shows que comentei na resposta acima. Um rodízio ainda maior de pessoas gravando do que a Tom Bloch já teve até agora.

REG: Como banda andam as atividades da banda agora que vocês se mudaram para o Rio?

Pedro: Gostaria de te dizer que tenho ido muito à praia, mas sigo tão pálido quanto antes…

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