Algumas imagens estão gravadas dentro do imaginário coletivo da música pop. Quem, com o mínimo de interesse pelo assunto, nunca viu, em algum lugar, o crioulo cigano sentado sobre as pernas excitando uma guitarra em chamas que estampa a capa desse DVD? Pois ela tem data e local de registro. No dia 18 de junho de 1967, dentro do Monterey Pop Festival, Jimi Hendrix foi, por ironia do destino, apresentado aos americanos pelo inglês Brian Jones, guitarrista dos Rolling Stones, e fez uma das performances mais avassaladoras em todos os tempos, atingindo o ápice ao atear fogo em sua guitarra em pleno palco, diante de uma platéia em estado de choque.

A dita apresentação aos americanos se deu porque Jimi Hendrix fora levado, ainda no ostracismo, para Londres por Chas Chandler, ex-baixista do Animals e empresário calouro. Lá, nasceu o The Jimi Hendrix Experience, que virou, graças a perícia técnica de Hendrix, a sensação do momento, o hype, para usarmos um termo em voga. Na capital da Inglaterra, todos os guitarristas famosos (Eric Clapton, Brian Jones) passaram a laurear Jimi Hendrix, daí ele ter praticamente estreado em seu país tempos depois. Além de Hendrix, o festival tinha no elenco nomes como The Who, Janis Joplin, Jefferson Airplane, The Mamas & The Papas e The Byrds, entre outros.

Mas é a avassaladora performance de Hendrix o tema principal desse vídeo, num resgate da versão original, gravada em 16mm, para DVD, que vem turbinada com cenas filmadas de ângulos diferentes, numa nova edição. Não se trata, evidentemente, de um vídeo semelhante aos DVDs atuais, com imagem límpida, som cristalino e dezenas de câmeras espalhadas por tudo o que é canto; aqui o que vale é o registro histórico da apresentação, filmada quase que ao acaso, como explicam os produtores do festival no documentário “American Landing”, que abre a apresentação trazendo depoimentos de Mitch Mitchell e Noel Reading, acompanhantes de Jimi Hendrix, colhidos recentemente.

A apresentação de Hendrix já era revolucionária e deixava o público boquiaberto com os solos e o jeito único que aquele guitarrista canhoto tocava. Já ao final, depois de tocar “Purple Haze”, Hendrix conversa com a platéia e diz que “vai sacrificar algo que ele gosta muito”. Depois de solar alucinadamente em “Wild Thing”, com direito a uma relação quase sexual junto aos amplificadores, ele atira a guitarra ao chão, vai até o lado de trás do palco, saca uma garrafinha de álcool e banha o instrumento para depois atear fogo nele, riscando um fósforo. Em chamas, a guitarra é erguida e lançada contra os amplificadores e no piso, até se espatifar e ter seus pedaços atirados para a multidão, completamente atônita. Estava escrito um dos capítulos mais marcantes da história do rock.

O show dura cerca de uma hora e já faz desse DVD um documento histórico a ser preservado para a posteridade. Mas há extras que enriquecem ainda mais o conteúdo. O melhor deles é uma apresentação de Jimi Hendrix em fevereiro de 1967 num pub londrino, para uma platéia de descolados da flower power generation. Hendrix toca “Stone Free” e “Like a Rolling Stone”, e aparece vestindo uma jaqueta que saiu direto de uma interessante reportagem sobre a “nova moda” de Londres na época, com um repórter apurando tudo numa loja no Soho. Outro extra interessante é o documentário “Music, Love & Flowers: The Monterey International Pop Festival”, com o fundador do festival contando como tudo aconteceu.

A carreira de Jimi Hendrix, embora meteórica, certamente é recheada de momentos interessantes e que devem ser guardados para todo o sempre. Este, contudo, talvez seja o mais significativo, onde um sensacional cartão de visitas é mostrado ao mundo. É, também, retrato representativo de uma época marcante para a história da música pop, no qual Hendrix se salienta como um de seus principais ícones, num legítimo encontro com a eternidade.

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